O caso do avião da TAP que na semana passada fazia a ligação entre Lisboa e Londres e foi desviado para o Aeroporto Francisco Sá Carneiro, no Porto, depois de ter sido detetado fumo a bordo, parece um déjà-vu para aquilo que aconteceu em 2019 quando passageiros e tripulantes sentiram enjoos, desmaios, indisposições.
Os motivos eram sempre os mesmos: fumos ou odores estranhos nos aviões. Todos da TAP e todos pertencentes à fabricante Airbus, nomeadamente a categoria NEO. A tendência parece, no entanto, ter mudado.
O caso parece ser habitual mas o nosso jornal questionou o Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves (CGPIA) que confirmou ter dado início a «um processo de avaliação com vista à recolha de informação pertinente para decidir se há matéria para investigação no âmbito das competências deste Gabinete».
E acrescenta que a «existência de odores estranhos nas cabinas dos aviões é uma situação que não é invulgar e que já foi objeto de vários estudos por outros organismos de investigação de segurança, pela indústria e pela Agência Europeia de Segurança Aérea (EASA)». Questionámos também a EASA mas não tivemos resposta até ao fecho desta edição.
Os trabalhadores da TAP estão preocupados com esta situação, ainda que se saiba que há uma preocupação da companhia aérea em resolver este assunto mais urgente do que a que existia em 2019.
Segundo um comunicado do Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil (SNPVAC) enviado aos associados, sabe-se que o incidente que desviou o avião para o Porto não aconteceu pela primeira vez com aquela aeronave.
«Infelizmente, estas situações têm ocorrido com alguma frequência, tendo o Sindicato já abordado a empresa e pressionado, conjuntamente com o SPAC, no sentido da implementação de um protocolo mais eficaz para situações semelhantes» e já foi realizada uma sessão de esclarecimento conjunta sobre o tema.
E dizem que já questionaram a empresa sobre os episódios, «exigindo uma investigação séria e célere, e que se encontrem os responsáveis por deixar um avião descolar por duas vezes após um episódio inicial de fumes».
Descobrir a origem do problema
Questionado pelo Nascer do SOL, Ricardo Penarroias, presidente deste sindicato, confirma que «estas ocorrências vão surgindo». Lembrando que não é algo que se restringe à TAP, garante que «já existem alguns procedimentos para tentar evitar que hajam estas situações mas a verdade é que nem esses procedimentos são seguros a 100%».
Este é, confessa, um momento de «muita dúvida» e que é importante resolver o problema que não se sabe bem o que é. «Se é o uso contínuo do avião, se é dos motores, do óleo, dos filtros… neste momento não conseguimos dizer o que é».
E é que, se antes, o problema parecia ser apenas do fabricante Airbus, «neste momento podemos dizer que existem também outras incidências com outras aeronaves. Se me perguntar se os episódios têm sido mais frequentes com os Airbus, diria que sim. Se é exclusivo? Tenho que dizer que não», diz o presidente do SNPVAC.
E também não se pode dizer que é exclusivo dos A330 Neo, como se achava em 2019. «É um tema que tem que ser muito bem tratado e é sensível. É verdade que os episódios se iniciaram com o 330 Neo, totalmente verdade. Os primeiros episódios até surgiram na frota TAP.
No entanto, os últimos episódios que temos relato são de 320 ou 321 Neo» e, por isso, «não dá para dizer que é um problema específico ou um modelo específico porque depois existem vários episódios. Nos EUA também é comprovado, por exemplo com a Boeing, que houve episódios desse género.
Acho que mais do que tentar encontrar um culpado, é tentar saber que existe uma situação que está a provocar questões destas. E mais do que encontrar culpados é encontrar soluções», defende Penarroias que diz, ainda assim, que os tripulantes questionam mas não têm medo de voar.
O responsável reitera que não é um tema que deva ser visto como uma questão sindical e laboral. «É um tema sensível, que tem de ser tratado com bom senso por todas as partes». E defende o empenho da TAP: «Se em 2019 começaram a desvalorizar numa primeira fase, neste momento existe algum diálogo e já há protocolos a assumir que o tema existe.
Não posso dizer que há, por parte das empresas – que não é exclusivo da TAP – uma tentativa de dizer que isto não acontece. Está assumido e estamos a trabalhar todos em conjunto mas isto vai muito além das empresas, dos trabalhadores e dos sindicatos».
O nosso jornal tentou ainda uma reação do Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil (SPAC) que não quis prestar declarações «por não ser um assunto do âmbito da vida sindical, logo, fora do seu eixo de atuação».
Por sua vez, a Airbus diz ao nosso jornal que «sempre que solicitado pelos clientes, a Airbus disponibiliza o apoio técnico e especializado necessário».
Outros casos semelhantes
O Nascer do SOL sabe que os casos continuam. Há três meses a tripulação de um dos aviões NEO foi diretamente do aeroporto de Florianópolis para o hospital por se sentir indisposta.
Basta uma pequena pesquisa para se encontrarem mais casos do género, ainda que uns sejam mais graves que outros: em setembro do ano passado, um Airbus 301 da TAP foi obrigado a uma aterragem de emergência em Lisboa por ter sido detetado fumo na cabine. Saiu do aeroporto Humberto Delgado rumo a Orly, em Paris e teve de voltar para trás.
Uns meses antes, em março, um Airbus A321LR pediu uma aterragem de emergência nas Lajes, Ilha Terceira, nos Açores, devido a intenso cheiro a bordo. Inicialmente tinha-se falado em fumo a bordo, mas a TAP disse ser ‘apenas’ «um cheiro» intenso. Realizava um voo entre o Aeroporto Francisco Sá Carneiro, no Porto e o Aeroporto Internacional de Newark, em Nova Iorque.
E há mais. Em agosto do ano passado, num voo DL-224 da Delta Air Lines, que seguia de Boston para Paris, tanto o comandante quanto o copiloto, além de cinco tripulantes, foram levados a um hospital após ficarem doentes devido a um odor estranho que se espalhou pela cabine e cockpit do avião, um Airbus A350 com cinco anos de uso.
No entanto, ainda que seja certo que os casos continuam a acontecer, é também certo que o número de reclamações tem diminuído. Segundo dados do Portal da Queixa enviados ao Nascer do SOL, com base numa análise focada em problemas mecânicos ou técnicos, na subcategoria – Companhias Aéreas, o número de reclamações caiu de 27 em 2019 para 15 no ano passado.
O que se passou há seis anos
Em 2019 corriam as primeiras notícias sobre aviões da TAP, no caso, Airbus 330 NEO. Nessa altura, a compra de novos aviões por parte da companhia aérea provocou vários problemas nos voos em que essas aeronaves eram usadas, nomeadamente com a carga transportada, obrigando a um ‘emagrecimento’ do avião, para não colocar em causa a segurança. Ainda assim, a TAP mostrava confiança nesses voos.
Mais tarde, no mesmo ano, em agosto, deixou de ser um ‘simples’ problema de sobrecarga. Um cheiro intenso num voo A330 obrigou pilotos a usar máscaras de oxigénio full face. E, como noticiou o SOL nessa altura, houve casos de pessoas que se sentiram mal depois de viajar nestes aviões da TAP e que o problema não estava a passar ao lado do cockpit.
A companhia aérea portuguesa dizia, já nessa altura, que continuava a «desenvolver todos os esforços em prol da segurança de todos os que viajam nos seus aviões».
A imagem dos dois profissionais a usar máscaras foi partilhada em grupos de WhatsApp. Mas parece que os problemas não foram totalmente resolvidos.
Outros casos, cá e lá fora
Vários Airbus, nomeadamente os NEO, têm dado problemas. O caso conhecido mais recente não aconteceu em Portugal. No final do ano passado, o Malaysia Aviation Group (MAG) celebrou a chegada do seu primeiro avião Airbus A330-900 (A330neo). Mas foi sol de pouca dura. Quatro voos depois – apenas duas viagens -, o avião da Airbus foi retirado dos ares por problemas técnicos.
E sabe-se também, por exemplo, que as companhias aéreas russas suspenderam, no final do ano passado, 34 das suas 66 aeronaves da família Airbus A320neo devido a problemas não resolvidos no motor. Falamos, neste caso, dos aviões A320neo e A321neo. Estes aviões que serviam a frota russa são equipados com motores feitos pela Pratt & Whitney. Os Airbus que operam em Portugal não têm esses motores.
Por cá, os motores usados nos Airbus são os Rolls Royce Tret 7000. Esses problemas nesses motores já existiam antes de a TAP comprar os aviões mas, pelos vistos, persistiram.
‘Sérios riscos para a segurança’
Pedro Castro, especialista em aviação, defende ao Nascer do SOL que as ocorrências de fumo a bordo de aeronaves «representam sérios riscos para a segurança da aviação e podem ter diferentes origens», lembrando o caso do acidente do avião MD-11 da Swissair em setembro de 1998 «em que foi detetado fumo a bordo, fumo esse que passou a incêndio e que resultou na morte de 229 pessoas».
E recorda que o relatório deste acidente «permitiu perceber que a origem do fumo e do incêndio foi o sistema de entretenimento de bordo. Deste acidente resultaram adaptações de fabricação, do sistema de entretenimento e de procedimentos de emergência a adotar em todo o mundo».
O especialista adianta ainda que, «como um avião funciona num circuito fechado, é necessário entender concretamente a origem deste fumo/cheiro – este fumo está a ser produzido pelo próprio avião de alguma forma», sendo ainda necessário «perceber em que modelos Airbus se produz e o que todos eles têm em comum – que mudanças ou adaptações sofreram, por exemplo. Existem outras companhias com o mesmo tipo de queixa e situação?».
E diz que «pelo risco e pela repetição», a TAP devia envolver as entidades competentes como é o caso da ANAC e do Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários (GPIAAF) que, segundo Pedro Castro, «disponibiliza um sistema de comunicação de ocorrências, que pode ser utilizado para relatar situações que representem riscos significativos para a segurança da aviação».
E termina ao defender que, nesta altura, «seria muito importante saber de que forma estas duas entidades estão a tratar este assunto e quando contam ter conclusões sobre esta matéria. São estas autoridades que podem, por exemplo, ordenar que determinados aviões identificados e repetidamente envolvidos neste tipo de incidentes deixem de voar para serem inspecionados», sendo que, na sua opinião, «o importante é, sem dúvida, identificar o problema e a solução com a maior rapidez para evitar uma tragédia maior».