«Ao Presidente da República, o primeiro interessado na estabilidade e que tudo fez ao seu alcance para a alcançar, não restava nenhuma opção senão a dissolução da Assembleia da República», afirma Marcelo na comunicação ao país ao início da noite desta quinta-feira, anunciando a convocação de eleições antecipadas para 18 de maio.
Certo é que, se por um lado Marcelo continua a apresentar-se como um garante de estabilidade, o seu recorde de dissoluções parlamentares parece apontar noutro sentido. Há quem já o chame de um ‘campeão das dissoluções’, sendo a terceira vez que utiliza a ‘bomba atómica’ no seu segundo mandato.
A comunicação ao país seguiu-se à reunião do Conselho de Estado que tudo aponta que se tenha pronunciado no sentido de haver dissolução da Assembleia da República e convocação de eleições antecipadas
O desfecho já se fazia prever, não restando outra opção a Marcelo que, no entanto, fez questão de culpar Montenegro pelo desencadear de uma crise que teve a ver «com o juízo ético sobre uma pessoa». O Presidente da República expôs desta forma as razões para ter ficado de pés e mãos atados nesta crise: «Porque para uns, com os factos invocados e os esclarecimentos dados, a confiança ética ou moral era óbvia. Porque, para outros, com os mesmos factos invocados e os esclarecimentos dados, a desconfiança moral ou política é que era óbvia. E, entre as duas posições, o acordo não era possível. Não se pode , ao mesmo tempo, confiar e desconfiar ética e moralmente de uma pessoa, neste caso do primeiro-ministro, e, portanto, do Governo. Não havia meio caminho». E assim mais uma vez o Presidente cumpriu a doutrina que fala por si.
O Chumbo do OE que fez cair o Parlamento
Em outubro de 2021, o Governo liderado por António Costa apresentou a proposta do Orçamento do Estado para 2022. O PS governava sem maioria absoluta e, até então, tinha conseguido fazer passar os seus orçamentos com o apoio dos partidos mais à esquerda: o BE e o PCP.
Mas, dessa vez, as negociações falharam. Nem o BE nem o PCP ficaram satisfeitos com as garantias dadas pelo Governo. Ambos votaram contra a proposta, juntando-se ao PSD, CDS, Chega e Iniciativa Liberal. Com a rejeição do Orçamento na Assembleia da República, abriu-se uma crise política.
O Presidente da República considerou que, sem um Orçamento aprovado, o Governo ficaria enfraquecido e sem condições para governar. Marcelo tentou evitar o cenário extremo, mas, perante a falta de entendimentos, anunciou a dissolução da Assembleia da República a 5 de dezembro de 2021 e convocou eleições antecipadas para 30 de janeiro de 2022.
O PS acabou por sair beneficiado da crise e reforçou a sua posição no poder. Nas eleições antecipadas, Costa conquistou uma maioria absoluta, com 41,36% dos votos e 120 deputados eleitos, permitindo-lhe governar sem depender de acordos com outros partidos.
A queda de António Costa
A segunda dissolução do Parlamento ocorreu num contexto muito diferente da primeira. Em novembro de 2023, Portugal foi abalado por uma investigação do Ministério Público, o processo Influencer, que envolvia suspeitas de corrupção e tráfico de influências em negócios ligados a projetos de lítio, hidrogénio verde e ao centro de dados de Sines.
O escândalo atingiu um ponto crítico no dia 7 de novembro de 2023, quando a Polícia Judiciária encontrou milhares de euros em dinheiro escondidos em gavetas no gabinete de Vítor Escária, chefe de gabinete do primeiro-ministro. A descoberta deste dinheiro levantou suspeitas de corrupção ativa e passiva.
No mesmo dia das buscas, chega um comunicado da PGR que explica as diligências realizadas e menciona António Costa no seu último parágrafo, dizendo que o primeiro-ministro será alvo de investigação num processo autónomo.
Perante a gravidade da situação e a pressão mediática crescente, Costa decidiu apresentar a sua demissão imediata ao Presidente da República. No seu discurso ao país, afirmou que confiava na Justiça e que estava de «consciência tranquila», mas que não podia continuar a liderar o Governo enquanto o seu nome estivesse envolvido numa investigação desta dimensão.
Com a demissão de Costa, o Presidente da República teve de tomar, mais uma vez, uma decisão difícil: nomear um novo primeiro-ministro do PS para continuar o Governo ou dissolver o Parlamento e convocar eleições antecipadas.
Desta vez, Marcelo adiantou que resolveu dissolver a Assembleia da República por «decisão própria», depois de ter ouvido os partidos, que foram favoráveis à dissolução, e de ter ouvido o Conselho de Estado, onde houve um ‘empate’ entre os conselheiros.
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