“Alguns na Europa podem estar frustrados com Bruxelas. Mas sejamos claros – se não for Bruxelas, então será Moscovo. A escolha é vossa. Isto é geopolítica. Isto é história”, foi assim que Volodymyr Zelenskyy, a 15 de fevereiro de 2025, na Conferência de Munique se dirigiu aos altos dignatários das nações ocidentais ali presentes. Esta afirmação reforça a importância da escolha estratégica que os países europeus, no momento que vivemos, têm de fazer: permanecer fiéis ao projeto europeu e à cooperação transatlântica ou abrir espaço para o expansionismo russo, que historicamente tem procurado enfraquecer e dividir a Europa. Este apelo à responsabilidade dos líderes ocidentais para que compreendam que a defesa da Ucrânia é também a defesa da própria Europa contra ameaças externas é um alerta claro para que os países da União Europeia (EU) e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO).
A Europa enfrenta uma ameaça crescente da Rússia, com avaliações indicando que um ataque russo a um país da UE pode ocorrer dentro de três a dez anos, possivelmente acelerado pelos exercícios militares Zapad de 2025. O principal foco da UE deve ser continuar a apoiar a Ucrânia, que atualmente serve como uma força de dissuasão crucial contra a Rússia. Caso a Ucrânia rejeite um possível acordo de paz com a Rússia, a Europa terá de aumentar rapidamente o apoio militar, o que incluiria um reforço das capacidades militares europeias para compensar a falta de unidades blindadas e mecanizadas dos EUA. A UE enfrenta um dilema entre aumentar significativamente suas tropas para um total de 300.000 ou melhorar a coordenação militar entre seus exércitos nacionais fragmentados. A falta de comando unificado torna o esforço de defesa europeu menos eficaz, e a coordenação insuficiente pode resultar em custos mais elevados e na ineficácia das ações militares. Para ter uma dissuasão credível, a Europa precisará de grandes capacidades militares, incluindo carros de combate, veículos de combate de infantaria e artilharia, aviões de combate, navios, além de drones e sistemas de comunicação. Isso exigiria um aumento substancial no gasto militar europeu, com uma previsão de aumento de 250 bilhões de euros anuais para 3,5% do PIB da UE. A produção militar precisará ser acelerada, e uma maior colaboração europeia na aquisição de equipamento pode reduzir custos. A Europa também terá de financiar essas despesas através de dívida no curto prazo, com uma gradual responsabilidade nacional crescente no financiamento da defesa. Em resumo, a Europa precisa fortalecer sua capacidade de defesa de forma significativa, com um investimento maior em tropas, equipamento militar e coordenação, para ser capaz de responder a uma ameaça russa crescente.
Aqui chegados, Portugal não ficará alheio a este desafio e a primeira questão que se coloca é a de saber se esta discussão vai estar presente na campanha. A Defesa Nacional é um pilar essencial para a soberania e segurança de Portugal, assegurando a proteção do território e dos cidadãos, bem como a afirmação dos valores democráticos no cenário internacional, mas, no entanto, tem sido notório o escasso destaque dado a esta temática nas campanhas eleitorais recentes, uma omissão que merece ser corrigida na próxima campanha. Nas últimas legislativas, os programas dos partidos podiam ser resumidos numa palavra, desinteresse, e para além da boa vontade dos principais partidos de quererem valorizar as Forças Armadas (FFAA) e investir na Defesa, o desconhecimento da matéria, a falta de noção e preparação das propostas constituíram o essencial da discussão. Sendo certo que a Aliança Democrática (AD) acabou por, graças à tutela de Nuno Melo, de melhorar o estado da arte nas Forças Armadas, as opções que o próximo governo tem que tomar são difíceis e obrigam a um investimento significativo e a uma mobilização da vontade dos portugueses para estas matérias. Seria importante para isso que os principais partidos se dispusessem a discutir a Defesa na campanha. Claro, que o ideal seria partir de uma base europeia de definição sobre qual a “repartição de forças” que nos caberá neste esforço coletivo, mas o Livro Branco da Defesa e o programa Rearmar a Europa (Readiness 2030) constituem já importantes “guidelines” para esta discussão.
Desde logo, a questão do “investimento na Defesa” que pesará no próximo Orçamento de Estado e quanto e como se realizará. Também aqui não sendo conhecida a nossa “taxa de esforço” e abstraindo da discussão sobre se deve ser realizado em função de % do PIB ou da capacitação operacional das FFAA que deveremos ter, o que implica profunda discussão sobre o Conceito Estratégico de Defesa Nacional (CEDN), no mínimo, os partidos deviam apresentar ao eleitorado as suas ideias sobre:
1. Reforço dos Efetivos Militares e Serviço Militar
A redução dos efetivos nas Forças Armadas tem comprometido a capacidade operacional e de resposta a crises. É imperativo que os partidos discutam estratégias para o recrutamento e retenção de militares qualificados. Além disso, deve ser debatida a possibilidade de reintroduzir o Serviço Militar Nacional ou modelo similar, considerando as suas implicações financeiras, sociais e estratégicas, bem como o seu potencial para promover a coesão social e preparar o país para eventuais ameaças externas.
2. Modernização dos Meios Militares e Indústria de Defesa Nacional
A adequação dos equipamentos militares às exigências contemporâneas é fundamental. Programas como a Lei de Programação Militar (LPM) devem ser avaliados e ajustados para garantir que as Forças Armadas disponham dos meios necessários para cumprir as suas missões. A modernização deve incluir a aquisição de tecnologia avançada e a manutenção eficaz dos equipamentos existentes, assegurando a prontidão operacional. É preciso ir além da LPM. A modernização deve incluir capacidade de ciberdefesa, drones, satélites, veículos blindados e capacidades navais, com parcerias estratégicas com países europeus e promoção da indústria nacional de Defesa, para garantir autonomia estratégica e gerar inovação tecnológica.
3. Política Nacional de Defesa e Alianças Internacionais
Num contexto geopolítico em constante mudança, é crucial definir claramente a posição de Portugal em relação às alianças internacionais, como a NATO. Os partidos devem debater o compromisso do país com estas organizações e a forma como a política de defesa nacional se alinha com os interesses estratégicos e de segurança coletiva. Portugal deve reafirmar os seus compromissos com a NATO e UE, mas precisa também de clarificar qual o seu contributo esperado. Devemos contribuir com forças de reação rápida? Capacidade naval no Atlântico? Apoio aéreo logístico? O debate sobre o CEDN está em falta e é urgente.
4. Valorização dos Militares e Condições Socioprofissionais
Reconhecer e valorizar o papel dos militares é essencial para manter a moral e a eficácia das Forças Armadas. As condições de trabalho, remuneração, progressão na carreira e apoio às famílias dos militares devem ser temas centrais na agenda política, garantindo que aqueles que dedicam a sua vida à defesa do país o fazem com o devido reconhecimento e suporte. A motivação das tropas exige mais do que discursos. É preciso garantir que servir as FFAA seja motivo de orgulho – e não de resignação.
5. Ciberdefesa e Segurança Híbrida
Num mundo onde a guerra já não é só no campo de batalha, mas também no ciberespaço e nas redes sociais, Portugal precisa de desenvolver uma estrutura nacional de ciberdefesa robusta, integrada com parceiros internacionais, e capaz de responder a ameaças híbridas e desinformação.
6. Educação para a Defesa e Cultura Estratégica
É imperativo cultivar uma cultura de Defesa na sociedade portuguesa. Isso passa por integrar a temática no sistema educativo, promover o debate público e aproximar os cidadãos das FFAA.
A inclusão da Defesa Nacional no debate político é vital para assegurar que Portugal está preparado para enfrentar os desafios de segurança atuais e futuros. Os partidos políticos têm a responsabilidade de apresentar propostas concretas e sustentáveis que reforcem a capacidade defensiva do país, promovam a estabilidade e contribuam para a paz e segurança internacionais. Negligenciar esta área é comprometer a soberania e o bem-estar dos cidadãos. Ignorar a Defesa Nacional é, hoje, um ato de irresponsabilidade política. As ameaças são reais, os riscos crescentes e o tempo escasso. Os partidos têm o dever de apresentar propostas concretas, ambiciosas, sustentáveis – e de envolver os cidadãos nesta discussão. Porque defender Portugal começa por prepará-lo. Será que vamos poder assistir a debates e a dispor de programas partidários sérios em matéria de Defesa? Esperem sentados!