A nova atualização do ChatGPT traz a possibilidade de se transformar qualquer imagem ao estilo do Studio Ghibli em segundos. Do comum mortal à Casa Branca, foram muitos os que não quiseram ficar de fora da nova trend. Mas fala-se em problemas de direitos de autor ou mesmo da segurança de privacidade. A LUZ foi perceber os riscos.
Impossível ter redes sociais e ainda não se ter apercebido das novas imagens virais que estão ao alcance de qualquer um. Basta usar o Chat GPT e pedir-lhe que a inteligência artificial crie imagens de pessoas ou de memes seguindo o estilo das animações japonesas feitas pelo Studio Ghibli. Tudo o resto é muito simples: aceder ao modelo mais avançado do ChatGPT, selecionar a opção para gerar imagem e enviar um comando de texto a pedir que o chatbot gere um desenho sobre determinada pessoa ou assunto . E é também possível enviar uma foto real e pedir que a inteligência artificial a transforme em animação. Trata-se da nova funcionalidade, intitulada GPT-4o.
Rapidamente as redes sociais foram inundadas por estas imagens. Influenciadores, famosos, atores, jogadores de futebol e até políticos aderiram à moda. Em pouco tempo, tudo isto se tornou viral.
Por cá, o destaque vai para Pedro Nuno Santos, líder do PS. «Animação? Não me falta», escreveu, com um desenho de si próprio ao estilo Ghibli. E o partido Iniciativa Liberal aproveitou a onda. Com desenhos de políticos como António Costa ou Pedro Nuno Santos, escreveu: «Não há dúvida nenhuma que as governações do PS são sempre grandes animações».
Ainda dentro da política mas além fronteiras, a Casa Branca dos EUA entrou no jogo para falar sobre imigração, por exemplo.
O fabricante do ChatGPT, a OpenAI, tem encorajado os utilizadores a seguirem esta tendência. Até o seu diretor executivo, Sam Altman, alterou a foto do seu perfil na plataforma X com um retrato ao estilo Ghibli. A febre foi tanta que o ChatGPT conseguiu atrair mais de um milhão de utilizadores em apenas uma hora.
Problemas de direitos de autor?
A utilização destas imagens está a causar alguma polémica, tendo em conta a sua semelhança com os filmes do estúdio de animação japonesa Studio Ghibli, por trás de obras como A Viagem de Chihiro, O Castelo Andante ou O Meu Vizinho Totoro. Cofundador do Studio Ghibli, o japonês Hayao Miyazaki já foi muito crítico em relação ao uso da inteligência artificial no desenho animado e vê agora os seu estilo de desenho ser partilhado por meio mundo em segundos. «Nunca teria a ideia de integrar esta tecnologia no meu trabalho. Sinceramente, acho que é um insulto à própria vida», chegou a dizer num documentário da televisão pública japonesa NHK.
E fala-se, agora, que esta utilização do seu estilo possa trazer problemas de direitos de autor. Mas será mesmo assim? À LUZ, Lídia Neves, Of Counsel responsável pela área de propriedade intelectual da Antas da Cunha Ecija, dá um detalhe interessante: «Questionado o ChatGPT se há lugar a infração de direito de autor pelo uso de imagens, pelo mesmo, ao estilo do Studio Ghibli, este responde: ‘Depende de vários fatores. O estilo visual do Studio Ghibli é característico, mas um estilo artístico, por si só, não é protegido por direito de autor. O que está protegido são obras específicas, personagens, cenários e elementos diretamente criados pelo estúdio’».
E atira: «Bem, se ‘defendeu’ o ChatGPT é porque a resposta está correta», acrescentando que «a lei protege as criações intelectuais na forma como são exteriorizadas, considerando-as obras passíveis de proteção». No entanto, adianta Lídia Neves, «a proteção recai sobre a obra em si e não sobre o estilo artístico». Assim, «o grafismo característico do Studio Ghibli, por mais reconhecível que seja, não é protegido por direito de autor enquanto conceito, mas sim as obras específicas criadas dentro desse estilo».
Nesse sentido, diz ainda a advogada, «a utilização da inteligência artificial para gerar imagens inspiradas no estilo do Studio Ghibli não configura, à partida, uma violação de direito de autor».
Mas alerta que a questão torna-se mais complexa se a imagem gerada se assemelhar demasiado a uma cena ou personagem específica criada pelo estúdio. «Nesta situação, há a possibilidade de se argumentar no sentido de que há imitação. Contudo, se apenas for evocado o estilo, sem uma reprodução direta, a utilização poderá ser considerada legítima».
Lídia Neves refere que este é um debate que se estende para diversas áreas da arte e do design, «onde o uso da IA tem levantado questões sobre originalidade e autoria. É que, para além das implicações legais, há também um problema ético: ao permitir que a IA reproduza estilos artísticos, retira-se parte da necessidade do trabalho de ilustradores, animadores e artistas que dedicam anos ao aperfeiçoamento da sua arte», adiantando que muitos estúdios e criadores «têm manifestado oposição à utilização de IA para replicar estilos sem autorização, argumentando que isso desvaloriza o processo criativo humano». E alerta que a questão não se esgota aqui. «A ascensão da IA na criação artística levanta desafios que a legislação ainda não acompanha. O equilíbrio entre inovação tecnológica e a proteção dos direitos dos artistas é um debate em aberto, que certamente levará a futuras adaptações legais para responder às novas tendências da era digital».
Já Cláudia Tomás Pedro, advogada de Propriedade Industrial e Intelectual da Gómez-Acebo & Pombo, adianta à LUZ que as imagens virais que surgem da utilização do ChatGPT «para obter imagens que adotam um estilo do Studio Ghibli através de utilização de prompts suscitam questões em matéria de direito de autor que já foram levantadas noutras ocasiões e que continuam na ordem do dia», acrescentando que «surgem questões quanto à utilização de obras como input para treino de inteligência artificial e a legitimidade da utilização de tais obras de terceiros e ainda quanto ao output». A advogada adianta também que importa «sempre discutir se o Studio Ghibli teria fundamento legal para se opor, ao abrigo das normas legais aplicáveis, incluindo normas de proteção e exceções e limitações legalmente previstas».
E a segurança?
Tendo em conta que se usa a inteligência artificial para este género de aplicações, coloca-se também em causa a segurança de quem utiliza, principalmente a nível de proteção de dados. À LUZ, Luís Lobo e Silva, da Focus2Comply, diz que o uso deste género de aplicações é «mais ou menos a mesma coisa de quando publicamos fotografias nas redes sociais», uma vez que «em termos de segurança de dados ou cautelas a ter, não é nada que já não exista com a publicação de imagens nossas nas redes sociais». «A partir do momento em que publicamos uma fotografia, mesmo que seja criada por inteligência artificial mas que somos nós a publicar, aplica-se a regra parecida com a proteção de dados que é o consentimento. Se for, obviamente, uma imagem que a pessoa não deu autorização, aí sim, mas já não é uma matéria de segurança propriamente dita», explica.
No entanto, parece que a OpenAI pode estar a usar estes dados para aprimorar o seu modelo. «Aí, obviamente que poderá haver um aproveitamento que extrapola aquilo que é suposto ser uma funcionalidade para brincar ou para criar avatares», diz Luís Lobo e Silva que defende, no entanto, que «do ponto de vista da segurança de dados, a única coisa que a pessoa tem que acautelar, à semelhança da utilização de outro serviço qualquer, é o tipo de dados que introduz nessa ferramenta ou na aplicação que esteja relacionado com dados sensíveis dessa própria pessoa».