O mundo está em chamas. Aguardamos todos pelo desfecho das negociações para a paz na Ucrânia, mesmo depois do azedar de relações entre Washington e Kiev na ressaca do show na Sala Oval. O Médio Oriente parece ter sido colocado em segundo plano, mas Trump já lançou um novo ultimato ao Hamas. No Pacífico, as tensões escalam, com o embaixador chinês nos Estados Unidos a indicar que «se é guerra que os EUA querem, seja uma guerra de tarifas, uma guerra comercial ou qualquer outro tipo de guerra, estamos preparados para lutar até ao fim». Há também a questão de Taiwan e dos outros territórios, nomeadamente as Filipinas, que se digladiam com os chineses pela soberania no Mar do Sul da China.
Tudo isto nos coloca perante duas evidências: primeiro, a Ordem Liberal Internacional – nascida no pós-II Guerra Mundial e fortalecida após o colapso da União Soviética – parece ter chegado ao fim; segundo, a realpolitik e a dissuasão, dois conceitos marginalizados pela crença do fim da história e da paz perpétua através de instituições internacionais, revelam-se cada vez mais importantes. Por isto, vemos os líderes europeus numa corrida contra o tempo, cada vez mais certos de que uma ausência de capacidade militar nos condenará. Finalmente. Se o vão conseguir é outra conversa, mas, pelo menos, já acordaram para essa realidade.
Perante isto, pouca gente se tem lembrado das Nações Unidas, à exceção da resolução em que os Estados Unidos e Israel votaram ao lado da Rússia e da Coreia do Norte. E é natural. Uma instituição cuja irrelevância cresce a cada dia, incapaz de cumprir a sua missão principal e que se afasta dos seus princípios fundadores para tentar impor agendas ideológicas supranacionais, é uma instituição destinada ao fracasso.
Na quarta-feira, no meio de todas as cimeiras e debates sobre defesa e segurança, o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, deixou o seu contributo para a discussão: «O futuro da humanidade depende do investimento na maquinaria da paz, não na maquinaria da guerra. Exorto os líderes a reforçarem os sistemas e instrumentos que impedem a proliferação, o ensaio e a utilização de armas mortais (…) É tempo de (…) investir em soluções de desarmamento e no futuro pacífico que todas as pessoas merecem». Acredito que o Kremlin e o Politburo chinês tenham soltado uma gargalhada.
A ONU teima em não entender que o mundo mudou, que o constante enfraquecimento militar tanto europeu como americano – principalmente na presidência de Biden – empodera o eixo Rússia-China-Irão-Coreia do Norte e que a frase «Aquele que deseja a paz, que se prepare para a guerra» de Vegécio é uma máxima fundamental nas relações internacionais, goste-se ou não. As Nações Unidas também parecem não compreender que o sistema mudou. A Ordem Liberal Internacional, da qual a ONU era um dos alicerces, está ferida de morte, para não dizer que já acabou – até porque o líder americano não acredita nela – e voltámos a uma conjuntura pautada pelo equilíbrio de poder.
Dadas as circunstâncias, uma organização que se fecha sobre si própria e sobre as suas agendas ao invés de se adaptar às rápidas mudanças da política internacional, que não entende, ou não quer entender, todas as nuances mencionadas antes e cujo Secretário-Geral tem contribuído para a descredibilizar ainda mais, é uma organização que tem a sua morte anunciada.