Rotinas

Tanta gente que vai uma vida inteira de férias para o mesmo local, para a mesma praia, que, ano após ano, frequenta os mesmos restaurantes, que toma todos os dias o mesmo pequeno-almoço… Eu adoro variar.

Querida avó,

O inverno despediu-se com uma grande depressão com o nome “Martinho”. Felizmente, este fim de semana mudou a hora. Detesto o horário de inverno.

Há dias para tudo. Ainda recentemente ouvi falar do “Dia Mundial da Rotina” e que as rotinas nos proporcionam estabilidade e ajudam a reduzir a ocorrência de imprevistos que nos podem criar muito stress e ansiedade. Por conseguinte, devemos ter consciência que o nosso corpo e o nosso cérebro necessitam de se adaptar às diferentes dinâmicas quer de produtividade quer de descanso.

Ao contrário de ti, que adoras rotinas, se há coisa que me desagrada são coisas rotineiras.

Confesso que todos os dias vou ao mesmo ginásio, mas por uma questão de proximidade. Uso sempre o mesmo cacifo, no entanto, não tenho explicação científica para tal. 

Tanta gente que vai uma vida inteira de férias para o mesmo local, para a mesma praia, que, ano após ano, frequenta os mesmos restaurantes, que toma todos os dias o mesmo pequeno-almoço… Eu adoro variar.

É um facto que todas as sextas-feiras vou ao pão. Mas não compro sempre o mesmo pão.

Hoje chego ao prédio e encontro a D. Lurdes na sua rotina de manter a entrada do prédio limpa.

«Então, o menino foi ao pão?»

«É verdade D. Lurdes. Hoje existem inúmeras variedades de pão à escolha. Integral, de centeio, de trigo, de milho, de Alcobaça, broa de Avintes, alentejano, com passas, sem glúten…»

Elisabete Ferreira, de Bragança, foi eleita Melhor Padeira do Mundo (e o júri nem sequer provou o seu pão). A organização do prémio focou-se na valorização, sustentabilidade e processo do pão da padaria que avaliam.

A D. Lurdes ignora a minha conversa, continua a sua rotina de limpeza e diz:

«Também gosto muito de pão. Existe um que gosto muito mais do que esses que referiu, o pão Paulo Pires. Mas nesse dificilmente irei meter o dente»

Não te esqueças de acertar os relógios e manteres as tuas rotinas.

Bjs

Querido neto,

Não me fales de depressões e tempestades.         

A depressão “Martinho” foi tão forte que até “me voaram as telecomunicações”. Estive dias sem internet, televisão e afins. Isto sim, uma grande depressão.

Sabes que sou de cumprir rotinas à risca. Todos os dias vou para a mesma esplanada (faça chuva ou sol), almoço sempre nos mesmos restaurantes…

Às vezes, quando estou de manhã na esplanada da praia do Sul da Ericeira, aparecem amigos que normalmente me dizem, «quem me dera ser como tu, estar aqui sem fazer nada!»

E, na verdade, aparentemente eu estou ali, a olhar para o mar, sem fazer nada. Mas, quando chego a casa, abro o computador (não gosto de levar o computador para a praia) e é só escrever o que, durante a manhã fui “escrevendo” na cabeça. Porque não fazer nada dá sempre imenso trabalho! Basta pensar em Newton, tão descansadinho, quase a dormir à sombra de uma árvore e, de repente, cai-lhe uma maçã na cabeça e ele descobre a lei da gravidade!

Mas eu prefiro a palavra “ócio” em vez da palavra “preguiça”.

Passo a explicar.

Quando eu era miúda, a tia com quem eu vivia (e que sempre me infernizou a vida) tinha uma amiga que ia muito lá a casa – a D. Inocência, nunca me esqueci do seu nome – que de vez em quando lhe levava um livro e dizia sempre:

«É para as suas horinhas de ócio».

Ela agarrava-se ao livro e, enquanto o lia, não me ligava nenhuma e eu podia fazer o que eu quisesse sem ela me ralhar. Era uma felicidade!

Por isso, desde então a palavra “ócio” ficou ligada a esses momentos de intensa felicidade e liberdade da minha infância, em que eu me fartava de “trabalhar”, a ler livros e a imaginar outras histórias, depois de os ler.

É por isso que a palavra preguiça, para mim, não tem o mesmo significado que, (quase) toda a gente lhe dá.

A D. Lurdes tem muito bom gosto. Eu, que sou de rotinas, fico-me pelo pão de Mafra.

Vê se crias rotinas.

Bjs