Como vê a economia portuguesa?
Temos de avaliar em termos de conjuntura económica e em termos da taxa potencial de crescimento económico numa ótica de médio e a longo prazo. Em termos de conjuntura económica não há dúvida que Portugal fez um bom esforço, após ter ido para a pré-falência em 2011 e de ter tido um programa de ajustamento macroeconómico em duas fases, uma dura com a troika e uma mais suave já sem a troika.
Na realidade, o programa de ajustamento durou até 2019 e foi um sucesso, conseguimos dois dos objetivos fundamentais: o equilíbrio externo – tínhamos um défice externo, característico da primeira década do século XX, que rondava todos os anos entre 8 a 10% do PIB e, a partir de 2013/14, passámos a ter um excedente – e garantimos a sustentabilidade da dívida pública com saldos primários positivos, aproveitando um momento das taxas de juro historicamente baixas.
A partir de 2015, iniciámos um novo processo de crescimento económico, já de 1,8% do PIB, que durou até à pandemia. E até conseguimos uma reforma estrutural na área da filosofia política do Partido Socialista que, pela primeira vez, aderiu ao princípio das contas certas. Penso que hoje poucos põem em causa além da necessidade da sustentabilidade das contas púbicas, também as contas externas e, a pouco e pouco, a necessidade de solidez do sistema financeiro.
Em 2023, cresceu bem e, em 2024, cresceu acima das expectativas com o PIB a crescer 1,9%. Também ficámos acima das expectativas na redução da dívida pública que depois de ter atingido um auge de 130% está a caminho dos 90%. As contas externas alcançaram um excedente, em 2024, de 3,3% do PIB contra 2%, em 2023, o maior excedente externo desde 1953. As perspetivas de crescimento para 2025, no forecast [previsão] do Governo é de, salvo erro, 2,1%.
Tivemos o último trimestre de 2024 com um crescimento em cadeia recorde a nível europeu, o que deu um carry-over [dinheiro que não foi usado e que pode ser guardado para uso posterior] para 2025, ou seja, mesmo que a economia não crescesse nada em 2025, o carry-over garantia 1,3%, logo o objetivo de 2,1% parece-me perfeitamente alcançável.
Se não fosse a situação de incerteza nas relações económicas internacionais derivadas da nova política americana e agora algumas sequelas desta crise política tudo indicaria que atingiríamos um crescimento à volta de 2,5%, mas será seguramente à volta de 2%.
A crise política veio baralhar as contas?
Com contas públicas equilibradas, com a dívida pública reduzida e com contas externas equilibradas temos condições necessárias, não as suficientes, para aumentar o PIB potencial a prazo. E para aumentar o PIB potencial a prazo também tivemos ciclos: o ciclo da recuperação económica e financeira do programa de ajustamento que não era muito propício a grandes medidas estruturais, o ciclo de António Costa que, apesar de ter obtido uma maioria absoluta, foi de grande inação estrutural e agora tínhamos um Governo que estava a iniciar um processo com sinais muito positivos para atacar alguns estrangulamentos que impedem um maior crescimento económico a médio e longo prazo, nomeadamente estrangulamentos no capital humano, no investimento, no capital fixo, na eficiência da máquina do Estado, na carga fiscal excessiva e na pouca qualidade de segmentos da despesa pública.
Por exemplo, no capital humano assistimos a sinais positivos com o aparecimento de medidas para reter jovens qualificados, ainda esta semana li que cerca de 40% do novo crédito à habitação está a ser atribuído a jovens e a medidas para melhorar a qualificação dos portugueses, através de uma maior exigência no sistema educativo, assim como medidas para conseguir reforçar o capital humano através de políticas de imigração reguladas e integracionistas.
Faltam é medidas para o incentivo da natalidade com vista a contrariar a tendência demográfica que pode afetar o crescimento a médio e a longo prazo. Também assistimos a sinais positivos nas medidas estruturais ligadas ao investimento. O atual Governo herdou muitos atrasos no PRR que está 80% orientado para o setor público e apenas 20% para as empresas, mas, independentemente destas deficiências de alocação de recursos e da qualidade de alguns projetos, não há dúvida que houve alguma recuperação nos atrasos que vinham de trás e está também em curso a reprogramação do Portugal 2030.
Assistimos a sinais positivos no investimento público que sofreu no tempo da geringonça e poderia crescer, em 2025, cerca de três vezes o crescimento potencial do PIB. Aliás, a consolidação orçamental obtida no tempo da geringonça foi feita muito à custa da redução para níveis historicamente baixos do investimento público.
Por outro lado, também tivemos sinais positivos em termos de atração de investimento direto estrangeiro com a instalação da nova unidade de baterias para veículos elétricos, em Sines, com a decisão da Autoeuropa de produzir um modelo de carro elétrico, em Palmela, e decisões que impediam investimentos no setor mineiro ou decisões de investimento que já vinham de trás.
Houve uma preocupação em aumentar o investimento privado, nacional e estrangeiro, no entanto, isso não significa que os nossos problemas estruturais fiquem resolvidos.

das Finanças
Ainda há trabalho a fazer…
Ao fim de um ano havia sinais positivos, quer na conjuntura económica, quer na estrutura, isto é, sinais que alguns dos obstáculos que impedem um maior crescimento potencial da economia portuguesa e que condicionam o nível médio das remunerações e os níveis de bem estar económico e social pudessem ser ultrapassados.
Tínhamos um ambiente de estabilidade macroeconómica e um ambiente favorável à tomada de medidas estruturais, as que eram possíveis no quadro de um Parlamento em que não havia uma maioria política estável e coerente, e vem agora uma crise política. A terceira desde finais de 2021, desde aí tivemos três dissoluções com motivos pouco ponderados.
Em 2022, em consequência do primeiro-ministro António Costa – no âmbito da sua coligação informal com a geringonça – não ter querido chegar a acordo com os seus partidos mais à esquerda, provocando eleições, com o objetivo de ter uma maioria absoluta. A segunda crise derivada do desaproveitamento da situação fantástica de ter uma maioria absoluta no Parlamento mas que, apesar de tudo, não conseguia governar com casos e casinhos, uns reais, outros ficcionados.
António Costa nunca deveria ter pedido a demissão se tinha a consciência tranquila porque em regime democrático e, de acordo com as regras de jogo que atualmente existem – que não gosto e que muita gente não gosta – basta uma queixa na Procuradoria para pôr em causa a credibilidade do primeiro-ministro ou a credibilidade de determinados membros do Governo. Um responsável político que tenha a consciência tranquila não deve pedir demissão. E agora este crise.
Uma demissão quando é tão difícil alcançar uma maioria no Parlamento…
Houve um desaproveitamento dessa situação, poderia ter havido políticas estruturais viradas para a melhoria da produtividade e da competitividade, logo para um aumento da eficiência na alocação de recursos na economia portuguesa.
Apesar de tudo, a economia e a sociedade portuguesa mostram resiliência e uma capacidade de ultrapassar crises. Nos últimos 50 anos ultrapassámos a crise da primeira intervenção do FMI em 77/78, ultrapassámos a segunda crise com a intervenção do FMI em 83/84, ultrapassámos a crise da intervenção da troika em 2011/2014 e, apesar de tudo, a economia portuguesa está mais saudável, embora tenha muitos desafios, no sentido de incentivar estratégias empresariais mais viradas para a inovação, internacionalização e para o aumento de dimensão.
Em relação a este último aspeto, todos sabem que há uma correlação entre dimensão empresarial e produtividade. As micro, pequenas e médias empresas são necessárias ao tecido produtivo, mas é preciso que as micro se transformem em médias ou grandes e que as grandes continuem a crescer e se internacionalizem porque são estas que criam proporcionalmente mais valor acrescentado, melhores índices de inovação, melhores índices de internacionalização e melhores índices de remuneração. Falta olhar para esse vetor no sentido de lhe dar um novo impulso.
Recordo que, durante muitos anos, sobretudo no tempo da geringonça, as empresas, sobretudo as grandes eram vistas como inimigas e não como motoras do progresso económico e social e foram penalizadas, pagando mais IRC por aumentarem os seus lucros.
Este Governo introduziu uma nova visão estratégica, considerando as empresas a célula base da atividade económica, a fonte do progresso económico e social, no sentido de que precisamos simultaneamente de políticas públicas inteligentes e eficientes e de políticas empresariais viradas para o crescimento e para a melhoria da competitividade internacional das empresas portuguesas.
Penso que estávamos a dar passos e sinais positivos no sentido de progressivamente aumentarmos o potencial de crescimento da economia portuguesa, mas tudo isto demora tempo e as crises políticas sucessivas não acrescentam nada. Ainda agora tivemos uma crise inusitada com base em fatores que muita gente ainda não compreendeu. São fatores éticos, são fatores de irregularidades?
Estamos num ambiente político em que certo tipo de populismo pode, através de queixas na Procuradoria, através de queixas na comunicação social, pôr em causa a reputação de determinados protagonistas políticos e pôr em causa o prestígio das instituições.
Não dá boa imagem…
Não ajuda no prestígio das instituições e no modo como os cidadãos olham para os políticos e também não ajuda na capacidade de atração de pessoas da sociedade civil com vida além da política irem para missões cívicas ao serviço da política. Estamos num ambiente em que se exigiria, sobretudo aos partidos não populistas na sua génese e aos dois ou três principais partidos fundadores da democracia portuguesa refletirem, contribuírem para a estabilidade governativa e para o respeito dos portugueses para com as instituições. Repare no espetáculo que demos no último ano com a tentativa de pôr em causa o prestígio do Presidente da República com as comissões parlamentares.
O caso das gémeas?
Estava mais do que compreendido que não havia ali nenhuma matéria, mas o objetivo não era esclarecer, era pôr em causa a figura do Presidente da República. E ao manter em lume brando o prestígio do Presidente da República acabou por se desprestigiar a própria Assembleia da República que não pode utilizar as comissões parlamentares de inquérito em substituição dos órgãos que têm a competência e os meios necessários para investigar eventuais irregularidades. Falo da PGR, da Polícia Judiciária e do órgão de transparência.
A Assembleia da República não se pode transformar numa nova PGR ou numa nova Polícia Judiciária. Por outro lado, penso que também há que fazer uma reflexão, como acontece em muitos países, que define que os titulares dos órgãos de soberania enquanto estiverem no exercício das suas funções não podem ser objeto de investigação e só devem ser investigados após o término dos seus mandatos.
É muito fácil hoje em dia, com o atual contexto, desenvolver uma teoria da conspiração que o primeiro-ministro tomou medidas que beneficiaram o setor A, B ou C ou que o líder partidário vai receber uma herança do pai e tomou orientações que podem vir a beneficiar o seu património no futuro. Faz-se elucubrações sobre incompatibilidades que não se visionam, mas sobre atos futuros ainda não praticados.
Isto está um caos e é o momento dos partidos mais responsáveis porem em ordem estas tentativas de destabilização política permanentes. O Presidente da República devia ter desempenhado um papel de construtor de pontes, no sentido de encontrar soluções para evitar eleições antecipadas, mas penso que estava muito diminuído pelo desgaste que sofreu no processo das gémeas.
Marcelo não aceitou outro primeiro-ministro que não fosse António Costa e optou pela dissolução do Governo, agora teria de seguir o mesmo exemplo ou seria acusado de ter dois pesos e duas medidas…
Aceitou a demissão de António Costa. Não foi ele que demitiu António Costa. O Presidente da República aí talvez não tivesse outra alternativa, é certo que podia ter chamado outro membro do Partido Socialista, podia ter gerido de outra forma e agora também.
Na minha perspetiva, se não tivesse a sua imagem enfraquecida pelo desgaste injusto ligado ao processo das gémeas podia ter tentado construir pontes, havia soluções de compromisso possíveis que nem sequer foram tentadas. O Presidente da República tem de ter uma função moderadora, tem de ser um construtor de pontes e dá-me ideia que desistiu dessa função, posso estar a ser injusto.
A CIP já disse que as empresas não vão eleições e estão constantemente a ser sujeitas a estas crises…
As empresas adaptam-se, mas não há dúvida que crises políticas sucessivas acabam por minar a confiança das pessoas e dos investidores, afetando os níveis de consumo e os níveis de investimento e acabam por paralisar as administrações públicas que são muito dependentes dos governos e que já têm uma tendência para uma certa inércia, com exceções. É altura dos partidos mais responsáveis pensarem a prazo como pensam os alemães.
Os dois partidos mais votados sentaram-se à mesa para definir um programa de Governo convergente, para criar estabilidade governativa, condições de confiança ao investimento e para criar condições de relançamento da economia alemã. O exemplo alemão deve ser seguido na sociedade portuguesa.
Há três partidos do espetro político português, o PS, o PSD e Iniciativa Liberal que são convergentes na política europeia e são convergentes em considerar que o investimento público e privado são fundamentais para o crescimento económico. Além de algumas nuances de divergência não vejo diferenças fundamentais entre estes três segmentos de opinião pública que representam cerca de 70% do eleitorado não se possam entender e não criem uma plataforma de progresso económico e social.
Não estamos lá, estamos muito longe disso por todo o antagonismo e radicalização artificial entre os dois principais partidos: radicalismo, espuma mediática, mas tenho esperança que um dia haja condições para um relançamento decisivo nas políticas estruturais no quadro de uma economia de mercado socialmente inclusiva e que Portugal avance mais do que tem avançado.
Recordo que quando veio o 25 de Abril tínhamos 59% do nível de vida do PIB per capita em paridades de poder de compra comparativamente com os países mais desenvolvidos à época e que hoje corresponde mais ou menos à União Europeia dos 15. Depois, com as intervenções do FMI e com as crises que tivemos, passámos para 56%, mais tarde, com a estabilidade política dos governos de Cavaco Silva e com profundas reformas políticas, económicas e sociais, o país deu um salto para 69% e atualmente estamos nos 73/74%.
Só progredimos na nossa história económica dos últimos 50 anos quando houve estabilidade política, quando houve uma visão reformista e quando houve políticas estruturais para a melhoria da produtividade e da competitividade.
Os meus amigos de esquerda não gostam de ouvir isto, mas isto são factos, não são especulações. Alguns dizem que, nessa altura, tivemos fundos comunitários, mas os fundos comunitários após Cavaco Silva duplicaram e agora triplicaram e quadruplicaram.
Não temos sabido aproveitar os apoios estruturais que temos tido, nem de desenvolver o nosso capital humano, nem os níveis de investimento público e privado adequados para aumentar a produtividade e a competitividade da economia portuguesa, como não temos sabido olhar para as empresas como as fontes de prosperidade económica e social.
Tem havido demasiada ideologia e pouca eficácia nos raciocínios. As empresas são a fonte de emprego, do valor acrescentado e, à medida que crescem, são muito mal tratadas. Os partidos da esquerda normalmente só falam dos pequenos e médios empresários, nunca falam nas grandes empresas, hostilizam as grandes empresas.
Viu-se no caso do IRC…
E o IRC é progressivo, o que é uma situação inédita, pelo menos, no espaço europeu. Já disse aos meus amigos do Partido Socialista que já aderiram ao objetivo das contas certas, agora falta aderirem ao objetivo da melhoria contínua da produtividade e da competitividade com políticas públicas orientadas nesse caminho. As empresas são o motor da atividade económica, da inovação e da internacionalização da economia portuguesa.
Em relação ao próximo Governo, as sondagens apontam para um empate entre os dois maiores partidos…
O maior risco que neste momento corremos é cairmos num impasse político e não há uma boa economia sem uma boa política. Só há uma boa economia se tivermos soluções governativas estáveis e minimamente coerentes. Caso contrário, andamos sempre com avanços e recuos. O povo português está perante esses dilemas quando na Alemanha os dois principais partidos entenderam-se.
Em Portugal há teimosia?
Há um conflito de personalidades e agora aparece, pela primeira vez, o principal partido da oposição a tirar conclusões do estilo: ‘Precisamos de um primeiro-ministro honesto’. Ainda esta semana, a economista Maria João Marques chamou a atenção para o risco de tirar conclusões precipitadas, sem provas e sem investigação. E alimenta-se o populismo a partir de especulações, isso não facilita o entendimento dos dois protagonistas políticos.
E a estes protagonistas junta-se o Chega…
O Chega sente-se bem a navegar estas águas turvas. O problema é corrermos o risco de temos um discurso político, como chamava Maria João Marques, de Dupont e Dupont: o Chega e o líder do Partido Socialista a tentar cavalgar ondas de suspeição. Se existem dúvidas porque é que não concordaram em fazer uma auditoria externa rápida e independente? Uma auditoria externa para saber se houve ou não algum prejuízo para o interesse público, se houve ou não alguns pagamentos indevidos.
Acha que se podia ter evitado esta crise?
Sim, se tivesse havido vontade política dos intervenientes e se os partidos pusessem o interesse nacional acima dos interesses partidários e se o Presidente da República tivesse desempenhado uma função reguladora e construtora de pontes. Devia ter sido encontrada uma metodologia para o esclarecimento total e rápido em defesa dos interesses nacionais para não gerar mais uma crise política.
Houve falhas do Governo, do partido, da oposição e da Presidência da República, no sentido de se encontrar uma solução de compromisso rápida. Mas tenho para mim que o objetivo nunca foi esclarecer, foi criar um desgaste permanente e manter o oponente político em lume brando.
E a abstenção poderá ser a grande vencedora das eleições…
Já ouvi na rua, a Vox populi, que são todos iguais e que o melhor é não ir votar. Isso gera um ambiente malsão, em termos democráticos. É altura dos dois ou dos três principais partidos que não sejam populistas não atacarem pessoas, mas atacarem políticas.
Honra seja feita ao Partido Comunista, normalmente não ataca pessoas, ataca políticas, de acordo com os seus pressupostos analíticos. Em vez de se criticar políticas, o objetivo é encontrar eventuais pontos fracos na vida do sr. A, B ou C para atacar.
Já vi na internet um grupo a tentar envenenar o ambiente político em relação ao líder do PS. Se não conseguirmos erradicar este ambiente tóxico e em que tudo tem de se resolver através de comissões parlamentares de inquérito, que normalmente são espetáculos de chicana política, não vamos a lado nenhum.
Foi com estes golpes e contragolpes que a Primeira República e o Parlamento da Primeira República ficou desprestigiado. A seguir veio a ditadura e o caos. Neste momento não há o risco de ditadura porque o ambiente internacional e nacional não o permite, mas há o risco de caos político, de falta de estabilidade política, económica e social que acaba por afetar o nível potencial de crescimento económico, logo, o nível de bem-estar económico e social das pessoas.
Há que pensar nos portugueses e os partidos políticos têm tendência a pensar neles próprios e nas suas tribos. Os partidos políticos têm de pôr o interesse nacional acima dos interesses partidários ou de uma tribo específica, e o interesse nacional deve estar presente em todas as decisões dos políticos. Primeiro, o interesse nacional, segundo o interesse nacional, terceiro o interesse nacional e só em quarto ponderar os interesses partidários e dos membros do partido. Isto hoje está tudo ao contrário.
Ainda não temos, ao fim de 50 anos, maturidade democrática, mas devemos lutar por ela. E a qualidade dos protagonistas também é muito importante e decisiva. Estamos num ambiente difícil, mas há que manter a esperança. A democracia é uma construção humana, daí não ser perfeita. O regime democrático não é perfeito, mas ainda não se inventou, pelo menos, no mundo ocidental outro modelo com menos imperfeições.
Deveria haver outras prioridades…
Devíamos pensar no que temos de fazer para ultrapassar os obstáculos com o objetivo de melhorar a qualidade e a quantidade do capital humano, a qualidade e a quantidade de investimento público e privado e como podemos melhorar a produtividade na alocação de recursos financeiros e humanos. Estas deveriam ser as grandes discussões e temo que a próxima campanha eleitoral se opte pela discussão de variáveis que não têm nada a ver com progresso económico social.
Montenegro poderia ter reagido mais rápido?
Não tenho todos os dados para avaliar, mas o que senti é que com todas as explicações que foram dadas e mesmo que continuasse a dar nunca seriam consideradas satisfatórias porque o objetivo nunca foi esclarecimento. O objetivo sempre foi a cabeça do homem e o desgaste, mantendo-o em lume brando.
Se estivesse no lugar dele tinha proposto uma auditoria externa, idónea e com os termos de referência muito bem definidos. Houve ou não houve prejuízo para o interesse público? Houve ou não houve pagamentos indevidos sem contrapartida de serviços? A empresa foi criada há bastantes anos, os clientes também eram antigos, assim como a prestação de serviços e Montenegro foi primeiro-ministro durante o último ano, mas continuou a faturar sem prestação de serviços? Essa é que é a questão central e só se pode resolver com uma auditoria analisando os contratos e não fazendo especulações à priori.
Esteve no Governo de Cavaco Silva, alguma vez imaginou estarmos numa situação destas?
Penso que já tínhamos a obrigação de ter maior maturidade democrática e obrigação de saber trabalhar em coligações inter-partidos que vai ser o futuro. À semelhança dos outros países vamos ter um Parlamento cada vez mais fracionado. Os alemães impõem uma regra que quem tem menos 5% dos votos nem sequer entra no Parlamento, mas independentemente de haver ou não mínimos para a entrada no Parlamento, a probabilidade é termos uma Assembleia fracionada. Ora, se ninguém tem maioria como é que se constrói soluções estáveis e coerentes? Há que criar mecanismos para que isso aconteça.
Em primeiro lugar, a cultura democrática dos partidos que não se faz por decreto nem através da Constituição. O segundo aspeto é rever, refletir sobre alguns elementos constitucionais. Podemos vir a estar numa situação em que um Governo é empossado para a Assembleia da República, o seu programa não é rejeitado e a seguir não vê aprovado o seu Orçamento, como também pode ser objeto de moções de rejeição ou de cair por moções de confiança, em que estas só deveriam aparecer em circunstâncias muito excecionais.
O grande objetivo deve ser a estabilidade governativa e não andar com moções a torto e a direito. Desde os anos 80, se bem me recordo, só tivemos a moção de confiança de Aníbal Cavaco Silva em 85 e agora a de Luís Montenegro.
Corre-se o risco de vulgarizar?
Sim, como também não se podem vulgarizar as comissões parlamentares de inquérito por tudo e mais alguma coisa.
Estávamos com a reforma da Segurança Social em cima da mesa e com a implementação do PRR. Podemos vir a sofrer um impasse?
Toda a gente se preocupa com o PRR e com Portugal 2030 mas acredito que, apesar de tudo, um Governo de gestão pode minorar os inconvenientes para não atrasar mais os processos. Agora não posso entrar na cabeça do investidor chinês ou do americano ou do francês que podem pensar: ‘Em Portugal estão sempre a criar instabilidade. O melhor é não ir para lá’ ou podem, pelo menos, atrasar decisões. E
m relação à sustentabilidade da Segurança Social, o anterior Governo criou a Comissão que publicou o Livro Verde que eu li. É um trabalho técnico e, como tal, assenta sempre em determinados pressupostos críticos: crescimento, produtividade, taxa de substituição, como vai evoluir a população empregada, etc., etc. Depois apareceu um relatório do Tribunal de Contas a duvidar de alguns pressupostos e este Governo, naturalmente, pediu uma nova comissão para reavaliar os cálculos e para avaliar se há ou não riscos de rutura.
Mas isto não é um problema português, é um problema de todos os países que têm um sistema de repartição. A reforma da Segurança Social será uma questão eterna. Daqui a 20 anos vai-se continuar a falar de novas medidas que teremos de tomar com vista à sustentabilidade da Segurança social.
Uma coisa tenho segura, a palavra-chave para a sua sustentabilidade é o crescimento económico e a produtividade. Se o país não crescer mais e se não aumentar o valor acrescentado por unidade de trabalho teremos mais problemas e se não aumentarmos a produtividade teremos mais dificuldades em financiar o Estado social.
A grande variável estratégica é o crescimento e a produtividade e todos partidos políticos têm de pôr isto na cabeça se estão preocupados com os portugueses. Os alemães têm tido, nos últimos anos, uma economia estagnada, mas estão a tomar medidas para criar um ambiente favorável à retoma do crescimento económico, à retoma da inovação e à retoma da produtividade.
Era isto que gostaria de ver nos principais partidos portugueses, não nos partidos anti-sistema. Os partidos políticos têm de interiorizar que estão ao serviço das pessoas, estão ao serviço dos interesses superiores do país, não estão ao serviço de clientelas partidárias. Esta reforma das mentalidades é a mais difícil de obter.
E quanto à política de imigração também poderá ficar estagnada?
Penso que já está em curso a execução de uma política de imigração regulada e integracionista. É a única via, depois da política utópica de portas escancaradas que a geringonça e António Costa defenderam, em que deixámos entrar qualquer tipo de imigrantes sem qualquer controlo. Agora estamos a sofrer algumas consequências.
O que é imigração integrada? É desenvolver políticas, em que tenham de aprender português, em que as empresas que querem contratar tenham de contribuir para os imigrantes não irem para bairros de lata. Corremos o risco de voltarmos a ter uma proliferação de bairros de lata e já existem sinais nesse sentido.
Nos anos 90, o Governo de Cavaco Silva desenvolveu um programa de erradicação das barracas em articulação com as câmaras, agora corremos o risco de voltarem outra vez. Penso que a política da imigração está no bom caminho e não penso que qualquer Governo que venha altere esse caminho. Não sou membro de qualquer partido e a minha visão estratégica é o país. Procuro raciocinar em termos dos interesses do país e não em termos dos interesses partidários.