O suicídio político do Governo e do PSD

Melhor seria ter Montenegro apresentado a sua demissão em lugar de uma moção de confiança, poupando assim o país a estas eleições inúteis.

Depois de umas eleições que geraram uma maioria muito reduzida, o XXIV Governo Constitucional foi recebido com uma expectativa favorável, esperando-se que apresentasse políticas reformistas que pusessem termo ao desastre que constituiriam as políticas dos governos socialistas de António Costa durante oito longos anos.

Infelizmente, no entanto, não foi isso o que aconteceu. O Governo de Montenegro mostrou-se absolutamente incapaz de efectuar qualquer reforma de fundo, tendo-se verificado uma clara continuidade das políticas em relação ao Governo anterior, especialmente em áreas em que era imprescindível mudar tudo, como sucede com a habitação.

Apesar disso, o XXIV Governo Constitucional beneficiava de uma imagem positiva na opinião pública, pelo que nada faria esperar a sua demissão, e muito menos a dissolução do Parlamento, tanto mais que a partir de Setembro o Presidente da República perderia essa faculdade. As mesmas só ocorreram em virtude de um verdadeiro suicídio político do Governo, que não hesitou em envolver todos os ministros num caso particular do primeiro-ministro.

Efectivamente, por muito que se queira generalizar o caso da empresa Spinumviva, o mesmo respeita apenas ao próprio Luís Montenegro, pelo que deveria ter sido tratado exclusivamente por este, tanto mais que as suas comunicações sobre o mesmo foram sempre de teor puramente pessoal.

Em caso algum se justificava por isso uma comunicação ao país do primeiro-ministro sobre este assunto, e ainda menos que nessa comunicação estivessem presentes todos os ministros, quando manifestamente o assunto não lhes dizia respeito.

E constitui também um verdadeiro absurdo o Governo apresentar uma moção de confiança no Parlamento, a pretexto de que tinha sido anunciada pelo PS uma comissão de inquérito ao caso, que apenas incidia sobre a exclusividade do primeiro-ministro, e que por isso deveria ter sido totalmente desvalorizada pelo Governo, até porque o mesmo tinha acabado de sobreviver a duas moções de censura.

A apresentação da moção de confiança, que já se sabia de antemão ir ser rejeitada, constituiu por isso um verdadeiro suicídio político do Governo, que decidiu marchar atrás do primeiro-ministro em direcção ao abismo, atirando ao mesmo tempo o país para umas eleições totalmente inúteis e que provavelmente deixarão tudo na mesma.

E aí inclui-se a própria comissão de inquérito, já que, se Montenegro estava desconfortável com a mesma, não se vê de que forma essa situação melhorará após as eleições. Sendo essa uma situação pessoal, melhor seria ter Montenegro apresentado a sua demissão em lugar de uma moção de confiança, caso em que o PSD poderia ter facilmente arranjado outro primeiro-ministro, poupando assim o país a estas eleições inúteis.

Só que o PSD decidiu igualmente suicidar-se, acompanhando também Montenegro em direcção ao abismo. É assim que o PSD vai se envolver numa tentativa de reeleição de Montenegro, indo para uma campanha eleitoral, em que a Spinumviva será um verdadeiro espinho vivo cravado no partido durante toda a campanha. E que nunca será arrancado, mesmo em caso de vitória eleitoral, uma vez que a comissão de inquérito surgirá inexoravelmente se Montenegro voltar a ser primeiro-ministro.

No Livro dos Salmos (42.7) encontra-se a expressão Abyssus abyssum invocat, ou seja, que um abismo chama outro abismo. Deveriam por isso terem sido tomadas todas as medidas para que uma situação pessoal do primeiro-ministro não se transformasse num drama para o Governo, o Parlamento e o País.

Se para isso, fosse necessária a substituição do primeiro-ministro, deveria até ter sido o próprio a tomar essa decisão a bem da regularidade do funcionamento das instituições. É pena que não tenha havido ninguém no PSD capaz de reconhecer o que é politicamente óbvio.