Hoje como ontem

Foi a adesão à Europa que mudou o país, ainda que com sobressaltos.

Há 50 anos, a 11 de Março de 1975, a intentona de setores spinolistas, em resposta a um boato sobre uma iminente ‘matança da Páscoa’, fracassou de forma ridícula. Já o contragolpe foi bem-sucedido. Os oficiais do MFA próximos do PCP, que já controlavam o poder e terão fomentado e difundido o boato, logo encontraram pretexto para, em poucas horas, extinguir a Junta de Salvação Nacional, institucionalizar a Assembleia do MFA e constituir o Conselho de Revolução (CR).

Seguindo o que Vasco Gonçalves vinha planeando, a banca, os seguros e vários setores da economia foram nacionalizados. De forma arbitrária, e por ordem dos militares, foram presos centenas de civis. Francisco Sousa Tavares, queixando-se do «banditismo organizado» e da «prepotência ou loucura irresponsável de revolucionários de fresca data», salientava que «a destruição do país consumou-se em pouco tempo». Para tal, «era preciso derrubar (…) toda e qualquer ordem jurídica ou respeito pela lei».

Nas eleições de Abril desse ano, os militares sofreram um revés: os seus pares, PCP e MDP, não chegaram a 17% dos votos. Mas a rejeição popular não bastou para travar os desmandos. A Constituição seria condicionada por um ‘pacto’ imposto pelo MFA, que perpetuava o seu poder. Os direitos e liberdades continuaram tolhidos. O tecido económico foi destruído com legislação irresponsável, perda de credibilidade internacional, coletivização da agricultura e gestão incompetente das grandes empresas, condicionada pelas cédulas partidárias. O princípio da autodeterminação das colónias caiu por terra: o CR limitou-se a cumprir com os interesses de Moscovo; os retornados regressaram sem eira nem beira.

Só que a aceleração do processo revolucionário, com desmandos e loucuras, esbarrou na resistência popular, particularmente a Norte. No ‘Verão quente’ de 1975, os membros mais lúcidos do CR compreendiam que a situação era insustentável. Com a entrega ‘a la carte’ de Angola ao MPLA, já não havia interesse em adiar a purga. A 25 de Novembro, tal como sucedera em Março, surgiu uma conjura útil. A derrota da sublevação de extremistas da esquerda militar foi o que salvou o PCP, que traiu os revoltosos, e legitimou a influência do CR.

Voltando a Sousa Tavares, depois das «prisões arbitrárias, das acusações falsas, do domínio da comunicação social pela mentira», «a consciência nacional repudiou esta nova ameaça de poder absoluto e de não democracia». Retomou-se então o processo de democratização, restituindo-se as liberdades. Os partidos democráticos assumiram o mandato que o povo lhes confiara. Os militares radicais foram poupados e muitos, como Rosa Coutinho e Corvacho, enriqueceram com negócios chorudos com Angola. Os que recuaram, por convicção ou taticismo, acantonaram-se com benesses várias numa associação e, hoje, ainda se acham donos da revolução.

O ‘gonçalvismo’ deixaria um rasto de destruição. A Constituição condicionada adiou as inevitáveis reprivatizações. Foi a adesão à Europa que mudou o país, ainda que com sobressaltos. Apesar das crises financeiras e das intervenções externas, bem como da inexorável resistência a reformas, Portugal progrediu. Mas ficaram as sequelas de 1975…

A História não se repete, mas deixa lições. Neste tempo de crises políticas que, pela sua frequência, fragilizam o regime, a indispensável transformação do país face às novas ameaças conjunturais não pode ser condicionada por quem quer afogar a democracia na lama. Como em 1975, é pelo voto que, a 18 de maio, devemos resistir.