Os aldrabões sempre existiram. Independentemente de se acreditar no otimismo ou no pessimismo da natureza humana, é a realidade. Na Sagrada Escritura ou na atualidade, passando pelo Iluminismo, os charlatões foram uma constante ao longos dos tempos, mas o que antes era uma profissão restrita e obscura, agora, em virtude do novo mundo tecnológico e globalizado, foi massificada.

Neste (já não tão) novo mundo em que vivemos, no qual a revolução tecnológica permite o imediato acesso à informação em praticamente todos os cantos do globo, a exposição da população aos charlatões nunca foi superior. Com isto, poderá florescer o sentimento de que a abrangente disseminação de inverdades, facilitada pelas chamadas praças públicas virtuais que hoje moldam uma boa parte da opinião pública, é um fruto que nasce da árvore da globalização. E parece inegável constatar o aumento de todo o tipo de falcatruas que pretendem burlar os indivíduos mais ingénuos. Dada a sofisticação das malfeitorias, até o mais esclarecido dos mortais não está isento de cair na armadilha. Do phishing às burlas através do MB Way, passando pelo “Olá pai/Olá mãe”, a profissão de vigarista logrou a massificação.

Mas mais que um fenómeno conjuntural, os charlatões são uma realidade histórica, uma das formas, como escrevia Thomas Hobbes, “de guerra de todos contra todos” inerente à natureza humana, ou então, de acordo com o otimismo antropológico de Jean-Jacques Rousseau, um resultado da corrupção do Homem, naturalmente bom, pela sociedade. Mesmo assim, os impostores também não são filhos da modernidade. Na Grécia Antiga – através da comédia e da própria filosofia – e até na Bíblia são inúmeras as referências a intrujões. Falemos então dos mais famosos charlatões desde a Antiguidade até aos tempos modernos.

Os vendilhões do templo

“Estava próxima a Páscoa dos judeus e Jesus subiu a Jerusalém. No Templo, encontrou os vendedores de bois, ovelhas e pombas e os cambistas que estavam aí sentados. Fez então um chicote de cordas e expulsou todos do Templo, junto com as ovelhas e os bois; espalhou as moedas e derrubou as mesas dos cambistas. E disse aos que vendiam pombas: “Tirai isso daqui! Não façais da casa de meu Pai uma casa de comércio!””, lê-se no Evangelho de João 2, 13-25, sendo que nos evangelhos sinóticos Jesus Cristo vai ainda mais longe: “Vós fizestes dela um covil de ladrões”.

“Mas por que se vendiam animais justamente no Templo?”, pergunta o Padre Paulo Ricardo, sacerdote brasileiro. “Porque iam a Jerusalém pessoas de todas as partes para oferecer sacrifícios no Templo. Ora, em vez de viajar carregando um novilho às costas, era mais fácil pôr dinheiro na bolsa e comprar a vítima no lugar. Havia, porém, uma questão de lucro, o que tornava a situação bem mais delicada”.

Com esta passagem da Bíblia fica comprovado que a referência aos aldrabões, bem como a repulsa de Cristo e dos cristãos aos mesmos, não é, de todo, nova.

O obscuro na era das luzes

Viajando no tempo até à modernidade, mais precisamente até ao século XVIII, encontramos dois dos charlatões mais famosos e que ainda hoje alimentam narrativas e teorias do imaginário. São eles o Conde de Saint Germain e o Conde Alessandro de Cagliostro.

O primeiro foi um aventureiro que privou com a alta sociedade em várias geografias, mas a sua identidade está, ainda hoje, envolta em mistério. “No outro dia prenderam um homem estranho, que dá pelo nome de Conde St. Germain. Está aqui há dois anos e não diz quem é, nem de onde vem, mas afirma (…) que não usa o seu nome correto”, escrevia, em 1745, o romancista inglês Horace Walpole, depois da detenção de Saint Germain, suspeito de ser um espião estrangeiro numa altura em que as autoridades britânicas tentavam, a todo o custo, suprimir a rebelião Jacobita. Constava que era um indivíduo altamente cultivado, fluente em vários idiomas e, sobretudo, um grande charlatão, uma vez que garantia ter encontrado o elixir da imortalidade, contando histórias sobre grandes acontecimentos do passado como se os tivesse testemunhado in loco.

Também de Cagliostro gozava de boa fama junto das elites, principalmente na parisiense nos anos que antecederam a Revolução Francesa. E tal como o Conde de Saint Germain, de Cagliostro, “passou a viajar por todas as grandes cidades europeias, vendendo elixires da juventude e pós do amor e fazendo-se passar por alquimista, adivinho, e curandeiro milagroso. Em 1785, as suas sessões espíritas tornaram-se o furor da sociedade da moda em Paris”, conta a enciclopédia Britannica. O charlatão nascido em Palermo esteve implicado no Caso do colar de diamantes – um plano para roubar um colar que tinha como destinatário a Madame du Barry, amante do Rei Luís XVI – e, por isso, passou nove meses na icónica Bastilha. “Em 1789 foi preso em Roma, depois de a sua mulher o ter denunciado à Inquisição como herege, mágico, conjurador e maçon”, conta ainda a Britannica, e “foi julgado e condenado à morte, mas a sua pena foi posteriormente reduzida para prisão perpétua na fortaleza de São Leão, nos Apeninos, onde morreu”.

Alessandro de Cagliostro serviu ainda de inspiração para um romance histórico de Alexandre Dumas, intitulado Balsamo, The Magician; Or, The Memoirs Of A Physician.

Os esquemas de Ponzi

Sensivelmente um século depois da morte dos dois anteriores charlatões, em 1882, nasce em Lugo, na Itália, Carlo Pietro Ponzi. São poucos os que não reconhecem o nome deste último, associando-o automaticamente a um dos esquemas de burla financeira mais famosos da história recente que carrega o seu apelido.

Segundo a sua autobiografia The Rise of Mr. Ponzi, Charles Ponzi, como ficara conhecido na América, para onde emigrou, trabalhou num banco italiano em Montreal, no Canadá, foi detido com 26 anos por ter, alegadamente, falsificado cheques. Paulo M. Morais, numa análise à autobiografia em questão publicada no website Doutor Finanças, escreve que Ponzi garante que a denúncia, feita por um amigo, se devera ao combate entre os dois pela filha de Louis Zarossi, dono do banco falido para o qual trabalhou.

“Na penitenciária de St. Vincent”, escreve ainda Paulo Morais, “Ponzi sentiu que deixara de ser um cidadão para ser um número de prisioneiro. O fura-vidas, porém, fez-se útil, acumulando postos escriturários, ascendendo nas hierarquias internas, até alcançar o perdão antecipado, atribuído por bom comportamento. Em liberdade, algumas fontes referem que passou a dedicar-se a atravessar imigrantes ilegalmente para os Estados Unidos. Um dia, apanharam-no”.

Mas foi quando se dedicou ao ramo dos empréstimos que Charles Ponzi criou um esquema que já provocou vários escândalos mundiais, tendo sido o de Bernie Madoff, em 2008, um dos mais evidentes e mediáticos. O sistema do italiano consistia, de forma resumida, no pagamento de juros avultados (50%) aos investidores num prazo de poucos meses, garantindo-lhes que o investimento seria em “cupões de correio internacional”, como diz o website Investor.gov – um ramo da U.S. Securities and Exchange Comission. “Os organizadores de esquemas Ponzi prometem muitas vezes retornos elevados com pouco ou nenhum risco”, alerta ainda a comissão americana, “Em vez disso, utilizam o dinheiro dos novos investidores para pagar aos investidores anteriores e podem roubar algum do dinheiro para si próprios. Com poucas ou nenhumas receitas legítimas, os esquemas Ponzi necessitam de um fluxo constante de dinheiro novo para sobreviver”.

Muitos outros charlatões foram enganando multidões e elites ao longo dos tempos, mas estes quatro casos demonstram que, mais que uma “profissão circunstancial”, é uma “profissão” histórica que, dificilmente, deixará de existir.