Aguiar-Branco, um herói portugués

O presidente do Parlamento merece um sindicato só para ele por tentar estoicamente dirigir o que não é dirigível. Ele não desiste dos seus deputados, assim como os professores não desistem dos alunos mais problemáticos na esperança de que “ele ainda vai lá”. Aguiar Branco é um homem de fé.

Esqueçam as profissões de desgaste rápido como a dos professores, médicos ou controladores aéreos, não deve haver trabalho mais desgastante que ser presidente da Assembleia da República. Ninguém está preparado para aquilo. Ser presidente do Parlamento é como ter uma turma de 230 alunos e não poder mandar ninguém para a rua, avaliar o seu desempenho ou apresentar baixa por esgotamento. Os professores queixam-se, e com razão, de que os alunos fazem barulho, interrompem, são malcriados, não põem o dedo no ar para falar, não obedecem ao professor, fazem bullying aos colegas e não largam os telemóveis. José Pedro Aguiar-Branco, o homem que está atualmente a dirigir a sala de aula mais problemática do país, queixa-se do mesmo.

Qualquer sessão legislativa é um suplício. A gritaria é a mesma que faz uma turma do oitavo ano quando o professor sai por uns minutos para ir tirar fotocópias. Só que no caso da sede da democracia, não é preciso o presidente sair da sala para o caos se instalar. O homem deve chegar a casa de rastos. E a verdade é que José Pedro Aguiar-Branco já denota algum cansaço de há um ano para cá. Está mais caído, mais desgastado e parece triste, desmotivado, vá.

As expressões usadas pelo presidente da Assembleia da República para tentar dominar 230 deputados e mantê-los sentados em silêncio, são as mesmas usadas pelas professoras do primeiro ciclo para manter a ordem na sala de aula dos oito anos: “Se não se calam, não se consegue ouvir ninguém”; “Tenham mais respeito pelos colegas que estão a tentar fazer-se ouvir”, “Não lhe dei autorização para intervir”, “Por favor, tenham modos”, “Vou ter de interromper os trabalhos se não manterem a ordem”, “Olhem o exemplo que estão a dar”. A grande diferença é que os professores têm mais instrumentos à sua disposição para dominar a turma: podem suspender os alunos, chamar os pais, mandá-los para a rua, tirar os recreios ou vingarem-se nas notas e nos trabalhos de casa. Quantas vezes não tivemos testes surpresa por causa do comportamento e quantas vezes ficamos sem recreio? E por muito menos razões do que os circos dos debates quinzenais. Além disso, os professores, quando chegam ao limite das suas forças, podem pedir uma baixa médica para recuperar forças e sanidade, já Aguiar-Branco, nem tem poder para chamar os pais dos deputados ao Parlamento ou impedi-los de ir ao bar enquanto os trabalhos estão a decorrer.

Os deputados, ao contrário dos alunos, entram e saem do hemiciclo quando bem lhes apetece, não têm de levantar o braço para ir à casa de banho e ninguém lhes manda desligar os telemóveis ou andarem a passear nas redes sociais enquanto os colegas estão a discursar. Ora, isto só podia dar asneira. O resultado é como deixar uma turma de repetentes em autogestão e pedir a uma auxiliar que vá dando um olho. O único instrumento coercivo que Aguiar-Branco tem à sua disposição é um botão que silencia o microfone de quem não se cala. É pouco. No hemiciclo, ao contrário das salas de aula, são permitidos insultos e interrupções, e ganha quem berrar mais alto.

Aguiar-Branco merece o nosso respeito eterno, merece um sindicato só para ele e merece uma reforma vitalícia só por este ano que gastou a dirigir os trabalhos na Assembleia da República. Tentou, sem grande sucesso, dirigir o que não é dirigível, mantendo a paciência, a postura e nunca, nunca desistiu dos seus deputados, assim como os professores não desistem de tentar educar os alunos mais problemáticos na esperança de que “ele ainda vai lá”. Não há dúvidas que Aguiar-Branco é um homem de fé.