Presidenciais e “estado geral”: experiência ou demagogia?

António José Seguro não galvaniza a unanimidade socialista, António Vitorino não desperta entusiasmo e, perante este vazio de liderança, falta apenas o inefável e inenarrável Augusto Santos Silva oficializar a sua candidatura, completando o ciclo da fragmentação.

Num ano em que as eleições autárquicas deveriam dominar o debate político e o espaço mediático, a questão das presidenciais mantém-se persistentemente em evidência, alimentada tanto pelo comentariado televisivo como pelas dinâmicas da imprensa em geral. Nem mesmo o impacto de umas inesperadas e desnecessárias eleições legislativas foi suficiente para relegar para segundo plano as movimentações e ambições presidenciais. Pelo contrário, estas continuam a emergir, seja por iniciativa própria dos candidatos, seja pelo impulso conferido pelas agendas noticiosas. Num contexto internacional marcado pela incerteza, Portugal optou, paradoxalmente, por adicionar instabilidade ao seu próprio cenário político. Em vez de se centrar no essencial – a construção de uma solução de governança duradoura e eficaz –, o País assiste a um desfile de figuras que, assumidamente ou não, começam a posicionar-se para a sucessão presidencial.

À esquerda, a divisão interna do PS reflete-se na ausência de um candidato consensual: António José Seguro não galvaniza a unanimidade socialista, António Vitorino não desperta entusiasmo e, perante este vazio de liderança, falta apenas o inefável e inenarrável Augusto Santos Silva oficializar a sua candidatura, completando o ciclo da fragmentação. Noutro registo, emergem também os candidatos da cacofonia: André Pestana e Mariana Leitão dificilmente serão mais do que ruído de fundo, meros protagonistas marginais num debate presidencial que exige substância e capacidade agregadora. Se não fossem surpreendidos pelo advento das legislativas, André Ventura e Joana Amaral Dias também certamente se juntariam a este coro estridente, mas o calendário, e ainda bem, traiu-lhes as ambições.

Resta então o apressado e experimentado político Marques Mendes, que, apesar de anos a fio como comentador residente e de um suposto conhecimento aprofundado da realidade nacional, não antecipou que a realização de eleições legislativas desviaria a atenção da sua precoce manifestação de candidatura. Ainda mais surpreendente é a sua primeira acção de campanha: a convocação dos chamados “Estados Gerais” para identificar os problemas do País – precisamente aqueles que, na sua longa trajectória de análise política, já deveria conhecer.

A realização de “Estados Gerais” por um candidato a Presidente da República (PR) é, no mínimo, um exercício questionável, tanto do ponto de vista da utilidade como da coerência institucional. Senão vejamos: o PR, no sistema político português, não governa nem define políticas públicas – cabe-lhe garantir o regular funcionamento das instituições e exercer um papel moderador. Assim, um candidato que convoca “Estados Gerais” para debater os problemas do País dá a entender que pretende agir como um primeiro-ministro em potência, confundindo os eleitores sobre o verdadeiro alcance das suas futuras funções. Se a intenção é compreender melhor os desafios nacionais, questiona-se por que razão um político experiente e há muito tempo envolvido no debate público necessitaria de um fórum deste género para se inteirar da realidade nacional. Além disso, Portugal dispõe de instituições e mecanismos que já produzem conhecimento rigoroso sobre os desafios nacionais, desde o Parlamento ao Conselho Económico e Social, passando pelas universidades, “think tanks”, centros de investigação ou até o “vox populi”. Qualquer candidato sério à Presidência deveria apoiar-se nesses instrumentos e na sua própria experiência política para fundamentar a sua visão. Ao lançar “Estados Gerais”, Marques Mendes transmite uma mensagem de desconhecimento da realidade ou, pior, de uma tentativa artificial de criar dinâmica política onde ela não é necessária. Trata-se de um artifício de campanha para ocupar espaço mediático e conferir uma ilusão de profundidade a uma candidatura. No fundo, dificilmente produzirá algo relevante para a sua eventual presidência. Aliás, a incoerência de Marques Mendes é notória: num momento, afirma que Passos Coelho não é solução para o PSD, chegando até a desfiliar-se do partido em tom propagandístico; no momento seguinte, defende que sem Passos Coelho o PSD jamais recuperará o seu fulgor. Esta demagogia política de Marques Mendes não se apaga da memória colectiva e será mesmo até razão para muitos dos seus ex-companheiros lhe negarem o voto.

Durante estas investidas mediáticas para não perder protagonismo, Marques Mendes tem enfatizado a importância da experiência política prévia para o desempenho das funções presidenciais, apontando implicitamente ao Almirante Gouveia e Melo. No entanto, este último, consciente da prioridade do País em encontrar primeiro uma solução de governo estável, tem-se mantido sabiamente afastado deste debate. “First things first” é um princípio que a formação militar ensina desde cedo e que, com a experiência, se traduz na capacidade de liderança e na distinção entre o essencial e o acessório.

A Constituição da República Portuguesa não impõe qualquer requisito de experiência política para ser eleito PR. O artigo 122.º define apenas que o cargo pode ser ocupado por cidadãos portugueses de origem, com mais de 35 anos, e que gozem de plenos direitos civis e políticos. Não há qualquer menção à necessidade de uma carreira política prévia, abrindo espaço para militares, juristas, académicos, empresários, diplomatas, calceteiros ou qualquer outra figura de relevo nacional. Se aceitarmos o argumento de que apenas um político experiente pode exercer bem o cargo de PR, então deveríamos também considerar que apenas alguém com uma carreira militar consolidada estaria habilitado para ser Comandante Supremo das Forças Armadas – uma das principais funções presidenciais. No entanto, a esmagadora maioria dos PR portugueses, desde 1974, salvo o exemplar General Ramalho Eanes, não teve qualquer experiência militar significativa antes de assumir funções, sem que isso tenha limitado o seu desempenho. O essencial não é a experiência política, mas sim a capacidade de liderança, de mediação e de representação do Estado.

O Almirante Gouveia e Melo demonstrou essas qualidades ao longo da sua carreira, enfrentando desafios logísticos e políticos complexos, lidando com a comunicação pública e articulando diferentes sectores do Estado. Se essas competências são suficientes para gerir uma operação de dimensão nacional e internacional, não será absurdo considerar que também podem ser úteis na Presidência. A crítica de Marques Mendes a Gouveia e Melo parece, assim, mais uma tentativa de desqualificação do que um argumento sólido. A experiência política pode ser uma vantagem, mas não é um critério exclusivo nem constitucionalmente exigido para o cargo em Belém. Se esse argumento fosse levado ao extremo, então um civil como Marques Mendes, cuja experiência com a vida militar terá sido, suponho, no dia da inspecção militar, sendo dispensado no mesmo instante, jamais poderia ser Comandante Supremo das Forças Armadas – o que seria uma distorção da lógica democrática.

O caso do General Petr Pavel, recentemente eleito Presidente da República Checa, ilustra bem a possibilidade de figuras com carreiras militares ascenderem ao mais alto cargo político de uma nação. Pavel venceu as eleições presidenciais com 57,07% dos votos, derrotando o magnata populista Andrej Babis. Desde a sua posse, tem adoptado uma postura activa no plano interno e externo. Destacou-se pelo apoio firme à Ucrânia e por liderar a iniciativa das munições. Internamente, trabalhou para aproximar a presidência dos cidadãos, aumentando a confiança pública no cargo para níveis recorde.

Este exemplo demonstra que a experiência militar pode ser valorizada pelos eleitores e traduzir-se em liderança eficaz na presidência, especialmente num contexto europeu cada vez mais desafiante. Nisso, Marques Mendes é uma nulidade: sabe de “generalidades e de culatras”, mas nada de estratégia, saberá muito do “Estado Geral” do País, mas nada sabe da “Arte Militar”. O que realmente importa é a capacidade de servir o País, unir a sociedade e representar Portugal com competência e dignidade – independentemente da origem profissional do candidato. O país aguarda agora a afirmação da candidatura do Almirante Gouveia e Melo, que tem reiterado não precisar de “partidos, organizações, mandatários” nem de figuras de proa, confiando apenas no mandato do povo simples. Esse será o seu maior trunfo: uma candidatura sem “procissões, andores, ou santos” na romaria para Belém. Caso avance, o Almirante terá, ao contrário de Marques Mendes, uma missão clara como futuro Presidente da República – ajudar os portugueses a virar a página e a deixar para trás a triste era de Marcelo Rebelo de Sousa. Se o conseguir, Portugal ficará grato por esse novo “estado geral” da Nação.

Coronel