O julgamento do ator Gérard Depardieu já começou e concentra-se nas acusações de uma cenógrafa 54 anos e uma assistente de realização de 34 anos, de agressão e assédio sexual, além de insultos sexistas, durante a rodagem do filme ‘Les Volets Verts’, de Jean Becker. Procuradoria francesa pede 18 meses de pena suspensa para o ator. O tribunal proferirá a sua sentença a 13 de maio.
As polémicas são muitas, a revolta é ainda maior. O tempo tem tirado o pano a inúmeros crimes alegadamente praticados pelo artista ao longo dos anos que têm chocado não só o universo da sétima arte, como todo o mundo, não fosse ele um dos mais conhecidos atores franceses deste século. Aquele que deu vida a uma das personagens mais icónicas e conhecidas da nossa infância, na saga Astérix & Obélix ou que participou em filmes como La Vie en Rose (2007), O Homem da Máscara de Ferro (1998) ou o épico do realizador italiano, Bernardo Bertolucci, Novecento (1976), já está a ser julgado em Paris por agressão sexual a duas mulheres em 2021, durante as filmagens do filme Les Volets Verts, de Jean Becker.
Segundo o Le Parisien, o Ministério Público francês pediu na quinta-feira uma pena suspensa de 18 meses, com um período purgatório alargado a três anos, para Gérard Depardieu. Além disso, os procuradores querem que o artista pague uma multa de 20 mil euros, indemnize as partes civis, submeta-se a tratamento psicológico e a ser registado no ficheiro de agressores sexuais. Foi ainda pedida uma inibição de direitos por dois anos.
O julgamento do ator de 76 anos começou na segunda-feira no Tribunal Penal de Paris. O jornal francês escreve que este pode ser condenado até cinco anos de prisão e uma multa de 75 mil euros pelos crimes de agressão sexual, assédio sexual e ultraje sexista. O tribunal proferirá a sua sentença a 13 de maio, noticiou a agência France-Presse (AFP).
Acusações contra o ator
O artista é acusado de ter apalpado uma cenógrafa de 54 anos e uma assistente de 34 anos durante as filmagens do filme Les Volets Verts. O procurador recordou que as vítimas eram «mulheres em posição de inferioridade social». Recorde-se que os nomes completos têm sido mantidos confidenciais para sua proteção.
Em tribunal, a mulher de 54 anos, relatou ter ficado «presa entre as pernas de Gérard Depardieu», que lhe «massajava as nádegas e os seios» enquanto fazia comentários sexuais. Já a assistente de realização de 34 anos, disse que o ator lhe colocou a mão nas nádegas e depois passou para os seus seios.
Na quinta-feira, os advogados das queixosas chamaram Depardieu de «predador sexual» e um «misógino» nas suas alegações finais. A advogada da cenógrafa, Carine Durrieu Diebolt, afirmou que este cometeu erros de conduta durante décadas em relação a «pessoas pequenas» no mundo do cinema. «Talvez pensem que ele é um grande ator e adorem os seus filmes, mas Depardieu é também um predador sexual», afirmou citada pelo Le Parisien. «O seu estatuto de ator de renome mundial deu-lhe um grande poder artístico e económico na indústria cinematográfica, ao contrário das queixosas, que corriam o risco de serem colocadas numa lista negra se falassem», continuou Durrieu Diebolt, denunciando aquilo a que chamou um «sistema de impunidade». «Quando toca no corpo das mulheres, Depardieu está a exercer o seu poder sobre elas», disse a advogada.
A advogada da outra queixosa começou a sua alegação com uma longa lista de palavras obscenas e outras expressões vulgares raramente ouvidas numa sala de audiências, dizendo: «É assim que Gerard Depardieu se comporta na gravação de um filme, é essa a atmosfera que ele impõe à sua volta». «Não, não se pode separar o homem do artista», disse Claude Vincent. «Ele é Gérard Depardieu, um misógino no meio de misóginos», assegurou.
Vincent recordou ainda que a estrela francesa defendeu o realizador Roman Polanski, acusado no caso de agressão sexual em Los Angeles, ainda não resolvido, que o levou a fugir para a Europa em 1978. Ao falar na quarta-feira sobre a sua carreira e vida, Depardieu referiu-se a Polanski como tendo sido «perseguido» durante 50 anos.
Defesa do arguido
Já o advogado do ator pediu que o seu cliente fosse absolvido, por ter sido vítima de «assédio»: «Quero que este caso acabe com o pesadelo, o inferno para o qual Gérard Depardieu foi atirado», exigiu Jérémie Assous. Para o advogado, as vítimas são «contadoras de histórias ao serviço de uma organização de feministas raivosas».
Quando os juízes lhe deram a palavra, o artista afirmou ter sido «arrastado para a lama com mentiras e calúnias durante três anos». Sobre as acusações das duas mulheres: «Não vejo porque me divertiria a apalpar uma mulher, as suas nádegas, os seus seios (…) Posso ter-lhe esbarrado com as costas no corredor, mas não lhe toquei», garantiu Gérard Depardieu sobre a assistente de realização. Na quarta-feira, o ator admitiu o uso de linguagem «vulgar» e «rude», mas rejeitou que o seu comportamento tivesse tido um cariz sexual.
Além disso, escreve a BBC, nas suas declarações, o artista pareceu ter sugerido que colocar a mão na nádega não constitui agressão sexual. «Eu nunca cometi uma agressão sexual (contra a cenógrafa de 54 anos). De qualquer forma, agressão sexual, na minha opinião, é pior do que o que ela disse», afirmou.
A queda do gigante
Três outras mulheres – uma jornalista, uma antiga figurinista e uma comediante – também testemunharam na quarta-feira em tribunal que foram abusadas sexualmente por Depardieu em 2007, 2014 e 2015. Em todas as ocasiões, mencionaram «mãos nos seios», «mãos nas cuecas», os «grunhidos» e também o silêncio, «porque aos 20 anos é difícil ir à esquadra e apresentar queixa contra Depardieu», sublinhou uma delas.
Com soluços na voz, a jornalista que filmou um programa de televisão em 2007 com o ator como convidado, contou que um dia Depardieu chegou por trás dela e «acariciou-lhe as costas enquanto grunhia e descia em direção à sua saia», detalha o jornal francês.
Outra das queixosas tinha 20 anos quando estrelou a série Marseille com Gérard Depardieu. «Ele colocou a mão nas minhas costas e começou a grunhir. Achei aquilo estranho», contou. «Colocou a mão nas minhas cuecas contra a minha pele. Eu empurrei-o, mas ele voltou a fazê-lo», acrescentou. De acordo com o seu depoimento, o artista disse-lhe: «Pensei que quisesses ter sucesso no cinema».
Já a figurinista que trabalhou com o ator em 2014 e apresentou queixa no ano passado, garantiu ter desistido do cinema por se sentir enojada com o que aconteceu.
Recorde-se que, nos últimos anos, vieram a público dezenas de acusações de mulheres que se dizem vítimas de agressões sexuais por parte do ator, incluindo alegações de violação. Algumas demoraram vários anos a conseguir falar e várias das acusações que foram feitas acabaram por ser arquivadas porque o estatuto de limitações se esgotou.
A atriz Charlotte Arnould foi uma das mulheres que deu a cara e diz ter sido violada pelo ator. Este havia sido indiciado por violação e agressão sexual a 16 de dezembro de 2020, por atos alegadamente cometidos no Verão de 2018. Apenas em 2021 se soube de quem se tratava. «Preciso de viver na verdade. Vivo escondida e em silêncio. Não é mais suportável. Eu preciso de me expressar. Fui violada por Gérard Depardieu em agosto de 2018. Ele foi indiciado há um ano. Ele trabalha enquanto eu sobrevivo», explicou a atriz na altura com 25 anos, na sua conta X – antigo Twitter. «Esta mensagem pública pode abalar a minha vida, eu não ganho nada com isto além da esperança de recuperar a minha integridade. Talvez devesse ter esperado, ter falado com um jornal (…) mas continuar calada é a mesma coisa que me enterrar viva», acrescentou. Arnauld, de 29 anos, esteve presente na audiência para manifestar publicamente o seu apoio às vítimas.
Depardieu foi também denunciado em 2023 pela jornalista e escritora espanhola Ruth Baza, por uma alegada violação cometida em 1995, quando esta se deslocou a Paris para o entrevistar.
A comédia Les Valseuses (1974), de Bertrand Biller, marcou verdadeiramente o início da sua longa, condecorada e prolífica carreira. Trabalhou com realizadores como Jean-Luc Godard, François Truffaut, Alain Resnais ou Ridley Scott, tornando-se o segundo ator francês a lucrar mais na bilheteira dos cinemas, sendo superado apenas por Louis de Funès, e chegou a ser nomeado para um Óscar de Melhor Ator Principal, no filme Cyrano de Bergerac (1990), onde interpreta o personagem homónimo do título. Mesmo com todas as acusações, o ator continuou a ser destacado para vários trabalhos.