Terras-raras e corn flakes

Alguns países e territórios possuem vastos recursos de terras-raras, com destaque para a China, responsável por aproximadamente 90% do fornecimento global.

As agora tão mediáticas terras-raras constituem um conjunto de dezassete elementos químicos metálicos que compreende os lantanídeos – do lantânio (número atómico 57) ao lutécio (número atómico 71) -, o escândio (21) e o ítrio (39). Este último foi o primeiro a ser descoberto, em 1794, pelo finlandês Johan Gadolin, e o seu nome foi inspirado em Ytterby, a aldeia sueca de onde provinha o mineral negro (gadolinite ou ytterbite) em que foi identificado.


A designação coletiva de ‘terras-raras’ deve-se ao facto de estes metais terem sido originalmente encontrados na forma de óxidos, os quais eram classificados no século XVIII como ‘terras’, ou seja, substâncias insolúveis em água e resistentes a alterações químicas por ação do calor. No entanto, a sua suposta raridade não se confirmaria: alguns são relativamente abundantes na crosta terrestre – em quantidades comparáveis às do cobre e do estanho – ainda que, na maioria dos casos, não se encontrem em depósitos concentrados e exploráveis.


Em 1803, os suecos Jacob Berzelius e Wilhelm Hisinger e, em separado, o alemão Martin Klaproth identificaram o cério, um lantanídeo. Seguindo a antiga tendência de associar os metais a astros – o ouro ao Sol, a prata à Lua, o ferro a Marte, o mercúrio ao planeta homónimo, o estanho a Júpiter, o cobre a Vénus e o chumbo a Saturno -, cério alude a Ceres, o maior asteroide do sistema solar, descoberto dois anos antes pelo siciliano Giuseppe Piazzi. Por sua vez, este planeta-anão localizado no Cinturão de Asteroides, entre Marte e Júpiter, e com um diâmetro de 940 km, deve o seu nome a Ceres, deusa romana da agricultura, dos cereais e da fertilidade, de acordo com a tradição de atribuir aos planetas nomes de divindades greco-romanas – de Mercúrio a Saturno, e depois Úrano e Plutão (este reclassificado como planeta-anão pela União Astronómica Internacional em 2006, por não ter gravidade suficiente para limpar a sua órbita de outros corpos celestes).
Segundo a mitologia romana, foi Ceres (na imagem, numa representação de c. 1717 de Antoine Watteau), filha de Saturno e Ops, quem ensinou os humanos a cultivar a terra, semear, colher cereais e fazer pão. Divindade venerada como padroeira da Sicília – considerada o celeiro de Roma – Ceres protagoniza, juntamente com Proserpina, sua filha, um dos mais belos mitos da Antiguidade. Desesperada com o rapto da filha por Plutão, que a levara para o submundo, a deusa abandonou os seus deveres, deixando a Terra estéril. Júpiter ordenou então a libertação de Proserpina, mas, como esta ingerira voluntariamente seis bagos de romã oferecidos pelo raptor, exigindo a lei, em tais casos, que permanecesse no submundo (o primeiro caso de síndrome de Estocolmo?), ficou assente que a jovem passaria metade do ano com Plutão, simbolizando o outono e o inverno, e a outra metade com Ceres, simbolizando a primavera e o verão, refletindo assim o ciclo das estações e das colheitas.


O enorme interesse pelos elementos das terras-raras deve-se à singularidade das suas propriedades – magnéticas, luminescentes, eletroquímicas e térmicas – que os tornam essenciais para tecnologias avançadas e de importância estratégica, como em smartphones, carros elétricos, LEDs, turbinas eólicas, imagiologia médica e sistemas de defesa avançados, entre outros. Por exemplo, o composto de fórmula Gd₅Si₂Ge – que contém gadolínio (Gd), um lantanídeo – pode sofrer uma variação de temperatura quando submetido a um campo magnético variável. Atualmente, investiga-se o uso de materiais magnetocalóricos como este em sistemas de refrigeração de alta eficiência, com o objetivo de atingir consumos energéticos até quatro vezes inferiores aos dos sistemas convencionais.
Alguns países e territórios possuem vastos recursos de terras-raras, com destaque para a China, que, detendo cerca de 25% das reservas mundiais, é responsável por aproximadamente 90% do fornecimento global. O domínio chinês neste mercado tem suscitado crescentes preocupações entre os países que dependem da importação destes metais, seja por não possuírem reservas próprias, seja por optarem por não as explorar. Apesar de deterem, na Califórnia, a importante mina de Mountain Pass, os EUA mostram-se interessados na Gronelândia e nos recursos minerais da Ucrânia (o celeiro da Europa), ambos ricos em terras raras. Este movimento reflete o agravamento das tensões geopolíticas em torno da procura por fontes alternativas, com o objetivo de reduzir a dependência em relação à China.


No entanto, os métodos agressivos de extração das terras-raras e o tratamento inadequado dos seus resíduos causam impactos ambientais significativos, como se verifica na região de Bayan Obo, na China. Por essa razão, tem aumentado a pressão para o desenvolvimento de métodos mais sustentáveis e a procura de fontes alternativas – afinal, rara mesmo é a Terra.

Químico