As palavras que o vento não leva

O mercado está cheio de gente que ‘quer ser’ e os que realmente ‘são’ ficam muitas vezes pelo caminho…

Nos últimos tempos por estar a trabalhar na Casa do Artista, tenho contactado de perto não só com os residentes como também com pessoas ligadas ao meio artístico que generosamente dão a sua colaboração naquele importante projeto. Gente interessante, simples, verdadeira, com quem vou aprendendo muito e ouvindo histórias de vida que me têm enriquecido a alma. Um deles chama-se António Homem Cardoso. Homem sabedor, experiente, criativo, com um apurado sentido de humor e com uma carreira brilhante na área da fotografia, onde as cores da natureza bem cedo o fascinaram, tendo-se celebrizado também no retrato de personalidades ilustres da vida nacional e internacional. Com inúmeros trabalhos publicados o mestre Homem Cardoso agraciado em 2023 pelo Presidente da República com o grau de Comendador da Ordem do Infante, é hoje uma referência no ramo.
E como ao lado de um grande homem está sempre uma grande mulher, a Joaninha é o pilar da sua vida. Quando um dia o questionei à cerca da sua obra, respondeu-me de forma curiosa: «Não é fotografo quem quer, é fotografo quem é». Esta expressão de significado bem mais profundo do que à partida possa parecer, viria a ser reproduzida pelo próprio na entrevista concedida a Fátima Campos Ferreira que a RTP transmitiu no passado dia 15 de janeiro no programa Primeira Pessoa. Ao utilizar aquele pensamento, está implícito que, para fazer fotografia, é preciso ter qualidades natas para lhe dar vida, ou seja, aptidões próprias e genuínas que já nascem com a pessoa. Pegando naquelas palavras e adaptando-as à vida real chega-se facilmente à conclusão que, para todas as profissões, é essencial ter as tais características particulares para as exercer corretamente. Mas, nem sempre é assim. De um lado encontramos aqueles que ‘são’ no sentido mais puro da palavra. Do outro estão os que ‘querem ser’ e, na maioria dos casos, por mais voltas que possam dar, nunca conseguem lá chegar. Nem todos podem ser pintores, pianistas, atores, médicos, jogadores de futebol entre outros e há que aceitar isso com naturalidade. Mal é quando se fecham os olhos às aptidões básicas de cada um e se tenta confundir as coisas ‘arrumando-as’ no sitio errado.
O mercado está cheio de gente que ‘quer ser’ e os que realmente ‘são’ ficam muitas vezes pelo caminho. O meu campo profissional é um bom exemplo. Vejamos: entra-se em Medicina através de critérios controversos e altamente discutíveis, onde se olha apenas a médias elevadíssimas ou à capacidade económica para procurar alternativas em faculdades particulares em Portugal ou no estrangeiro. Depois segue-se a escolha da especialidade e candidatos bons para determinadas áreas são frequentemente obrigados a seguir outros caminhos bem diferentes das suas aptidões. Dai eu lançar o meu apelo: comecem a selecionar candidatos em primeiro lugar com testes psicotécnicos, separando logo à partida os que ‘são’ dos que ‘querem ser’ e só depois, se necessário, recorrer a outros critérios de desempate. Está mais do que provado que muitos problemas no trabalho do dia a dia, tanto na Medicina como em qualquer outro setor se devem ao facto de não estarem as pessoas certas nos lugares certos e continuar a ignorar esta realidade é um erro grave que nalguns casos se paga bem caro. Neste contexto, uma pergunta se me oferece fazer: quem está presentemente no Serviço Nacional de Saúde? Quem ‘é’ por ele e se identifica com os seus princípios e com as suas diretrizes ou ‘quem quer’ lá estar por não ter outra possibilidade de escolha?
Obrigado mestre Homem Cardoso por tudo o que tenho aprendido consigo. Aprender com a experiência dos mais velhos ajuda-nos a crescer. A sua obra ficará para a História e as suas palavras carregadas de sabedoria nunca serão esquecidas. São palavras que não se perdem no tempo. São palavras que o vento não leva.

Médico