O naufrágio dos media

Aquilo que está a suceder nos EUA, designadamente o rocambolesco caso Signal, confirma a deriva populista que tem vindo a capturar as democracias liberais.

Sei que o leitor sentirá muito a falta de jornais se, porventura, deixarem de existir. E é inegável que os media tradicionais, e a imprensa em particular, atravessam hoje uma crise existencial sem precedentes, que resulta de três fatores concomitantes: a obsolescência do modelo de negócio ancorado na publicidade, que não consegue resistir à concorrência das plataformas digitais; as transformações tecnológicas que fizeram das redes sociais uma nova fonte de informação, principalmente para os públicos mais jovens; e a degradação da democracia liberal.
Este último fator assume, aliás, todas as características de um círculo vicioso. Porque, não havendo uma democracia plena, a comunicação social não tem condições de pluralismo e liberdade informativa; mas sem o escrutínio da comunicação social livre e plural, a democracia não é transparente nem saudável.
Aquilo que está a suceder nos EUA, designadamente o rocambolesco caso Signal, confirma a deriva populista que tem vindo a capturar as democracias liberais. E os populistas, sejam eles de direita ou de esquerda, nunca deixaram de exercer pressões políticas sobre a comunicação social, restringindo a sua liberdade sempre e quando ela não lhes é conveniente. Ou seja, chegados ao poder, muitas vezes com a ajuda da comunicação social mais sensacionalista, os populistas não hesitam em condicionar a liberdade e limitar o escrutínio dos media, procurando transformá-los num veículo de propaganda.
Assim sendo, as democracias que ainda são liberais não podem deixar de apoiar a imprensa livre, tudo fazendo para garantir a sua subsistência. A qualidade da informação é um antídoto contra as fake news que pululam nas novas plataformas e, neste sentido, favorece uma cidadania mais resiliente e atenta. Trata-se, pois, de um bem público que urge preservar.
Por tudo isto, aplaudo o facto de o Governo ter reforçado a sua posição na Lusa, que é uma fonte independente de notícias. Também saúdo a medida que garante o acesso gratuito de jornais aos jovens, bem como o Plano Nacional de Literacia Mediática, que fomenta o consumo responsável e informado de conteúdos mediáticos. Defendo, contudo, que é preciso ir mais longe e encontrar formas de financiamento público que garantam a sustentabilidade financeira dos media tradicionais.
Bem sei que há, até na classe jornalística, quem tema que tais apoios possam condicionar a liberdade da imprensa. As críticas aos apoios dados ao setor pelo Governo Regional dos Açores demonstram que esse receio existe, mas é de certa forma atávico. Desde logo, porque a resiliência da classe jornalística não deixaria de obstar e denunciar eventuais pressões indevidas.
Muito mais perigosa é a decadência financeira. Se não houver um reequilíbrio financeiro através do Estado, a comunicação social que nos resta pode ficar sob a alçada de falsos mecenas. É um risco o controlo dos media por grupos económicos que investem não com o propósito de fazer negócio e gerar lucros, mas sim tendo em vista a instrumentalização da comunicação social, seja para obter benefícios reputacionais, seja por razões de poder e influência.
Este controlo por interesses económicos é mais perigoso do que a intervenção pública nos órgãos de informação. De resto, muitos países europeus, alguns com tradições bem mais liberais do que o nosso, têm optado por intervir nos media com apoios públicos – o que, aliás, se revela consensual nas respetivas sociedades e é visto como uma resposta legítima face ao problema.
Em suma, a magnitude dos problemas dos media e as suas consequências para a nossa democracia justificam uma ação determinada do Estado português, sendo este um assunto que não devia ficar esquecido na campanha eleitoral.