A depressão tem vindo a ser considerada a epidemia dos dias modernos e uma das maiores causas de mortalidade no mundo. Em Portugal, é uma das doenças mentais com maior incidência: estamos entre os cinco países com mais casos de depressão na União Europeia. Estima-se que em Portugal, cerca de 100 mil pessoas sofram de doença mental muito grave e crónica e que mais de 12%, com 15 ou mais anos, vivam com depressão. Mas afinal o que é a depressão? Como se manifesta? Quais as causas e tratamentos possíveis?
Uma doença mental cada vez mais comum
Segundo Jéssica Condeixa, psicóloga clínica e terapeuta EMDR, a depressão é uma doença mental que envolve alterações no nosso humor e comportamento e que se prolonga no tempo. “Define-se por um conjunto de pensamentos, sentimentos e comportamentos que podem ser resposta a acontecimentos ou circunstâncias de vida (no presente e no passado)”, explica ao i. “Naturalmente, já todos nos sentimos mais ‘em baixo’ em algum momento da nossa vida, mas a depressão é mais do que estar triste ou aborrecido durante uns tempos, é um sofrimento emocional que se prolonga no tempo e afeta a nossa vida diária e a capacidade de funcionar”, continua.
Por isso, alerta, na depressão o sofrimento é “acumulado”, “contínuo” e “persistente” o que leva a pessoa ao “desespero” e a “uma procura desesperada de alívio, por vezes na ideia de que a única forma de alívio é não viver”. “Isto não significa que a pessoa queira realmente morrer, procura apenas uma forma de terminar o sofrimento. Em caso de escolha entre não viver ou ter a oportunidade de viver sem este peso e sofrimento, a maior parte das pessoas escolheria viver”, esclarece.
De acordo com a especialista, os principais sintomas da depressão são “sentimentos de tristeza profunda e persistentes, falta de energia e vitalidade e perda de interesse em atividades que antes eram prazerosas”. “Estes sintomas tendencialmente desenvolvem-se gradualmente e podem envolver também apatia, irritabilidade e ansiedade”, acrescenta.
Além disso, frequentemente, as pessoas com depressão “têm dificuldade em sentir emoções, quer agradáveis (alegria) quer desagradáveis (perda)”. “É como se vivessem num mundo sem cor e sem vida, perdendo o interesse pelo que antes as motivava”, frisa a especialista, detalhando que “podem também existir sentimentos intensos de culpa, dificuldades de concentração e pensamentos e comportamentos autodestrutivos como: ‘Não valho nada’ ou ‘Não vale a pena viver’”. “Podem ainda apresentar uma fraca qualidade de sono e insónias ou hipersónias. A falta de apetite e perda de peso, ou a alimentação excessiva e o aumento de peso são também comuns em depressão”, continua a psicóloga. Noutros casos, pode acontecer que as pessoas “negligenciem a higiene pessoal, o autocuidado e o cuidado das pessoas à sua volta”.
Causas e impactos
Segundo Jéssica Condeixa, não se consegue esclarecer uma causa exata da depressão. “Sabemos que certos fatores podem tornar a pessoa mais propensa ao seu desenvolvimento, como fatores genéticos; padrão geracional e tendência familiar; eventos emocionalmente perturbadores e angustiantes como uma perda; ser do sexo feminino (as mulheres são mais propensas à depressão, entre outras razões, pelo impacto das alterações hormonais que originam alterações de humor); problemas de saúde (estes podem causar a depressão indiretamente, pelo efeito negativo que têm na vida da pessoa, como quando a artrite reumatoide provoca dor e incapacidade) e padrões aditivos de comportamento”, detalha. Para a psicóloga, a depressão “não reflete fraqueza ou falta de força de vontade ou personalidade”. “As pessoas que estão deprimidas tentam sentir-se melhor, mas lidam com grandes obstáculos e incapacidades para o alcançar, o que não deve ser visto como falta de vontade ou de tentativa de se sentirem melhor e saírem desse estado emocional”, aponta.
A depressão afeta a vida da pessoa que está deprimida em todos os aspetos: profissional, social, relacional e ao nível de saúde física. “Inclusive, a depressão pode comprometer o funcionamento do sistema imunológico, deixando a pessoa mais propensa ao desenvolvimento de infeções, doenças autoimunes, entre outras. Sabemos que a depressão aumenta o risco de doenças cardíacas e pode contribuir para AVC ou ataques cardíacos”, conta a especialista.
“Sem o apoio e ajuda adequados, a depressão pode afetar profundamente a nossa vida quotidiana, desde a forma como pensamos, sentimos e agimos perante a vida, as relações e no nosso propósito de vida”, lamenta a especialista. “Um dos principais impactos é na forma como nos relacionamos connosco próprios e como nos vemos, com uma autocrítica elevada e uma lente distorcida negativamente”, acrescenta.
De acordo com Jéssica Condeixa, ainda existe algum estigma ou falta de conhecimento sobre o que é a depressão e como podemos lidar e ajudar pessoas que sofrem com este problema, “apesar de ser evidente alguma evolução na aceitação das doenças mentais e do seu tratamento”. “Nota-se uma abertura maior à procura de ajuda, através da terapia. Contudo, para algumas pessoas a depressão continua a ser considerada como uma desculpa para não fazer nada, preguiça, cobardia, etc.”, partilha.
Uma das maiores dificuldades para alguém reconhecer a depressão é “o receio de como vão ser vistos socialmente, o que leva muitas pessoas a fingirem estar bem, deixando a doença evoluir e com o custo de chegarem a pontos mais graves de disfuncionalidade e sofrimento”, alerta. Infelizmente, garante a psicóloga, em Portugal, ainda há muita falta de acesso a recursos humanos especializados, como o apoio psicológico, “o que pode revelar que ainda precisamos de trabalhar e evoluir para encarar a doença mental como outra doença qualquer”. “Por vezes, existe preconceito e estigma até nos serviços de saúde e alguns profissionais e o principal obstáculo continua a ser chegar até ao apoio especializado”, lamenta.
Segundo a mesma, a depressão não é “algo da nossa cabeça ou inventado como desculpa”, um sinal de “fraqueza”, nem de “preguiça” ou “falta de vontade”. Também não acontece só aos outros, nem “faz parte da vida” e muito menos é um “capricho”. “A ideia de que alguém ‘tem tudo na vida’ porque tem emprego, casa, família e momentos de lazer, leva algumas pessoas a considerarem que determinada pessoa não tem razões para estar deprimido. Mas nem sempre a depressão tem uma associação direta com as nossas circunstâncias”, assegura.
Sensação de falta de propósito
Francisco tem 26 anos, é estudante de doutoramento e há dois anos esteve em depressão. Sabia que era uma doença mental reconhecida pela Organização Mundial de Saúde e tinha noção das implicações que tinha na vida das pessoas que dela sofriam. “Portanto, não tinha dúvidas do quão grave pode ser, e levava-a completamente a sério embora não imaginasse o que era sentir-me depressivo”, afirma ao i. Sabia dos sintomas mais comuns e das suas consequências mais nefastas e definitivas. E também sabia que o seu diagnóstico tinha vindo a aumentar em países desenvolvidos, “pelo que achava necessário terem-se conversas abertas sobre a depressão e outras doenças do foro psico-neurológico”. Portanto, explica, tinha uma opinião “quase que académica sobre ela”. Além disso, conhecia várias pessoas que tinham passado por crises depressivas, embora não conhecesse ninguém com um diagnóstico crónico.
Os sintomas mais claros que garantiram o seu diagnóstico foram: insónia, falta de energia e motivação, uma sensação de desespero, pensamentos cíclicos e constantes que eram pequenas variações de: “Eu nunca mais de vou voltar a sentir-me bem”, falta de esperança e um alternar entre apatia e tristeza. “Não uma tristeza poética e elevada, mas uma muito primitiva e quase infantil”, esclarece. Também sentia falta de capacidade de concentração e ansiedade extremas. Queria estar com pessoas, mas também se queria isolar. “Ora, tal como um sismo é antecedido por abalos premonitórios, também este conjunto de sintomas surgiu já depois de pequenas pistas aqui e ali. Nomeadamente, já sentia menos vontade de estar com outras pessoas, sentia que adotava uma perspetiva sempre negativa face a qualquer acontecimento, sentia alguma sensação de falta de propósito. Nada que não pudesse ser só cansaço”, descreve.
Decidiu pedir ajuda, quando deixou de conseguir dormir. “Marquei uma consulta no psiquiatra porque ficou completamente claro que isto não era ‘uma fase pior’. Marquei logo consulta com um psicólogo”, revela. Durante esse período, teve acompanhamento psiquiátrico e fez terapia com uma psicóloga. “Foi-me imediatamente prescrita medicação: mirtazapina e escitalopram (que são antidepressivos) e risperidona para evitar os pensamentos cíclicos negativos. Eu não consideraria as sessões de terapia como um tratamento, mas efetivamente ajudaram a ultrapassar a depressão. Das sessões de psicoterapia o mais importante foi o diálogo, o confronto com outras perspetivas para além da negativa que permeava tudo o que eu pensava, e o reconhecimento de que a minha atitude perante a minha depressão também tinha de mudar”, confidencia.
Sem vontade de viver
De acordo com Francisco, os primeiros cinco meses foram muito atribulados e as doses dos antidepressivos foram ajustadas algumas vezes. “A minha depressão era um desespero e uma falta de esperança constantes que oprimiam qualquer pensamento ou sensação. Não conseguia pensar com clareza e agudeza, não conseguia sentir nada que não fosse tristeza ou agonia. Sentia-me reduzido a nada. Alguém sem propósito e sem possibilidade de alguma vez melhorar, de alguma vez vir a ser, no mínimo, aquilo que era antes”, explica.
Queria desistir de tudo, incluindo do seu doutoramento. “A minha depressão não foi ‘uma nuvem’ ou ‘um fosso’. A minha depressão foi uma queda durante a qual contemplava o abismo e pensava: ‘já não há nada que me salve’. E, claro, quando a queda nos parece tão longa e a antecipação por mais dor insuportável, contemplamos o suicídio”, admite. “Eu via as pessoas à minha volta a fazer de tudo por mim, e pensava legitimamente que elas estariam melhor sem mim. E portanto, durante os primeiros meses, e por mais macabro que possa parecer, olhava para uma janela de um prédio e pensava se não seria melhor atirar-me de uma, ou tomar a caixa toda da medicação em vez de um só comprimido, ou dar uma passo ou dois a mais em direção à linha do metro. De qualquer modo, houve uma ponta de sanidade e uma sensação de apoio que nunca me levaram a cometer nenhuma loucura. Não consigo imaginar o que seria de mim se não tivesse esse apoio”, garante.
Durante algum tempo meteu baixa, ficou em casa do seu namorado uns tempos e em casa dos seus pais umas semanas, “mas de resto tentava continuar a vida de forma normal”. “O meu dia-a-dia era todo muito monótono, e não era nada produtivo e estava sempre cansado, farto, aborrecido ou perdido em pensamentos negativos e auto-criticos. Não tinha vontade de fazer o que fosse, mas por vezes lá me obrigava ou era obrigado (felizmente) pelo meu namorado”, conta.
Sequelas da covid-19
Interrogado se conseguiu perceber o que o levou a ficar doente, Francisco acredita que houve dois grandes agentes: sintomas de covid longo e a exigência de estar a fazer o doutoramento. “Infelizmente, milhões de pessoas, tal como eu, sofreram ou sofrem desses sintomas, que, no meu caso, eram fadiga e o chamado brain-fog. Esta expresão designa um conjunto de sintomas cognitivos: falta de memória, perda da função executiva (ou seja, organização de tarefas e pensamentos de modo a tomar decisões complexas e estruturadas), fraca capacidade de concentração e falta de clareza mental”, explica. “Parece muito abstrato, mas o que eu sentia era muito físico. Era uma espécie de estática constante, como quando se mete um rádio na frequência errada”, partilha. “Sentia-me cansado e confuso. Não era capaz de seguir o enredo de um filme, de cozinhar pratos com muitos ingredientes, de organizar uma tarde de atividades com o meu namorado, de ler um livro, de me explicar com eloquência ou escrever com coerência. Ou melhor, conseguia mas a muito custo. Também não tinha qualquer sinal da criatividade que antes me caracterizava. Além disso, e tendo em conta que todas estas capacidades são essenciais para o dia-a-dia de um estudante de doutoramento, era fácil perceber que nem no trabalho nem fora dele, eu conseguia desfrutar do que quer que fosse”, acrescenta.
Para agravar a situação que se desenrolou durante 2022, segundo o jovem, havia poucos estudos sobre possíveis tratamentos para os sintomas de covid longo. “Portanto, os médicos de medicina geral e os neurologistas não me podiam prescrever tratamentos nem medicação adequados. Só me pediam exames habituais que nunca revelavam nada. Era-me apenas recomendado que tomasse suplementos, mantivesse uma alimentação saudável, fizesse desporto e, mais importante, que desse tempo ao meu corpo para sarar”, revela. Passados meses e meses nisto, e perante todas as dificuldades que andava a sentir, sem melhoria aparente, estava a perder a esperança. “Além do mais, sentia que estava a ficar cada vez mais aquém no meu projeto de doutoramento, por sentir a pressão e urgência constantes de ter boas ideias, bons resultados e ser visto como um bom investigador”, aponta.
Não desistiu e, cerca de seis meses depois, começou a sentir-se de novo “humano”. “Levei um ano para me sentir genuinamente feliz e confiante novamente e dois anos para deixar de tomar qualquer medicação. Parei há seis meses, e sinto-me perfeitamente bem”, garante.
“É curioso porque eu não me sinto bem, sinto-me uma pessoa novamente. Uma pessoa que consegue lidar melhor com os seus problemas, que tem uma melhor gestão da sua vida, que aprecia mais as pausas e a companhia e importância dos que nos são mais próximos. Mas também uma pessoa que por vezes se critica, que por vezes se sente insegura e triste e desiludida, mas que não se deixa levar por isso. E sentir novamente todo o espetro de emoções, das piores às melhores, sem se ser refém dele, é a melhor parte”, conta.
Excesso de trabalho e perda
Paulo tem 41 anos e, tal como Francisco, viveu um período muito negro, marcado pela depressão. “Não é fácil quantificar quanto tempo estive em depressão, pois a fronteira é muito ténue. Digamos que a depressão maior chegou em março de 2023 e durou sensivelmente um ano”, explica ao i. Já tinha tido uma depressão aos 17 anos, por isso, não lhe foi difícil compreender que estava doente. “Sabia o que era, mas desta vez a pressão era maior (filhos pequenos, trabalho e colegas). As pessoas tinham uma imagem minha que não consegui manter e isso afetou-me psicologicamente”, admite.
Os primeiros sintomas que lhe deram o alerta foram ansiedade e perda de memória. “Estava a assumir sozinho uma função que não era para uma pessoa só, o que me levou ao burnout e consequente depressão”, partilha. No entanto, demorou algum tempo a pedir ajuda. “Achava que aguentava… O problema foi que forcei até não aguentar mais”, lamenta.
Paulo teve acompanhamento psiquiátrico que o medicou. Porém, segundo o mesmo, o melhor tratamento foi o tempo que conseguiu passar com os filhos e a mulher. “Pois ajudou-me a compreender o que realmente importa nesta vida”, justifica.
Os sintomas começaram com tristeza diária: “Para isso contribuiu muito o facto do meu pai ter falecido entretanto com doença oncológica. Posteriormente, derivado às imensas solicitações que tinha no trabalho, começou a ansiedade e, por fim, os lapsos de memória. De referir que dormia muito pouco, porque os meus pequenos não dormiam bem (tinham quatro e dois anos)”, detalha. Paulo sabia que tinha de sair daquele ambiente de trabalho. “Sentia stress por não conseguir lidar com as centenas de solicitações diárias; tinha um chefe incompetente na gestão de pessoas; sentia dor por não conseguir ajudar o meu pai e estar mais presente; e tinha o sentimento que os meus filhos estavam a crescer e que eu estava a perder os melhores momentos com eles”, reconhece.
O momento mais crítico foi quando teve de meter baixa. “Foi duro e teve um grande impacto em mim”, afirma. Felizmente, sempre sentiu um apoio incondicional da família e amigos.
Demorou um ano para sair da “depressão profunda”. “Sentir-me bem é dia-a-dia, com altos e baixos, mas sempre a caminhar no sentido positivo. Troquei de função no trabalho e conheci novos colegas que são gente boa, isso ajuda muito. Já não tomo qualquer medicação”, garante. Paulo frisa que é muito importante estar alerta, “porque há pessoas que não dão grandes sinais e quando nos apercebemos, já é tarde”.
Uma vida inteira de sofrimento
Margarida é educadora de infância, tem 47 anos e durante quase toda a vida lutou contra a depressão. Na primeira vez que ficou doente tinha apenas 20 anos. “Nessa altura estava a trabalhar em contabilidade e recorri ao médico de família. Referia que manifestava apenas uma grande tristeza. Tomei medicação para dormir melhor, mas era muito forte e acabei por deixar. Também associei essa fase ao excesso de trabalho (fazia limpezas, passava a ferro e servia em restaurantes). Além disso, também passei por uma cirurgia à apendicite aguda”, lembra ao i.
Foi quando ficou apenas a trabalhar no escritório que caiu “bem fundo”. Acabou por deixar esse trabalho e surgiu a oportunidade de trabalhar num infantário. “Estar junto das crianças ajudou-me imenso a atravessar essa fase sem recorrer a medicação”, revela.
Passou algum tempo e com muito esforço e dedicação realizou o curso de Educação de Infância à distância. “No ano de 2014 voltei a sentir uma grande tristeza e dificuldade em sentir -me bem no meu trabalho (apesar de gostar e tratar sempre bem as crianças). Os pensamentos eram muito negativos, uma sensação enorme de vazio e impotência. Só pensava que não conseguia realizar o meu trabalho e que era incompetente”, partilha.
Em 2015 voltou “a cair no buraco” e, nessa altura, chegou a ter pensamentos suicidas. “Pensava: ‘Como é que posso fazer isto?”. Havia uma ambivalência de pensamentos, pois preocupava-me como as crianças iriam reagir se o realizasse. “Sozinha em casa e com a preocupação de algumas pessoas amigas acabei por ir parar às urgências e ser internada na psiquiatria durante uma semana. No período de internamento não senti qualquer medo, sentia-me um pouco apática a tudo, a todos”, confidencia.
O seu companheiro à época falou com os médicos, Margarida acabou por sair do hospital e foi viver para o estrangeiro. “Durante algum tempo vivi fora do país sem medicação, recorrendo a terapias alternativas, fazendo desporto, aulas de yoga e ler muito sobre energias e pensamentos positivos”, explica. Regressou ao trabalho como Educadora de Infância em 2017 e com uma maior compreensão e aceitação do seu estado e de outras pessoas. “A meu ver existem seres humanos que estão a passar por um período de depressão mas não sabem e não aceitam tratamento. Embora exista atualmente cada vez mais informação, algumas mentes mais fechadas associam a depressão à preguiça”, acredita.
De 2017 até 2022 foi seguida nas consultas de psiquiatria e de psicologia e acabou por se separar. “Apesar disso, sentia-me bem e voltei a ter novamente vários trabalhos para fazer face às despesas. No Serviço Nacional de Saúde fiquei sem consultas de psiquiatria, mais tarde devido ao custo das consultas, deixei o acompanhamento psicológico. Aos poucos fiz o desmame da medicação e, em 2023, voltei a passar novamente por um grande período de alterações de humor, desta vez de irritabilidade (apesar de ser sempre uma pessoa calma)”, admite. Começou novamente a sentir-se esgotada, deixou os trabalhos que tinha em part-time e colocou baixa enquanto educadora de infância. Voltaram novamente os pensamentos negativos de impotência e suicidas.
“Fiquei novamente sozinha em casa, não me conseguia levantar da cama… Tudo era difícil para mim, desde tomar banho a fazer as tarefas domésticas… Andava quase desnutrida pois não cozinhava, tentava acabar comigo (com o meu corpo), massacrava-me mentalmente e só via o suicídio como solução”, revela.
Segundo Margarida, dessa vez, estava mesmo determinada em fazê-lo, pois acreditava que todos os problemas da sua vida não tinham solução. “A luz ao fundo do túnel apagou-se”, afirma. Os seus amigos e colegas de trabalho ligavam-lhe todos os dias e, após a insistência destes, pediu ajuda à Saúde 24 no dia em que ia pôr termo à vida. “Estive novamente internada durante duas semanas na psiquiatria. Aceitei definitivamente que tenho de andar sob medicação para meu equilíbrio emocional e continuar a ser apoiada nas consultas de psicologia (o que faço atualmente no SNS)”, aponta.
“Com todas estas fases fiquei mais atenta aos meus sentimentos e pensamentos, pois durante quase toda a minha vida, preocupei-me mais com os outros do que comigo. Sempre fui uma pessoa muito empática, reservada e com medo de magoar os outros. Hoje levo a vida e os problemas com mais leveza. E o que vier a acontecer com certeza que terá solução”, conclui.
O perigo de “usar máscaras”
De acordo com Jéssica Condeixa, a depressão não tem cara. Se é verdade que algumas pessoas com depressão podem apresentar uma aparência triste, cansada e abatida, outras não demonstram minimamente o sofrimento interno pelo qual estão a passar. “Muitas pessoas com depressão vivem com o sofrimento emocional há tanto tempo que desenvolveram mecanismos de defesa para continuarem a ser funcionais. É como se colocassem uma máscara, utilizando recursos como o sentido de humor, consumo de substâncias, minimização e repressão emocional para se apresentarem como funcionais e emocionalmente equilibradas”, alerta a psicóloga, acrescentando que, muitas vezes, estes mecanismos “levam a pessoa à exaustão e à perda de identidade por a certa altura já não saber quem é e o que é ‘fachada’”. “Manter esta máscara é extremamente cansativo e solitário e lembra-nos que nunca sabemos as lutas que as pessoas com quem nos cruzamos estão a travar”, sublinha. “A pessoa que sofre de depressão precisa primeiro que tudo de ajuda para reconhecer que está a sofrer e procurar apoio e ajuda profissional”, garante.
Além disso, continua a especialista, “não podemos salvar ninguém da depressão, por muito que queiramos”. “Não somos responsáveis pelo estado depressivo das pessoas de quem gostamos nem pela sua felicidade ou bem-estar”, explica. “Podemos apenas oferecer ajuda e apoio para ultrapassar a situação. Estar presente, ouvir e lembrar que a pessoa é importante para nós, às vezes é suficiente para fazer a diferença, no lugar vazio e escuro que a pessoa se encontra”, remata.