O Matuto delicia-se com um bom pastel. Os pastéis de massa tenra da Frutalmeidas são sublimes. Aquela esquina da Av. De Roma foi muitas vezes um porto de abrigo para o Matuto. O recheio refinado, a massa delicada, a cobertura ligeiramente estaladiça a derreter na boca… Tudo deveria contribuir para elevar este regalo nutritivo a Património Cultural Imaterial da Humanidade. No entendimento do Matuto este é um alimento ‘honesto’. Um autêntico programa cultural.
Ora, no Brasil os pastéis são tropicais. No sabor, na apresentação e no modo de serem apreciados. O pastel de feira faz parte do quotidiano do Paulistano. Na cidade que tão generosamente acolheu o Matuto no seu seio, a feira deambula pelos bairros. Um dia é no Bairro dos Alemães, num outro é em Vila Rezende e ainda noutro é no Parque dos Sabiás. É tão normal comer um pastel de feira, como ser assaltado em semáforo. Os manducantes desta iguaria, são donas de casa, motoristas de taxi (e Uber), gente que sai do ginásio (academia, no Brasil, por favor), funcionários públicos, donas de boutique, polícias, moradores de rua, cabeleireiros, barbeiros, designers, engenheiros, mulheres perfumadas, mulheres em fase de perfumação, homens de negócios… Enfim! Uma fauna humana eclética. Toda esta gente se mistura e entrecruza em frente à barraca dos pastéis. Os mais avisados sabem que não devem ficar perto do tacho de óleo fervente. O cheiro a gordura entranha-se e dura horas no cabelo e na camisa. Mas, se o vento vira é o cargo dos trabalhos. Os sabores são fixos: carne, queijo, frango, palmito e o especial com azeitonas ou tomate. Um “pastel feliz” é sempre acompanhado por um molho de vinagrete ou uma mostardazinha. Ketchup é uma modernice pouco recomendável. Para completar o ritual bebe-se um caldo de cana. Geladíssimo. Dulcíssimo. Caloricossíssimo. Puro, ou com limão ou abacaxi. Um Guaraná é aceitável. O pastel é um ‘monumento’ na vida gastronómica Brasileira. Um alimento ‘honesto’ – considera o Matuto.
E, falando de pastéis o Matuto topou com uma história em que o Rubem Braga ouvindo falar de mais uma alta na inflação, decidiu fazer a ronda ‘cultural’ dos bares. Começou por uma imperial (chope, no Brasil, por favor) preta, depois embarcou numas louras, e tudo para dissolver uns belos pastéis de carne e palmito. Para completar o programa cultural enfiou-se num sebo (livraria de livros usados, em Portugal, por favor) onde comprou um livro com dedicatória, do grande Carlos Lacerda. O Matuto apoia estas andanças culturais.
E parece que a História vira o disco e toca o mesmo. O Matuto está abespinhado com a inflação crescente neste Brasil de hoje. Dá uma vontade imensa de fazer a ronda dos bares. Beber umas ‘bejecas’ (ainda se usa esta palavra?) e devorar uns pastéis. De forma voraz. Depois sair pela noite dentro e exercer o livre direito de eructar (vulgo arrotar) antes que a esquerda bacoca cancele esse acto ‘honesto’. Um autêntico programa cultural, e sem qualquer subsídio do governo – sugere o Matuto.