Imigração: acordo para avançar a 1 de abril com Governo de gestão

Entidades patronais falam em ajustes face às propostas avançadas inicialmente pelo Executivo e lembram que empresas não podem parar por falta de mão-de-obra

O acordo sobre a migração laboral será assinado a 1 de abril, mesmo com o Governo em gestão, apurou o Nascer do SOL. Aliás, esta já era a interpretação das entidades empresariais contactadas pelo nosso jornal. Para o presidente da AEP, «este acordo é urgente para garantir a rápida e eficaz integração da mão-de-obra no país, devendo ser viabilizado com a máxima celeridade». Luís Miguel Ribeiro reconhece que é «fundamental que as entidades públicas assumam um papel ativo e responsável na integração destes imigrantes, além do contrato de trabalho assegurado pelas empresas». Mas deixa um recado relativamente às imposições inicialmente avançadas pelo Executivo: «Num cenário de crise habitacional e num contexto nacional e internacional de incerteza, essa responsabilidade não deve recair exclusivamente sobre as entidades empregadoras».

Em resposta às medidas sugeridas, o responsável dá como exemplo as iniciativas que a AEP tem participado, como a colaboração com o Fundo para o Asilo, Migração e Integração – FAMI 2030, «com o propósito de agilizar programas de mobilidade laboral, promovendo a atração e fixação de mão-de-obra estrangeira, nomeadamente, para setores como a agricultura, indústria, construção, turismo e outros serviços», diz ao nosso jornal. Além disso, a entidade há dois anos que tem levado a cabo ações de formação para imigrantes, em português, abrangendo até à data 2.042 cidadãos estrangeiros, facilitando quer a sua integração profissional quer sociocultural e comunitária.

Luís Miguel Ribeiro reconhece que a falta de mão-de-obra é um dos principais constrangimentos à atividade das empresas. Aliás, segundo um recente inquérito da AEP aos seus associados, oito em cada dez empresários consideram que a dificuldade de contratação de mão-de-obra é um fator que impacta a sua atividade de forma muito significativa ou significativa.

Também a secretária-geral da AHRESP lembra as declarações que têm sido feitas pelo Executivo que tem vindo a referir que o processo não irá parar. Ana Jacinto acredita que «algumas das exigências inicialmente previstas serão ajustadas, nomeadamente a obrigatoriedade dos contratos de trabalho serem permanentes, que deixa agora de ser uma condição imposta».

De acordo com a responsável, «esta decisão, a concretizar-se, responde a preocupações manifestadas pelas associações empresariais, incluindo a AHRESP, que sempre defendeu a necessidade de flexibilidade contratual para que as empresas possam adaptar-se à sazonalidade do turismo», acrescentando que «sem querer tecer grandes considerações sobre as virtudes ou os defeitos do Plano de Ação para as Migrações, a atual estratégia para a imigração tem vindo a ser implementada com metas e objetivos concretos», envolvendo a participação de associações empresariais, incluindo a associação. «Estamos duplamente envolvidos neste processo: por um lado, como associação representativa do turismo, a atividade que mais emprega trabalhadores estrangeiros; por outro, como entidade responsável por um Centro Local de Apoio à Integração de Migrantes (CLAIM).

Ainda assim, Ana Jacinto reconhece que com a queda do Governo e com novas eleições legislativas e autárquicas no horizonte é natural que haja alguns impactos na continuidade deste plano. Mas perante este cenário não hesita: «Continuaremos a defender a manutenção de uma estratégia que conjugue a regulação da imigração com condições dignas para os trabalhadores e a resposta eficaz às necessidades das empresas, independentemente do Governo que venha a ser eleito. O turismo precisa de soluções ágeis para a contratação de trabalhadores, para que os processos sejam mais rápidos e eficientes». Refere, ao mesmo tempo, que «é essencial que a imigração continue a ser encarada como uma solução estratégica para a economia nacional, e não como uma questão secundária sujeita a mudanças políticas. Afinal, a maioria dos migrantes que chega ao nosso país vem precisamente em busca de oportunidades de trabalho, e a atividade turística está disponível para os acolher e integrar».

Soluções integradas

Em relação às medidas avançadas pelo Governo, nomeadamente no que diz respeito à necessidade de formação e habitação que estaria a cargo do empregador, a secretária-geral da AHRESP diz que alguns aspetos necessitam de maior análise e reflexão, nomeadamente a exigência de contratação sem termo e as condições de habitação. «A questão da habitação é um dos desafios mais complexos, pois exige soluções estruturais que vão além da capacidade das empresas e que devem ser pensadas de forma integrada pelo Governo e pelas autarquias», salienta.

No entanto, defende que é imperativo avançar com o acordo, já que a sua execução cabe às entidades administrativas e chama a atenção para o facto de o setor precisar «de respostas concretas e céleres», independentemente do contexto político. «É preciso encontrar soluções que sejam equilibradas e eficazes. Precisamos urgentemente de estabilidade política para que medidas como estas possam avançar sem percalços e para que as empresas tenham condições para planear o seu futuro com segurança».

E, apesar de não conseguir quantificar o número de trabalhadores imigrantes que precisa para a restauração e para o alojamento turístico, Ana Jacinto afirma que «é inegável a escassez de trabalhadores no Canal HORECA, especialmente na restauração e similares, onde os imigrantes têm sido fundamentais para colmatar essa necessidade», daí defender que é necessário agilizar os processos de contratação e integração destes profissionais, garantindo, ao mesmo tempo, a sua qualificação e formação para diferentes funções operacionais. «A AHRESP tem trabalhado ativamente nesse sentido. Um exemplo recente é o envolvimento da associação na divulgação e na promoção do programa ‘Integrar para o Turismo’ – uma iniciativa que visa acolher, qualificar e integrar migrantes no mercado de trabalho da atividade turística –, junto dos empresários».

Agilizar processos

Também o secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) acredita que o programa está a andar, tanto que lembra que «as empresas não podem ficar em banho-maria e os trabalhadores que são precisos para apanhar as colheitas não esperam para que haja ou não Governo e as empresas com ou sem Governo têm de funcionar na mesma e o protocolo é uma congregação de boas vontades», afirma o nosso jornal.

Luís Mira recorda que é um acordo para o qual a CAP já se disponibilizou para assinar e como não prevê legislação nova, mas cumprir a que já existe apela a que haja um esforço entre o Estado, as empresas e as próprias autarquias para criar condições aos trabalhadores, nomeadamente no que diz respeito à habitação, para os imigrantes viverem em condições dignas. «Quem tem uma campanha de mirtilos ou de framboesas pela frente frente tem de continuar a trabalhar e não pode estar à espera do protocolo. Claro que, depois o que se pretende é que haja uma agilização dos processos e uma maior facilidade em criar condições nas habitações para que as pessoas venham e se instalem de uma forma condigna porque a história de Odemira é toda mal contada. As empresas quiseram construir casas de tijolo e de cimento e foi a Câmara de Odemira, o ICNF [Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas] e o Estado que não deixaram e disseram para pôr os tais contentores que amovíveis», refere.

E acrescenta: «Estas pessoas não vêm cá para terem uma casa com piscina. Vêm para trabalhar, é claro que precisam de ter condições para viver, mas são trabalhadores temporários. Não ficam cá o ano todo. Os militares quando estão em campanha ficam em casas ou em tendas? Não estou a dizer para ficarem em tendas, mas o exemplo de Huelva pode seguido em Portugal: os imigrantes ficam em camaratas, homens num lado e mulheres no outro, com casas de banho, médicos, assistência social. Não vamos inventar nenhuma solução milagrosa porque ela já existe».

Já em relação à questão da formação, Luís Mira lembra que as empresas e o próprio código de trabalho já contemplam essa obrigação, mas afasta um cenário, em que a responsabilidade recai apenas do lado empresarial. «Há o IEFP, há programas de formação e é preciso aproveitar isso. Agora não pode nem o Estado empurrar para as empresas, nem as empresas empurrar para o Estado. Todos têm de colaborar na procura da melhor solução». E afirma que cada setor tem as suas necessidades: «Ainda esta semana estive num restaurante e fui atendido por um rapariga do Nepal que falava mal português. Esses trabalhadores precisam mesmo de formação, agora para apanhar mirtilos não precisam de falar português. E são mais produtivos do que os portugueses, não tem comparação. Primeiro porque se concentram mais, depois têm umas mãos mais delicadas para apanhar aqueles bagos pequeninos».

Projetos em causa

Também Albano Ribeiro, presidente do Sindicato da Construção de Portugal, diz que a solução para o problema da mão-de-obra imigrante passaria por dar formação nos países de origem, tal como já é feito por algumas empresas do setor. «Esse é o caminho que devemos seguir, nem era preciso Governo, nem ninguém», refere ao Nascer do SOL.

E lamenta a situação com que muitos imigrantes se deparam quando chegam ao nosso país. «Muitos não têm sítios onde dormir, não têm refeitórios, não têm nada. Isso tem alguma dignidade no mundo contemporâneo? É tudo menos digno», lamenta. «É inadmissível as coisas que se estão a passar em pleno século XXI, estamos perante escravatura moderna», continua. «Há casos que nos chegam ao sindicato e nem sequer têm contrato».

A agravar essa situação está o facto de, segundo o dirigente sindical, a maioria dos trabalhadores que chegam a Portugal não serem qualificados. «As obras são feitas com quem? Neste momento não há ninguém a formar operários da construção e quem chega não são operários qualificados e não é essa mão-de-obra que o setor da construção precisa», acusa.

De acordo com as contas de Albano Ribeiro, o setor precisa de mais de cem mil trabalhadores para responder a todas as obras anunciadas. não é só na habitação, como nos novos projetos, tal como, o novo aeroporto, a nova travessia do Tejo e novo hospital de Lisboa. «Ainda agora anunciaram que vão transformar a IP3 numa autoestrada, mas quem é que vai construir essa extensão tão grande?», questiona.