“O país atravessa uma grave crise de acesso à habitação, materializada por um crescimento acelerado de preços e rendas desde, pelo menos, o ano de 2017, sem que tenha existido uma atempada e efetiva resposta de políticas públicas que permitissem criar as condições para a expansão necessária da oferta residencial”. Foi desta forma que Luís Montenegro retratou o mercado imobiliário na proposta de Orçamento do Estado para este ano. Poucos meses depois, na mensagem de Natal, o ainda primeiro-ministro acenou com o “maior investimento em habitação pública desde os anos 90”.
Apesar dos passos curtos que foram dados pelo Executivo em gestão, ninguém tem dúvidas que estamos perante uma verdadeira crise habitacional. As casas não chegam para a procura, ou, pelo menos, para a carteira dos portugueses que se veem confrontados com os preços proibitivos dos imóveis, seja para compra, seja para arrendamento.
E os números falam por si. Os preços das casas continuam a subir e em 2024 dispararam mais de 9%. A nível regional, segundo os números do Instituto Nacional de Estatística (INE), o valor das transações de habitação na Grande Lisboa atingiu 10,9 mil milhões de euros, o que representa 32,2% do total. Já no Norte, as vendas de alojamentos ascenderam a 8,4 mil milhões de euros, enquanto no Algarve totalizaram 3,7 mil milhões de euros, representando 24,8% e 10,9%, respetivamente.
Os dados revelam ainda que, no último ano, as famílias despenderam, em média, 213.672 euros na aquisição de habitação.
E os valores dos créditos têm crescido. Segundo o Banco de Portugal, em 2024, as instituições financeiras em Portugal realizaram 2,2 milhões de novos contratos de crédito, com 1,7 milhões de pessoas, num total de 29 mil milhões de euros. Feitas as contas, foram celebrados 90 mil contratos de crédito à habitação própria permanente, um aumento de 32% relativamente a 2023.
Abrir cordões à bolsa
Comprar casa está tão caro que os dados podem ser assustadores: o preço de uma habitação de dois quartos (T2) em Portugal equivale a mais de 15 anos de todos os rendimentos de uma família, segundo o idealista. A mesma análise de dados revela que o preço mediano de um imóvel com estas características é de 270.789 euros, o que representa 15,7 vezes os 17.297 euros de rendimento líquido anual das famílias.
Olhemos por capitais de distrito. Atualmente, a cidade onde é necessário mais tempo de rendimentos familiares para comprar uma casa é o Funchal, com 23,2 anos. Seguem-se Faro (22,8 anos), Lisboa (21,1 anos), Porto (16,4 anos), Aveiro (15,6 anos), Ponta Delgada (14,4 anos), Viana do Castelo (12,9 anos), Braga (12,6 anos), Leiria (12 anos), Viseu (11,6 anos), Setúbal (11,2 anos), Coimbra (10,6 anos) e Évora (10,3 anos).
Do lado contrário, onde é preciso menos tempo de rendimentos, estão a Guarda (4 anos), Castelo Branco (4,5 anos), Beja (5,1 anos), Portalegre (5,1 anos), Bragança (7,4 anos), Santarém (7,9 anos) e Vila Real (9 anos).
Em valores, é em Lisboa que fica mais caro comprar casa, onde a média, nesta avaliação, é de 484.390 euros. O top 5 é ainda composto por Funchal (439.804 euros), Faro (396.010 euros), Porto (340.496 euros) e Aveiro (303.901 euros).
Números que vão ao encontro dos últimos dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), que revela que o nosso país é onde é mais difícil comprar casa, tendo a pior relação entre o preço das casas e os rendimentos, segundo os dados do terceiro trimestre de 2024.
Isto deve-se ao facto de o preço da habitação ter mais do que duplicado nos últimos dez anos, o que representa um ritmo de crescimento quatro vezes superior em relação ao rendimento médio salarial. A complicar ainda mais as contas está o custo de vida, com o índice de preços no consumidor (o indicador da inflação) a crescer 21%, no mesmo período.
Arrendamento Turbulento
O mercado de arrendamento também não vive melhores momentos. Só no ano passado, as rendas aumentaram, em média, 7%. Um valor foi muito superior ao registado um ano antes, de 4,5%, sendo mesmo o crescimento mais acentuado dos últimos 30 anos. O aumento de rendas foi sentido em todas as regiões, com destaque para Lisboa e o Norte.
Também para quem procura depara-se com um mercado de preços altos. Ao nosso jornal, o presidente da Associação Nacional de Proprietários (ANP), António Frias Marques, reconheceu que os imóveis que vão surgindo no mercado vão para imigrantes, sejam eles ricos ou pobres, e que os portugueses são afastados face aos valores que são cobrados.
Para Frias Marques, “enquanto as fronteiras estiveram escancaradas como estão e enquanto entrarem europeus e americanos ricos, os valores no mercado de arrendamento vão continuar altos, porque para eles é canja pagarem esses valores, já que em qualquer outra capital europeia é mais alto”. E confessa: “Nós é que ganhamos pouco. Estamos a sofrer não é só com a renda da casa, como também estamos a sofrer com as compras no supermercado, em que os preços praticados são mais ou menos iguais ao de França, mas um francês ganha três vezes mais”.
Ainda assim, confessa que a maioria dos proprietários continua a cobrar valores baixos e preferem aumentar o valor consoante a taxa de inflação do que recorrer a instrumentos que este ano tiveram disponíveis e que passava pela possibilidade de poderem subir os valores em 11,1%, incluindo para contratos anteriores a 1990, desde que o senhorio não tenha atualizado as rendas nos últimos três anos.
Para uma renda de 850 euros, a subida de 2,16% representaria um acréscimo de cerca de 18,36 euros. No entanto, se o senhorio optasse por aplicar os coeficientes acumulados dos últimos três anos, o aumento seria de 97,20 euros, passando para 947,20 euros.
Portugal não é caso isolado
Ainda que os portugueses se queixem dos preços da habitação, o nosso país não é caso único. Os números do Eurostat revelam que o custo da habitação na União Europeia (UE) representa um encargo insustentável para muitas famílias. Em números, nas grandes cidades da União Europeia, 10,6% dos agregados familiares gastam mais de 40% do seu rendimento em rendas. Nas zonas rurais, esse valor desce para 7%.
Segundo dados de Bruxelas, entre 2015 e 2023, os preços da habitação na UE aumentaram em média 48%. O maior aumento foi observado na Hungria, onde os preços subiram 173%, e o menor na Finlândia, com um aumento de apenas 5%. Em Portugal, o crescimento nesse período é de 106%.
E, face aos preços, é cada vez mais difícil os jovens deixarem a casa dos pais. Em média, na Europa deixam a casa dos pais aos 26,34 anos. Contudo, a idade varia muito entre os países da UE, desde os 31,84 anos na Croácia até aos 21,4 anos na Finlândia. Em Portugal, a média é 29,1.