De novo o CINM

Se há um problema de justiça fiscal a ser debatido, não é o CINM, nem o antigo regime dos RNHs, que devem estar no centro da discussão.

A análise dos benefícios fiscais concedidos entre 2020 e 2023, conforme apresentada no relatório do Conselho das Finanças Públicas (CFP), reforça que a Zona Franca da Madeira, vulgo Centro Internacional de Negócios da Madeira (CINM), está longe de ser o maior foco da ‘despesa fiscal’ em Portugal. A realidade dos números mostra que os benefícios fiscais verdadeiramente expressivos não se encontram na CINM, mas sim em regimes como o Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE) e o Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI).


Os dados recolhidos pelo CFP e demonstram que 60% da ‘despesa fiscal’ corresponde a taxas reduzidas do IVA, incluindo as taxas normais aplicadas nas Regiões Autónomas, um valor que representa cerca de 10 mil milhões de euros dos 17 mil milhões totais. Já os incentivos do Regime do Residente Não Habitual (RNH) e do CINM perfazem apenas 8% do total (1,3 mil milhões de euros), autêntica despesa fiscal fictícia – parafraseando o Professor Sérgio Vasques da Universidade Católica Portuguesa.


Dentro desse contexto, o CINM representa uma fatia muito pequena da ‘despesa fiscal’, com 73,92 milhões de euros em 2023, um valor muito inferior aos 656,9 milhões do SIFIDE, aos 225,6 milhões do RFAI ou aos 225,6 milhões de benefícios fiscais em sede de imposto sobre os veículos (ISV). Ainda assim, o CINM é frequentemente alvo de um escrutínio desproporcional, quando a verdadeira questão deveria ser a estrutura global dos benefícios fiscais, onde os maiores incentivos dificilmente podem ser eliminados sem impacto económico relevante e os menores não representam receita significativa para o Governo da República.


O CFP evidencia que os benefícios fiscais estão concentrados nos setores industriais, no comércio e no setor automóvel, com grande parte dos apoios fiscais a serem absorvidos por empresas de grande porte com volumes de negócios anuais superiores a 250 milhões de euros. O CINM, pelo contrário, segue um regime muito mais restritivo, com requisitos de criação de emprego e investimento na Região Autónoma da Madeira (RAM), garantindo um impacto direto numa economia ultraperiférica.


Se há um problema de justiça fiscal a ser debatido, não é o CINM, nem o antigo regime dos RNHs, que devem estar no centro da discussão. Os benefícios fiscais mais vultosos estão altamente concentrados em empresas do continente, localizadas nas NUTS mais ricas do país (Lisboa, Norte e Centro). Mesmo assim, o CINM parece ter que justificar a sua existência repetidamente, enquanto outros regimes muito mais dispendiosos continuam a ser aceites sem grande contestação pública ou política.
Recorde-se que a criação do CINM teve como propósito mitigar as desvantagens estruturais da Madeira, decorrentes da sua ultraperiferia, garantindo que a região se mantém competitiva no cenário internacional. As empresas licenciadas no CINM pagam impostos em Portugal e estão sujeitas a supervisão, contrariando a percepção errada de que se trata de um ‘paraíso fiscal’ ou que se trata de uma ‘despesa fiscal’. Enquanto outras jurisdições europeias e internacionais oferecem regimes fiscais semelhantes ou até mais vantajosos, a manutenção e aumento de competitividade do CINM não é apenas uma questão de competitividade, mas também de justiça regional e fiscal.


O debate sobre os benefícios fiscais deve focar-se na simplificação do sistema, reduzindo a carga administrativa e melhorando a transparência, sem, contudo, desmantelar regimes que realmente contribuem para o crescimento económico, como o CINM. Este regime fiscal é legítimo e necessário, garantindo desenvolvimento económico, captação de IDE e arrecadação fiscal para o país. A verdadeira questão não é a sua existência, mas a necessidade de se reavaliar quais os benefícios fiscais que fazem, de facto, a diferença e quais os que apenas incentivam a litoralização do país.

Economista