O pior ainda está para vir…

Esta semana alguém disse não se compreender como 500 milhões de europeus suplicam encarecidamente a 300 milhões de americanos que os defendam de 140 milhões de russos! Visto doutro prisma, como a Europa, uma potência económica 10 a 12 vezes mais forte que a Rússia, receia um confronto com esta

O instinto apurado para o negócio nem sempre quer dizer que a mesma perspicácia se verifique a antecipar cenários políticos. E se em negócios geralmente um fracasso origina desastres económicos, alguns com repercussões sociais relevantes, errar em política pode ter consequências bem mais trágicas traduzidas em perdas de milhões de vidas humanas numa escalada militar que rapidamente fica fora de controlo.

Vem isto a propósito da ameaça feita pelo Presidente dos Estados Unidos ao seu homólogo da Ucrânia sobre o este estar a brincar com o desencadear da Terceira Guerra Mundial. Estamos convencidos que Trump se engana: não é por causa da invasão russa da Ucrânia que virá essa Terceira Guerra; mas poderá ser pelo precedente que Putin criou!

É triste ver o líder americano tentar reescrever a História, afirmando despudoradamente que foi a Ucrânia quem «causou» esta invasão. Todos sabemos que não é verdade! Foi Putin que, movido pelos seus instintos expansionistas e imperialistas, invadiu a Ucrânia há 3 anos. Porquê? As respostas podem ser várias, a começar pela cimeira da NATO em Bucareste em Abril de 2008, quando a Ucrânia (e a Geórgia) não aderiu à NATO devido à oposição da Alemanha (de Angela Merkel) e da França (de Nicolas Sarkozy), da Itália e dos 3 países do Benelux. O então Presidente americano, George Bush (filho), também ele Republicano, e o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, também ele trabalhista, votaram na altura a favor. Tivessem aderido, em 2022 estavam protegidos pelo Artigo 5 e, com a América de Biden, Putin não se atreveria a invadir!

Naturalmente, na Constituição ucraniana como em tantas outras, o país sob Lei Marcial está impedido de proceder a eleições que, dadas as circunstâncias, dificilmente seriam livres. Usar este argumento para menorizar Zelensky e o acusar de ditador, quando o contraponto é o tirano do Kremlin, é no mínimo uma piada de mau gosto. E fazer de todos nós ‘estúpidos’ pois ninguém acredita que a Rússia de Putin seja sequer um mínimo resquício de democracia!

O que Zelensky fez ao centralizar toda a Comunicação Social Ucraniana, pública e privada, sob o controlo da Administração Presidencial, a proteção de que continuam a gozar alguns Oligarcas, a perseguição política a alguns dos seus opositores como foi há duas semanas o caso de Petro Poroshenko, a corrupção a todos os níveis da Administração, são exemplos de que a Ucrânia está ainda muito, muito longe, de constituir um Estado de Direito, e portanto de poder integrar a União Europeia. Só mesmo a Presidente da Comissão pensa o contrário e acha tudo um ‘mar de rosas’! Mas, mesmo com estes e outros defeitos, as credenciais democráticas de Zelensky não têm comparação possível com as (inexistentes) de Putin!

É importante aqui recordar que, quando da dissolução da União Soviética, a Ucrânia realizou um Referendo sobre a Independência a 1 de Dezembro de 1991. Foi um Referendo que nem Moscovo conseguiu criticar, e que a Comunidade Internacional saudou pela isenção e participação. O Presidente Boris Yeltsin reconheceu o resultado no dia seguinte. Com efeito, votaram 84,18% dos eleitores, e a nível nacional o SIM ganhou com 92,26% (quase 29 milhões de eleitores), e 7,74% votam contra (menos de 2,5 milhões)! Uma participação impressionante e um resultado esmagador!

Estando hoje em dia mais familiarizados com a geografia ucraniana e a sua divisão administrativa, recordemos que esta se divide em 24 Oblasts (distritos), 1 república autónoma (a Crimeia) e 2 municípios especiais (Kiev e Sevastopol, a capital da Crimeia). Alguns resultados do Referendo são particularmente importantes na atual conjuntura:

República da Crimeia: 54,19% votos favoráveis;

Sevastopol cidade: 57,07%;

Donetsk oblast: 83,90%;

Luhansk oblast: 83,86%;

Zaporizhzhia oblast: 90,66;

Kherson oblast: 90,13%;

Kiev cidade: 92,87%;

Kiev oblast: 95,52%.

Odessa oblast: 85,38%;

Kharkiv oblast: 86,33%;

O SIM vence em todos os 27 Círculos eleitorais, mesmo na Crimeia tem mais de 54% dos votos em ambos, e no restante país tem sempre mais de 83% dos votos! A legitimidade da Independência num Referendo livre e democrático ficou amplamente expressa.

Estes votos desmentem, categoricamente, os argumentos do Kremlin sobre a vontade de alguns territórios pertencerem à Nova Rússia. E não tentem comparar a seriedade deste Referendo com os realizados em 2014 na Crimeia, em Donetsk ou Luhansk, sob a ponta de baionetas russas. 

Desde 2014, e com territórios conquistados em 4 Oblasts desde a invasão de 2022, a situação real no terreno é distinta, com a Rússia a controlar, de facto, largos territórios ucranianos. Por isso se fala de cedências territoriais de que a Rússia não prescindirá porque os ‘conquistou’. Mas também a Ucrânia, em resultado da guerra, ocupa neste momento áreas consideráveis do Oblast russo de Kursk. E ainda não ouvimos ninguém dizer que, se o Kremlin reivindica os territórios ocupados na Ucrânia, Kiev terá igual legitimidade para reivindicar os territórios russos conquistados! Este será, sem dúvida, um dos maiores pontos de desacordo num (esperamos) próximo Processo de Paz.

Como tantas vezes no passado mais ou menos recente, neste conflito com a Ucrânia, Putin violou compromissos internacionais subscritos pela Rússia: A Ata Final de Helsínquia, o Memorando de Budapeste, os Acordos de Minsk! Um comportamento nada anormal para um Coronel do KGB. O que já é inexplicável é que, na Casa Branca, possa haver quem nele confie! 

Esta semana alguém disse não se compreender como 500 milhões de europeus suplicam encarecidamente a 300 milhões de americanos que os defendam de 140 milhões de russos! Visto doutro prisma, como a Europa, uma potência económica 10 a 12 vezes mais forte que a Rússia, receia um confronto com esta. E, no entanto, têm razão! Apesar do enorme domínio russo do espaço aéreo (que o Ocidente, em 3 anos, não defendeu nem deu à Ucrânia capacidade para defender-se), a sua marinha no Mar Negro foi um fracasso e a guerra no solo salda-se, em 3 anos de ferozes combates, com a conquista de 20% do território! Um desastre humilhante quando se apregoava a esmagadora superioridade russa, que tomaria Kiev em 2 semanas e faria da Ucrânia uma nova colónia em 2 meses, com um regime fantoche como o Kremlin aprecia!

Então porque considerar que a Europa tem razão em recear um confronto? Não sendo exaustivo, enumeramos 4 razões:

– para conseguir manter um povo que vive em condições de penúria e carência das mais elementares condições, o Kremlin precisa de ter um inimigo externo que a sua implacável máquina de propaganda responsabiliza por essa mesma miséria em que a generalidade dos russos vive;

– criado o ambiente de ódio ao inimigo designado, os jovens russos são ‘carne para canhão’, lançados para a linha da frente sem preparação, sem treino, e mal equipados; a Rússia dispõe de equipamento militar de ponta mas essas são as armas que estão em reserva, não as dos mancebos que ou avançam de peito feito ou são fuzilados pelos seus superiores hierárquicos ao retrocederem da frente de combate; 

– e se começam a faltar soldados, há sempre um outro ditador num país vassalo que por umas toneladas de cereais obedece e envia os seus próprios jovens para morrerem bem longe, sem saberem nem onde nem porquê;

– Putin e o Kremlin só sabem viver, interna ou internacionalmente, pela repressão, pela força e pelo medo; por isso a chantagem sempre presente do uso de armamento nuclear se os seus interesses forem ameaçados! Mas nas últimas décadas, sem ser na fértil imaginação da propaganda do Kremlin, será que alguém pode apontar um ataque externo à Rússia?

No início deste texto referimos o grave precedente que pode significar, no segundo quarto do Século XXI, a invasão e conquista pela força dum país ou território. Juntamos a nossa a tantas vozes que sabem que Putin não é, em circunstância alguma, um parceiro confiável, e que se virará para o que lhe parecer mais conveniente a cada momento! 

No seu íntimo, Washington pode justificar a sua atitude relativamente à Ucrânia, e à Europa, no seu maior receio em política internacional: é bem provável que, no seu mandato, Pequim queira concretizar o englobar de Taiwan na China. E Trump quer ter Putin do seu lado se tal ocorrer. Está redondamente enganado. Putin estará então incondicionalmente ao lado de Xi Jinping! E serão os parceiros europeus, agora negligenciados pela Casa Branca, quem apoiarão os Estados Unidos.

Um apoio que será somente diplomático, já que o Indo-Pacífico não está incluído nos Tratados de Defesa subscritos pelos europeus. Aliás, quando chegar essa trágica hora a Taiwan, a Administração Republicana que aceita o precedente da Invasão russa ao vizinho, nada mais fará que vociferar. Ou, então sim, teremos a Terceira Guerra….

Mesmo querendo nós estabelecer um paralelismo entre a Ucrânia e Taiwan, não esqueçamos que, de forma hipócrita, a Comunidade Internacional aceita considerar a Ilha Formosa como território integrante da República Popular da China, o que dá a Pequim um fortíssimo argumento que Putin não pode usar com a Ucrânia!

 Um tema a que, infelizmente, teremos que voltar, porventura bem mais cedo do que gostaríamos. Pode ser que essa ‘unificação’ seja antes das eleições para o Congresso dos Estados Unidos de Novembro de 2026…