Diz-se que os jovens de hoje têm mais soberba do que os de outras gerações. Ao princípio, quando ouvia ou lia isso, eu duvidava e pensava: ‘Caramba, a soberba na juventude é intrínseca, faz parte. Qual é o jovem que não sabe tudo, e que não ‘mata’ os pais, e que não vai – agora sim – mudar o mundo? Ser jovem e estar cheio de certezas é tão natural quanto estar cheio de vitalidade.’ Mas, depois, pus-me a matutar no assunto, e a observar melhor, e é capaz de ser verdade que o tempo hoje seja de molde a que a soberba juvenil seja um bocadito maior. E as razões são várias. Uma, creio eu, prende-se com as alterações nos modelos de educação. A educação ideologicamente evoluiu no sentido de esbater a relação vertical de aprendizagem e de erodir a autoridade, ao mesmo tempo que se valoriza – porventura em demasia – o papel do aprendiz e as suas experiências. E isto gera húbris, não pode deixar de gerar. Por outro lado, os tempos são caracterizados por uma coisa que nunca se viu, que é serem, em parte, ‘educados’ por outros jovens. Ou seja, ouvem, leem, veem, nas redes, nos podcasts, nos youtubes, mesmo na comunicação social tradicional, jovens como eles, jovens que têm voz, que influenciam, que têm canais ou palcos, que são modelos. No passado, os educadores eram sempre mais velhos, até a literatura infantil e juvenil era escrita por adultos. Hoje, o domínio da educação, da formação e da influência deixou de pertencer em exclusivo aos pais, aos avós, aos professores. Os amigos já não são só os cúmplices do crescimento e da clandestinidade, os camaradas dos sonhos, os iguais, outros como eu; são voz autorizada e escutada, são verdadeiros influenciadores, são protagonistas. Ora, isso dá húbris, só pode dar.
De outro passo, a sociedade, com o seu culto da eterna juventude, adolescentizou-se. A juventude não é já um tempo de passagem, é um tempo de ser, de ser inteiro. E é – é muito – um horizonte de nostalgia para os mais velhos, é um modelo, é uma torturante aspiração. E isso inculca uma forte sensação de certeza e de força em quem está nesse tempo. Depois queixem-se da soberba juvenil, quando afinal é juvenil que todos queriam continuar a ser, e alguns até mimetizam ser. E, ao mesmo tempo, esta parte da população, ao passar a ter voz, a ter poder de compra e a ser socialmente relevante, tornou-se, não só um ator social, mas um público, a que é preciso agradar, ou pelo menos não desagradar, para quem se fala e que se escuta, e ao qual também se vende, se pede, às vezes até se idolatra. Quem é que, há 40 ou 30 anos, queria saber das minhas certezas e verdades juvenis, quem me dava palco, quem namorava os meus gostos, quem abanava reverente a cabeça e sorria prazenteiro perante a minha visão do mundo? Mais uma razão, uma causa das coisas. E há mais.
Por exemplo, poder bloquear alguém. Já viram maior poder? Qualquer jovem hoje não gosta, não quer, vai ao botão e bloqueia, e a pessoa desaparece. Desaparece da realidade virtual na qual se passa grande parte da vida atualmente. E cancelar? Não gosto, não curto, cancelo, e ainda faço, talvez, um grupo para cancelar em coletivo. Que poder! Eu, coitado, pobre de espírito e sem ferramentas e defesas digitais, lá nos analógicos anos oitenta do século passado, se não queria que alguém me falasse não dava para bloquear, porque no cara a cara isso não dá, e mesmo no telefone de disco não era fácil, a não ser com uma sapatada no auscultador ou arrancando o fio da parede. Quando muito, no cara a cara (não havia cá realidades virtuais), virava-se as costas, tapava-se os ouvidos, mas mesmo assim ainda se ouvia qualquer coisa. E ainda me arriscava – que horror – a apanhar uma palmada da minha avó. Apanhei uma ou outra, e devo estar, de certeza, todo traumatizado, todo estraçalhado por dentro. É certinho. Parafraseando o doutor Freud, devo estar é com inveja da juventude.
Advogado