Causou grande espanto o voto da Eslováquia sobre a Ucrânia no Conselho Europeu da semana passada.
Desde que a Ucrânia bloqueou o trânsito de gás russo através do seu território no início do ano, o primeiro-ministro Robert Fico tem sido extremamente crítico dessa medida, culpando simultaneamente a Ucrânia e a Comissão Europeia pelo disparar dos custos energéticos na Eslováquia, o Estado-Membro mais afetado por esta medida unilateral. Fico ameaçou repetidamente vetar qualquer iniciativa de apoio a Kiev até que esta reiniciasse a passagem do gás, sendo mesmo mais virulento que Orbán nas críticas a Zelensky.
A proposta de conclusões do Conselho continha um ponto que mencionava: «O Conselho Europeu apela à Comissão, à Eslováquia e à Ucrânia para intensificarem os esforços em busca duma solução possível para a questão do trânsito de gás, incluindo pelo seu reinício.» Uma linguagem extremamente mais leve que a usada habitualmente, e por isso todos pensavam que seria rejeitada pela Eslováquia.
Eis que a Eslováquia surpreendeu todos ao aprovar as conclusões finais, uma surpresa tanto maior quando se lê o texto final: «O Conselho Europeu apela à Comissão, à Eslováquia e à Ucrânia para intensificarem os esforços em busca duma solução possível para a questão do trânsito de gás, tendo em consideração as preocupações expressas pela Eslováquia».
A mudança é flagrante! Se o texto original já era bem vago, apenas um enunciar de intenções, o texto final é ainda menos vinculativo, e certamente que em nada alterará a dramática situação da Eslováquia. Dá pois que pensar porque um texto que Fico devia ter exigido fosse endurecido e bem mais concreto, acabou por ser ainda mais suavizado, e como foi possível o primeiro-ministro Fico aprová-lo?
Primeira questão: apenas a Comissão ou a Ucrânia podiam ter interesse em que o texto fosse mais suave. Em princípio (estaremos a ser ingénuos?) a Ucrânia não tem acesso às conclusões do Conselho até estas serem públicas. Não sendo assim, resta que foi a pedido da Comissão Europeia. Ora é inadmissível e altamente condenável que a Comissão tenha optado por privilegiar um terceiro Estado em detrimento dum Estado-Membro da União Europeia. Que para mais von der Leyen se tinha comprometido publicamente a defender nesta questão.
Por outro lado, o primeiro-ministro Fico é conhecido por ser um duro negociador, e há meses que vem proclamando que a paragem do trânsito do gás é uma questão de importância vital para o seu País.
Então…que aconteceu? Por baixo da mesa, que ofereceu Ursula von der Leyen à Eslováquia em troca do seu voto neste tema tão sensível? E que garantias foram dadas a Fico? E, como certamente existiram, porque não foram anunciadas aos restantes 26 Estados-Membros?
Ou Zelensky prometeu reverter a sua decisão e permitir a circulação de gás? Como uma semana depois tal não ocorreu, não foi por aqui!
É deplorável constatar que se verifica um flagrante crescendo de falta de transparência neste segundo mandato da Presidente da Comissão. Estes acordos não podem ser feitos à porta fechada.
E se é condenável este procedimento, também o é que ninguém, outro membro do Conselho Europeu, o Parlamento Europeu, um Eurodeputado, um jornalista, um comentador, não exijam uma explicação sobre o que foi prometido à Eslováquia para alterar o seu voto. Que estranha cumplicidade…
E depois admiram-se que, com estes tristes exemplos, cresça a desconfiança e o distanciamento dos cidadãos para com as suas Instituições!
P.S. – À mulher de César não basta ser honesta Fora de questão que os delapidados paióis europeus têm que ser rapidamente reabastecidos. O auxílio à Ucrânia deixou as diversas Forças Armadas europeias com as reservas perigosamente esgotadas. E cada vez mais entregues a nós próprios, é urgente ter consciência desta necessidade premente.
Certo também que os Estados-Membros devem, prioritariamente, comprar produção europeia. Que em praticamente tudo é absolutamente topo de gama e compete com qualquer concorrência, mesmo a americana. E esses mesmos produtores europeus devem participar neste esforço de todos e comprimir os seus lucros numa produção que não é para exportação, é para a sua própria defesa e sobrevivência.
É por isso incompreensível que a Comissão Europeia queira, como diz ontem o Financial Times, centralizar em si essas mesmas compras… Será que a memória é curta?
Todos nos recordamos do episódio das vacinas da covid. Foi eficiente mas opaco! Acabamos de falar de transparência e esse episódio foi o mais nebuloso na legislatura anterior. Até o Parlamento Europeu ficou chamuscado por não ter esclarecido cabalmente o tema.
É que os contratos da Comissão não vão poder voltar a ser negociados por SMS da sua Presidente!