E se fossemos acordados a meio da noite com a polícia a arrombar-nos a porta de casa e a levar o nosso filho ou irmão de 13 anos, alegando que este tinha cometido um sangrento e brutal homicídio? Quais seriam os nossos primeiros pensamentos? E se percebêssemos que, afinal, não o conhecíamos? O que faríamos? É precisamente isso que acontece a Jamie Miller (protagonizado pelo ator Owen Cooper, de 15 anos), um jovem com um ar angelical, que cresceu numa família de classe média, considerada funcional, acusado no primeiro episódio de matar uma colega de escola, Katie, no Reino Unido, com uma faca de cozinha. Nos três episódios seguintes acompanhamos os pais confusos e desesperados, as autoridades empenhadas e competentes, os professores, colegas e amigos na sua bolha de «caos» e a psicóloga que nos coloca quase «dentro de água», naquele que tem sido visto como um dos episódios de uma minissérie mais intensos dos últimos tempos.
Comovente, devastadora, desconcertante, brilhante, perfeita, implacável, arrebatadora… A crítica tem sido unânime. Adolescência – a nova produção da Netflix que estreou no dia 13 de março e já foi vista por mais de 25 milhões de pessoas em todo o mundo – não prometeu nada, mas entregou tudo. Talvez por ser um drama tão silenciosamente arrasador que nos suga para dentro da história como se fossemos nós a estar ali, engolindo em seco, interrogando o nosso papel enquanto familiares, a atenção que devemos dar uns aos outros, o estado de alerta em que devemos estar numa altura em que as nossas crianças/jovens crescem e vivem «dentro de um ecrã».
Masculinidade tóxica
Stephen Graham, que interpreta o papel de pai de Jamie, Eddie Miller, é também o argumentista da série e escreveu-a com Jack Thorne. A inspiração para escrever a história surgiu depois de ver duas reportagens diferentes sobre rapazes que mataram meninas à facada. Mas foi a história de Axel Rudakbana – que matou três raparigas numa discoteca de Southport, uma cidade costeira do Reino Unido – que mais lhe ficou na cabeça. «Lembro-me de pensar: ‘O que está a acontecer? O que está a acontecer com a sociedade para isto estar a acontecer? Não é uma coisa de uma vez. É chocante. E é angustiante para nós como nação e como sociedade», explicou ao Los Angeles Times.
Ao Tudum, site da Netflix, a equipa de Adolescência revelou que sempre quis que os espetadores soubessem quem matou Katie. «Queríamos dar ao público certeza para depois questionar: ‘E agora? Como é que isto vai evoluir?’», explicou Jack Thorne. «Contar uma história com um ‘porquê?’ em vez de um ‘quem foi?’ permite-nos explorar outras questões. Questões como: ‘O que se passa com os nossos rapazes adolescentes?’ Phil, Stephen e eu analisámos a masculinidade – refletindo sobre nós próprios como homens, os tipos de pais, companheiros e amigos que somos, e questionando com intensidade quem somos como pessoas», detalhou.
A produção da plataforma de streaming destaca a cultura «incel» (celibato involuntário) de homens que se sentem pouco atraentes para o sexo oposto e nutrem ódio por mulheres e de que forma isso é discutido e alimentado nas redes sociais. Ou seja, uma revolta pela rejeição. Jamie sofre bullying na escola e online. Antes de cometer o crime, a própria Katie o chama de «incel». Além disso, são desvendados muitos dos significados dos emojis que os jovens do Reino Unido utilizam nas suas conversas.
Sem cortes
No formato minissérie, Adolescência tem apenas quatro episódios de 50 a 60 minutos – cada um filmando num único plano-sequência (ou seja, sem cortes). E talvez seja por isso que está a ser considerada uma experiência verdadeiramente imersiva. Esta técnica é utilizada geralmente para acompanhar a personagem a partir de uma única perspetiva e ao longo de toda uma ação. «É muito mais complicado do que parece. São precisos meses de preparação e semanas de ensaios e uma equipa incrível de pessoas para o conseguir fazer em todas as fases, desde o guião aos locais e ao design de produção, até onde exatamente a câmara vai poder filmar e de que ângulo», partilhou com a Netflix o realizador Philip Barantini.
Para se ter uma noção dos takes, no primeiro episódio, tal como acima referido, os policias arrombam a porta da casa da família Miller. Para se conseguir o plano sequência, foram necessárias 12 portas para derrubar durante os ensaios e gravações. Noutra das cenas, foi necessário um drone para ir de um cenário ao outro sem fazer cortes.
O ator prodígio
Outro dos aspetos mais surpreendentes da série foi a escolha do seu protagonista, Owen Cooper, que, até à estreia na Netflix, era um completo desconhecido. Para Stephen Graham, o jovem de 15 anos – filho de uma cuidadora e de um informático –, será o próximo Robert DeNiro. Tudo o que aprendeu deve-se ao grupo de teatro, The Drama Mob, em Manchester, criado pela atriz Tina O’Brien, do qual fez parte. Até então, nunca tinha participado numa série ou filme.
À Vogue, Cooper alertou para a forma como utilizamos os telemóveis, especialmente os jovens. «Algumas crianças recebem telefones com apenas sete anos de idade. Acho que ganhei o meu primeiro aos 11 ou 12 anos. É no ensino médio que esse vício aparece, porque o temos constantemente no bolso», afirmou. «O meu conselho para os pais é: ‘Não podem ficar de olho nos filhos o tempo todo. Por isso, não os deixem ter redes sociais até que sejam mais velhos ou então sigam as restrições de idade recomendadas para terem acesso ao que estão a ver. Coisas más acontecem. Claramente estão a acontecer por toda a Inglaterra», rematou.
Dessa maneira, não correm o risco de sentir aquilo que os pais de Jamie sentem durante toda a série: «Onde é que nós falhámos?», interrogam no último episódio.