Antecipar uma crescente influência alemã na política europeia tem causado, recentemente, um evidente mal-estar nas mais altas esferas de Bruxelas e no Parlamento Europeu.
É certo que a Alemanha é, demograficamente, o maior Estado-membro da União Europeia. Dos 450 milhões de cidadãos da UE, os alemães, com quase 85 milhões, correspondem a 19%. Apesar da recessão económica que atravessa, a República Federal Alemã é, de longe, a maior potência económica do nosso Continente. E com a exceção de Jacques Delors, foram e são alemães algumas das figuras políticas que mais influenciaram os destinos da Europa, tal como a conhecemos hoje: Konrad Adenauer, Willy Brandt, Helmut Schmidt, Helmut Kohl e Angela Merkel. Como todos os humanos com sucessos e fracassos, como é o caso de Merkel na dependência energética da Rússia ou no escancarar das portas à imigração.
Não admira pois que, fruto dessas dimensões em termos de população e da sua projeção económica, aliadas às qualidades de alguns dos seus líderes, a Alemanha tenha assumido, quase que naturalmente, uma posição de liderança no panorama europeu, muitas vezes partilhando esse mesmo poder com a França, ou enfrentando o contraponto da Grã-Bretanha, com Margaret Thatcher por exemplo.
E esse ‘domínio’ era ‘aceite’ pela generalidade dos Estados Membros porque havia, da parte dessas fortes personalidades, o ‘cuidado’ de zelar para que as legítimas ambições e expectativas dos parceiros menos representativos em termos populacionais ou económicos, fossem tidas em conta e satisfeitas em função do seu mérito.
Porquê então os receios agora? A Alemanha vai ocupar 4 das mais importantes funções na UE:
– Friedrich Merz ganhou as eleições legislativas e vai tornar-se no novo Chanceler; enquanto negoceia o programa e a composição do seu Governo com os parceiros de coligação socialistas, já demonstrou ter uma atitude muito mais incisiva que o seu antecessor Olaf Scholz. Empresário de sucesso, tem também uma aptidão e um interesse bem mais vincados para a política internacional. E com a França com um líder extremamente debilitado interiormente, prepara-se para ser o ‘Dono Disto Tudo’. E só o simples facto de ter 1,98 metros de altura, fá-lo olhar para todos os parceiros para baixo!
– Ursula von der Leyen, Presidente da Comissão Europeia, é, como sabemos, também alemã e do mesmo Partido que Merz, a CDU. O seu comportamento tem sido caracterizado por uma subserviência aos ‘grandes’, e por dois pesos e duas medidas na sua relação com os outros Estados-Membros: os amiguinhos que seguem ‘venerandos e obrigados’ Bruxelas, multiplicam as benesses e são amparados quando se desviam dos Tratados; e os outros, os que ousam opor-se à sua vontade, sobre os quais descarrega a sua fúria sempre com o beneplácito dos Tribunais Europeus. Sim que isso de Estado de Direito é só para alguns!
– Manfred Weber, outro político alemão embora do partido irmão da Baviera da CDU, a CSU, é praticamente desconhecido da opinião pública. Nunca desempenhou funções executivas, seja a nível municipal, estadual ou no Governo federal; foi Deputado Estadual da Baviera em 2002 e é, desde 2004, membro do Parlamento Europeu, sendo Presidente do Grupo do PPE, o maior do Parlamento, desde 2014.
– Manfred Weber: sim caro leitor, não é um erro, é o mesmo. E porque aparece aqui duas vezes? Porque no Congresso do PPE que terá lugar em abril vai ser reeleito sem oposição Presidente do Partido Popular Europeu, cargo que ocupa desde junho de 2022. O PPE que além de ter o maior grupo Parlamentar em Estrasburgo é, com os seus 12 primeiros-ministros, aquele que domina amplamente o Conselho Europeu, e o que tem também o maior número de Comissários Europeus, 9!
A questão que se coloca não é tanto o serem todos dum único Estado-Membro, no caso o maior, a Alemanha, são todos do mesmo Partido CDU-CSU a nível nacional, e do mesmo Partido transnational, o PPE. No caso da chefia do governo alemão, tal é o resultado das eleições. Na liderança da Comissão, tal resulta também da escolha do Conselho Europeu e da aprovação do Parlamento. Nos outros casos, é legítimo que Weber ambicionasse dirigir o maior Grupo parlamentar se para tal lograsse a confiança dos seus pares; tem mais ‘poder’ na marcação da agenda europeia.
Mas ter estes 4 postos essenciais na arquitetura europeia todos na mão duma só nacionalidade, dum só partido político nacional, não será uma hegemonia excessiva? Entre os 82 partidos membros do PPE não haverá uma personalidade não-alemã com o prestígio que o lugar de Presidente do PPE merece? Um ex-Chefe de Estado ou de Governo?
Ninguém soube chamar a atenção para o desconforto que causa naquela família política esta exagerada concentração de poderes? Não teria sido mais sensato?
Nada é mais difícil de combater que egos exacerbados e frustrações recalcadas!
P.S.
1. Soma e segue na Roménia
Com o cúmplice silêncio da Comissão Europeia, o BEC, Gabinete Eleitoral Central da Roménia continua, de forma discriminatória, a decidir quem pode ou não concorrer às próximas Presidenciais, mesmo que apresente processos totalmente conformes com a Lei! Já rejeitou, por questões ideológicas, duas candidaturas. Neste cenário as eleições podem vir a ser livres e justas? Claro que não! E isto passa-se na União Europeia! Bruxelas assobia para o lado!
2. 2.500 milhões de Euros para a Síria
Ao mesmo tempo que, arbitrariamente, suspende pagamentos a Estados-Membros por alegadas violações ao Estado de Direito, von der Leyen atribui 2,5 biliões de euros à Síria, certamente para ela um paladino de democracia, onde os cristãos são perseguidos e chacinados sob o olhar ‘distraído’ do novo Governo e da Comunidade Internacional. E Bruxelas ainda pede aos Estados-membros que ofereçam outro tanto! Palavras para quê?
3. França e Itália contra novo monopólio de Úrsula
O Presidente Emmanuel Macron e a primeira-ministra Giorgia Meloni lideram em Bruxelas a oposição à proposta de von der Leyen de ‘açambarcar’ para a Comissão o centralizar do rearmamento das Forças Armadas dos Estados-membros. Propõe, em alternativa, um órgão autónomo em que os 27 estejam representados paritariamente. Bem mais transparente!