Bloco Central

Nada como revisitar a história para destruir tabus. Soares e Mota Pinto foram determinantes para sermos hoje um país europeu

Em cinquenta anos só por uma vez os dois partidos que alternam no governo se uniram para conduzir os destinos do país. Foi em 1983 que Mário Soares, Secretário-Geral do Partido Socialista e Carlos Mota Pinto, líder do PSD. Os socialistas tinham ganho as eleições com 36% dos votos contra a AD que tinha governado até então com maioria absoluta. Soares não quis formar um governo minoritário e colocou a questão ao partido, pedindo que a discussão decorresse ‘sem sectarismos nem tabus ideológicos’.

Na altura, socialistas e sociais-democratas negociaram durante cinco semanas os termos de um entendimento de governo. O Bloco Central deixou os extremos de então, PCP e CDS, de cabelos em pé. O governo durou dois anos e meio, conduziu Portugal à entrada em pleno na então CEE e, longe das opiniões mais acaloradas da altura, muitos consideram que foi um dos melhores governos do pós-25 de Abril. Depois da experiência o PSD ganhou as eleições seguintes e passado pouco tempo foi o primeiro partido a conseguir uma maioria absoluta que viria a repetir mais duas vezes.

Passados trinta anos e com um cenário político pulverizado como nunca, muitas vozes voltam a falar de entendimentos entre os dois partidos do centro. Todos fogem de utilizar o nome da coligação da época. A sigla Bloco Central queima, mas se olharmos para os factos do passado ‘sem sectarismos nem tabus ideológicos’, como pediu Mário Soares, percebemos facilmente que aquela foi uma experiência determinante para a consolidação da nossa democracia. Constatamos também, ao contrário da ideia que é constantemente apregoada a propósito de entendimentos entre PS e PSD, que o Bloco Central não só não enfraqueceu os partidos do centro em favor dos extremos, como os fortaleceu.

Mas como uma falsidade muitas vezes repetida se torna verdade, o Bloco Central ganhou lepra e a sua simples menção arrepia os pelos de socialistas e sociais-democratas. Apesar dos factos, também eu me arrepio com a ideia e sem dúvida preferia ver o PSD coligado com a Iniciativa Liberal no governo depois das eleições de 18 de maio. Como tenho melhores recordações do governo da AD de Sá Carneiro e Freitas do Amaral, do que do Bloco Central de Soares e Mota Pinto. Mas foi com o Bloco Central que entrámos na comunidade europeia e foi com um entendimento entre Guterres e Marcelo Rebelo de Sousa que aderimos ao euro. Só por isso devíamos concluir que, ao contrário do que proclama André Ventura, não foram 50 anos de corrupção e compadrio, sobretudo quando PS e PSD se deixaram de tabus e se entenderam a bem do país.

Os tempos não estão para birras. O último governo não chegou a durar um ano e se as eleições trouxerem um resultado semelhante ao de 2024, não é aceitável que num tempo de incerteza como o que estamos a viver os dois partidos do centro continuem a viver de costas voltadas. Se olharmos para o que acontece em muitos dos países nossos parceiros europeus, por sinal os mais desenvolvidos, verificamos que quando não há alternativas razoáveis, os partidos do centro comprometem-se na governação. Aconteceu e está para acontecer na Alemanha e não foi por isso que CDU ou SPD se diluíram, ou desapareceram, ou engrandeceram os extremos.

Se não for assim, PS ou PSD acabarão por cair em poucos meses. Ou o PSD entrega-se nas mãos do Chega com um líder que não foi a votos e com uma legitimidade diminuída.