A vida começa aos 80

Gostei muito de saber que ele tinha deixado tudo escrito em relação ao enterro: quem queria que fosse, quem não queria que fosse, e que queria que todos fossem vestidos de azul, a cor do clube.

Querida avó,

Espero que o teu dia de aniversário tenha sido repleto de alegria.           
Já entraste há dois anos na quarta idade, classificação etária de quem passou dos 80 anos. Felizmente, cada vez existem mais pessoas a passar as 8 décadas de vida.

Pensar que há uns anos alguém com 50 anos era considerado idoso…. Curiosamente, vejo muitas universidades sénior, que aceitam inscrições a partir dos 55 anos. O “berçário” dos seniores, portanto.

O processo de envelhecimento é diferente para todos. Envelhecer é um processo longo que leva anos a decorrer, não acontece da noite para o dia. É um processo gradual.

A nossa amiga Fernanda Teixeira, por exemplo, aos 70 anos decidiu ir para a universidade. Mais tarde, acabou por publicar o livro “Caloira aos Setenta” que pretende, antes de mais, ajudar a desmistificar o estereótipo do Idadismo, mostrando que a idade não é, apenas por si, um fator impeditivo da concretização de sonhos e da realização de objetivos!

Já para não falar, uma vez mais, do nosso amigo Ruy de Carvalho, que aos 98 continua a trabalhar, e a ser um exemplo para todos.

A frase “a vida começa aos 80” pode ser interpretada de várias maneiras. Muitas pessoas acreditam que a idade é apenas um número e que, com a experiência e a sabedoria adquiridas ao longo dos anos, é possível viver momentos incríveis e realizar novos sonhos mesmo na quarta idade. Além disso, a saúde e a vitalidade podem permitir que muitos aproveitem essa fase da vida de forma plena e ativa. O importante é manter uma atitude positiva e aberta para novas experiências, independentemente da idade!

Não precisamos acrescentar mais anos à vida, mas sim mais vida aos anos que vivemos.

O lugar de uma pessoa de 80 é onde ela quiser estar!

Tu és exemplo disso!

Parabéns, querida, avó.

Bjs

Querido neto,

Nestes dias de temporal, ouvi alguém dizer que nestas alturas o que sabe bem é ouvir contar histórias.

Não sei se já ouviste falar no poeta Corsino Fortes, um grande poeta de Cabo Verde. Tínhamos sido colegas na universidade — ele a sair e eu a entrar — e tratava-me por coleguinha. Reencontrámo-nos anos depois numas “Correntes d’Escritas” (morreria pouco tempo depois).

Tem um filho, com o mesmo nome, que faz uma coisa extraordinária.

As pessoas ligam-lhe, dão-lhe o número de telefone de uma amiga e ele, por meia dúzia de tostões, liga para esse número, e diz que uma amiga dela pediu que lhe lesse um poema. E então lê-lhe um belíssimo poema, duma lista que anda sempre com ele.

Fui uma das contempladas. Eu nem tive palavras, enquanto ele lia um poema de Eugénio de Andrade. E no fim perguntou: “Gostou?”

Claro que eu tinha gostado muito.

As pessoas ficam mesmo felizes depois de o ouvirem, nomeadamente os mais velhos.

Há alguns dias morreu-me um grande amigo, com 88 anos.

Um amigo que toda a gente conhecia: Jorge Nuno Pinto da Costa.

Sabia que ele estava muito doente — mas nunca estamos preparados para a morte dos nossos amigos.

Eu gostava muito dele. Não pelo futebol, isso para mim era-me indiferente, mas porque era uma pessoa fascinante.

Era um homem extremamente culto.

Falava várias línguas (ouvi-o falar um alemão perfeito), sabia vários poemas de cor (ouvi-o recitar, sem uma falha, o “Só” do António Nobre, e muitos do José Régio.)

Era um prazer conversar com ele, e distinguia muito bem um inimigo de um adversário. E, como ele explicava, a sua relação com ambos era diferente: muito respeito pelos adversários, e respeito nenhum pelos inimigos.

Gostei muito de saber que ele tinha deixado tudo escrito em relação ao enterro: quem queria que fosse, quem não queria que fosse, e que queria que todos fossem vestidos de azul, a cor do clube.

Vai fazer-me muita falta.

Bjs