Das mensagens se fez luz

O que os membros da Administração americana dizem em privado pouco difere do que dizem em público: acreditam que os europeus estão à boleia dos EUA, como se da aliança não retirassem vantagens…

O conselheiro de segurança nacional de Donald Trump, Michael Waltz, juntou um jornalista da revista The Atlantic a um grupo restrito sobre um possível ataque dos EUA aos Hutis (no Iémen), numa plataforma de comunicação pública (a Signal). Nesse grupo estavam também o vice-Presidente, JD Vance, o secretário da defesa, Pete Hegseth, e o diretor da CIA, John Ratcliffe.


A primeira anormalidade do caso está em criar um grupo numa plataforma de comunicação pública, logo, pouco segura, para uma questão tão importante como a guerra e a paz. Todos nos habituámos a utilizar estas plataformas no nosso quotidiano, confiando quanto baste na segurança da sua encriptação, sabendo porém os cuidados inerentes à privacidade. Quando estas pessoas partilham estas matérias numa plataforma, é caso para estarmos preocupados.


A segunda anormalidade consiste numa destas pessoas ter adicionado a esse grupo um jornalista. Pode até ser que o seu nome fosse próximo de alguma pessoa que deveria estar no grupo, mas a ligeireza como o assunto é gerido é assustadora.


A terceira anormalidade está na reação dos visados. A revista geriu o assunto com algum cuidado, com vista a não prejudicar a vida dos militares norte-americanos e o interesse nacional do país, algo com que os titulares dos cargos pareciam preocupar-se menos do que os jornalistas. A primeira reação de Hegseth foi dizer que não eram ‘planos de guerra’, mas ‘planos de ataque’. Sempre que um político se refugia apenas num eufemismo, perdeu o argumento. A Rússia chamou sempre à guerra na Ucrânia uma ‘operação militar especial’, o resto do mundo chama guerra e é o que é: uma guerra.
A quarta anormalidade conduz-nos ao contexto em que vivemos, e ao qual nos devemos habituar: a forma como os membros desta administração olham a relação com a Europa. O vice-Presidente diz estar pouco seguro dos ataques, pois a rota comercial do Suez, que os Hutis atacam, é muito mais utilizada pelos europeus do que pelos norte-americanos, pelo que temia que fosse dada a mensagem errada aos europeus (no que respeita à necessidade de investimento na defesa). O secretário da defesa diz, então, que concorda com a tese do vice-Presidente e que lhe custa ‘safar novamente os europeus’.
Desde que esta nova Administração norte-americana tomou posse, em janeiro passado, têm sido enviadas diversas mensagens aos ‘aliados’ europeus. Pelo próprio Presidente, a respeito da necessidade de investimento em defesa, sem o qual diz não querer ‘proteger’ os outros membros da NATO. Pelo vice-Presidente, que veio à conferência de Munique dar lições de democracia e de política de defesa aos europeus. Por todos, indiretamente, nas negociações sobre o conflito na Ucrânia, no qual os EUA, decididos que a guerra não é mais do seu interesse, abandonaram o aliado.
Se as outras mensagens eram da esfera política, agora não é muito diferente, apenas lemos sem filtro (como se nas outras circunstâncias muito filtro houvesse), o pensamento confrontacional dos membros da administração na sua relação com os europeus. O que dizem em privado pouco difere do que dizem em público: acreditam que os europeus estão à boleia dos EUA, como se da aliança não retirassem vantagens. Donald Trump vê quase tudo como um jogo de soma zero. Os membros da sua administração também.
Quem tinha dúvidas pode pô-las de lado. Este é o ‘aliado’ que temos: um que não nos vê como aliado. E nós, será que ainda vemos?