Adolescência

A série mostra a realidade das famílias: estamos todos perto uns dos outros e na mesma casa, sabemos ao minuto onde está cada um, mas não estamos verdadeiramente perto uns dos outros nem nos conhecemos

Uma série vale mais que 50 palestras. A nova série da Netflix, Adolescência, tem a virtude de dar a conhecer aos pais os filhos que têm em casa e de mostrar que não são só as redes sociais as causas da doença social que se está a alastrar. A solidão, os complexos, a insegurança e a futilidade são as ervas daninhas que parecem contaminar toda esta geração. Adolescência não é juventude: um adolescente ainda ontem era uma criança com medo do escuro e anda de bicicleta, um jovem já tem marca de cigarros preferida e faz cavalinhos de mota. A inocência não é a mesma e aquilo que mais impressiona na série é mesmo a idade. O grande problema do rapaz desta série é que se acha feio e, como se acha feio, é complexado e não tem sucesso com as raparigas. Também não tem jeito para futebol, apesar de ser bom aluno e inteligente, o que faz dele um adolescente inseguro sendo que aquilo que mais ambiciona é que gostem dele e o admirem. Emocionalmente é frágil, de porcelana. Os seus divertimentos passam por vaguear pelas ruas e bairros com os amigos, e certamente na companhia das redes sociais. Conhece todos os colegas, sabe quase tudo de cada um, mas não fala com quase nenhum. Vive o dia a dia fechado em si e no quarto a crescer sozinho, considerando que emojis não são companhia para ninguém. 

No início da série são poucas as dúvidas da inocência do rapaz que não passa de uma criança que ainda faz xixi nas calças, que se assusta e que chama pelos pais para o socorrerem. Com o evoluir dos acontecimentos, o rapaz passa a adolescente e sem nos apercebermos já o consideramos capaz do pior. Não que ele seja outro, mas porque há toda uma dimensão que nos é apresentada que não se ajusta nem um pouco ao que imaginamos ser um rapaz de 13 anos. Uma surpresa para nós, meros espetadores, e para os pais do rapaz. E é essa dúvida dos pais, além da sua impotência, que mais aflige. 

A série mostra a realidade das famílias: estamos todos perto uns dos outros e na mesma casa, sabemos ao minuto onde está cada um, mas não estamos verdadeiramente perto uns dos outros. Não nos conhecemos, não criamos hábitos juntos e sem querer deixamos que a dinâmica diária deixe de ser dinâmica. Uma criança, um adolescente sossegado num quarto durante horas quer dizer que está mergulhado nas redes a invejar, a comparar-se, a coscuvilhar, cobiçar. E está sujeito a mais perigos e a se tornar até perigoso do que em qualquer outra situação. Tem tudo para correr mal. Quando não há interação diária, conversa, discussões, não existem conflitos, e quando não se chegam os limites em ambientes controlados, como a nossa casa e com a nossa tribo, é fora dela e de forma descontrolada que se faz essa experiência. O que mais impressiona na série é como a insegurança e a fragilidade são fontes de raiva e ódio e como a culpa dos pais é tão avassaladora: deixaram o filho crescer longe deles, tipo Mogli só que numa selva cibernética. O ambiente perfeito para que os mais frágeis se transformem nos mais violentos, por uma questão de sobrevivência. Só que os nossos adolescentes estão no quarto lado.