A melhor consequência desta crise é o inevitável regresso a casa das senhoras e dos senhores que, ao longo de um ano, prestaram um fraco serviço à democracia como deputados. Obviamente que nem todos partilham o mesmo grau individual de culpa pela bagunça. Mas mesmo entre os que não se reveem no que se passou no parlamento, foram poucos os que se revelaram capazes de protestar e de se revoltar, sob pena de violarem a disciplina partidária.
Ora, o prestígio de uma instituição está em risco quando parte dos seus membros apostam no caos. E, neste parlamento que agora se despede, vimos de tudo como no circo. Do gracejo ao insulto, os deputados proporcionaram-nos momentos pouco edificantes, incluindo ajustes de contas e outros episódios lamentáveis e soezes. Os provocadores definiram um plano tático e conseguiram espicaçar os outros deputados a ‘perderem o sério’.
Insatisfeitos com os plenários onde o cronómetro os condiciona, os deputados adotaram as Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) para o exercício dos seus dotes inquisitórios de Torquemadas, vulgarizando as audições inconclusivas e exibindo um voyeurismo rasca. Quando resolvem brincar aos polícias, os deputados não percebem que iniciam um circo mediático e acabam, inexoravelmente, por ser incluídos no rol dos suspeitos e ladrões pela opinião pública infetada por redes sociais e mau jornalismo.
As CPI são uma devassa porque não respeitam a proteção garantida pelos tribunais a familiares de primeiro grau e, sendo públicas, não salvaguardam a integridade dos deponentes. E também são inúteis porque não passam de julgamentos populares, que não acarretam qualquer consequência para além da humilhação e abastecem com lixo a bolha mediática.
Veja-se o ‘caso das gémeas’: o interrogatório da mãe foi um exercício medieval e sádico, onde faltaram decoro e compaixão. O relatório preliminar inundou a bolha mediática que o tomou como definitivo, embora seja apenas a versão de uma deputada. Versão que, aliás, não condiz com os poucos factos apurados, tendo como único fito abalar a reputação do Presidente da República. E poderíamos recuar no tempo e recordar outras CPI que tiveram como denominador único e comum a inutilidade, a vingança e a vacuidade.
Há quem defenda que a revalorização do Parlamento exigiria modificações constitucionais. Acontece que os mecanismos jurídicos não parecem ser suficientes para repor o digno exercício do poder legislativo pela Assembleia da República, algo que dependerá sempre da qualidade e do comportamento dos seus atores políticos.
Os diretórios dos partidos indicam para as listas eleitorais quem podem dominar, sabendo que os eleitores que votam no partido não podem escolher o deputado que desejam. Ora, independentemente do partido que escolho em função do seu programa e liderança, gostaria de poder votar também num candidato a deputado em quem confio. Este sistema eleitoral misto – em vigor, por exemplo, na Alemanha – atrairia certamente muitos eleitores que hoje não votam e melhoraria a qualidade do parlamento.
Infelizmente, o nosso regime envelheceu mal. Os melhores já não estão disponíveis para a política, porque o seu exercício desacredita quem nela ousa participar. O problema maior com que nos confrontamos hoje não é a ingovernabilidade: é a irresponsabilidade e a falta de sentido de Estado.