Banca abre cordões à bolsa

Sistema financeiro foi obrigado a devolver 22 milhões de comissões e juros cobrados indevidamente. Deco e sindicato do setor aplaudem medida mas confessam que bancos continuam a ‘exagerar’ nos valores cobrados.

Os bancos vão ter de devolver 22 milhões cobrados indevidamente. Trata-se de um aumento de 15 milhões face ao ano anterior (214,29%): 18,5 milhões são referentes a juros e os restantes 3,5 milhões são referentes a comissões.
O Nascer do SOL sabe que essa devolução será feita, independentemente de o cliente ter feito ou não a reclamação. «Basta, por exemplo, um cliente ter feito ao Banco de Portugal uma queixa do desconto de um spread porque ter entrado em mora que o órgão regulador irá fazer essa avaliação e, mesmo que os clientes que estejam nessa situação tenham reclamado ou não em relação a esse caso concreto também irão recuperar o dinheiro», diz fonte ligada ao processo.


Ao nosso jornal, a coordenadora do gabinete de proteção financeira da Deco critica o valor que os bancos são obrigados a devolver, ao considerar que foram cobrados indevidamente, nomeadamente em comissões e em juros, acenando com um «aumento exponencial».


Apesar de aplaudir a atuação do órgão liderado por Mário Centeno, Natália Nunes admite que esta atuação coloca algumas reticências. «Por um lado, trata-se de um volume elevado que foi cobrado aos clientes e, por outro lado, o valor que saiu do bolso dos consumidores. Neste caso, o Banco de Portugal também deveria ter tido uma reação mais rápida, mais proativa para não deixar chegar a estes valores tão elevados porque fazem de certeza uma grande mossa naquilo que são os orçamentos das famílias».


E dá como exemplo os 15,5 milhões que foram valores pagos com o fundamento de juros de mora. «Estamos a falar de famílias que estão a ser confrontadas com atrasos de pagamento e que tiveram de suportar ainda mais este cargo. É uma situação preocupante», acrescenta.


A responsável admite, no entanto, que há comissões que já foram eliminadas entretanto, mas reconhece que ainda há muito trabalho a fazer. «Muitas já foram eliminadas e esta é uma preocupação que temos tido ao longo dos anos, porque temos visto que têm sido cobradas muitas comissões aos clientes sem estes terem tido qualquer contrapartida ou que eram desproporcionadas face à contrapartida que é prestada ao consumidor», e aponta outras situações que ainda não foram corrigidas, como é o caso da comissão da manutenção de conta, outra reivindicação que a Deco continua a ter em cima da mesa.

Opiniões divergem
Ao Nascer do SOL, Paulo Marcos, presidente do Sindicato Nacional dos Quadros Bancários, aponta que o montante a devolver pelos bancos está relacionado com as reclamações feitas pelos clientes. No entanto, lembra que o total de comissões cobrados pelo setor financeiro rondará os três mil milhões, o que significa que os 22 milhões que terão de ser devolvidos rondam 0,1%. «Não acho excessivo», garante.


Posição contrária tem António Fonseca, presidente do Mais Sindicato, que considera que os «bancos exageram nas comissões que cobram aos clientes» e adianta que, «antigamente tinham algum argumento porque as taxas estavam praticamente nulas, mas a verdade é que as taxas subiram e as comissões continuam a ser cobradas da mesma forma», referindo que a banca não fez qualquer retrocesso. «Poderia ter havido algum ajuste e é por isso que os lucros dos bancos são o que são hoje».


O responsável aponta ainda alguns exemplos: «É exorbitante pagar pequenas contas de condomínio que são obrigatórias hoje em dia, comissões de 10,40 euros todos os meses. Isto para quem tem um pequeno condomínio é realmente violento. Se multiplicar 10,40 euros por 12 meses ultrapassa os 100 euros. É desajustado».

Raio-x
De acordo com o relatório anual de supervisão comportamental, esta atuação traduziu-se na emissão de 358 advertências, 394 recomendações e 1.830 determinações específicas, além da proposta de instauração de 58 processos de contraordenação a instituições bancárias.


No setor dos intermediários de crédito, foram instaurados 419 processos de contraordenação, resultantes de 24 advertências e 38 determinações específicas. Entre os cerca de 5.893 intermediários registados no final de 2024, o BdP realizou inspeções a 298 estabelecimentos, encontrando irregularidades em 280 deles. A fiscalização publicitária revelou ainda que 70% dos anúncios dos intermediários apresentavam incumprimentos, face a apenas 2% nas instituições financeiras.


O relatório destaca ainda irregularidades no regime de incumprimento e mora. Entre as falhas identificadas contam-se a não aplicação do regime a todos os contratos abrangidos, ausência de acompanhamento de contratos em risco, agravamento da taxa de juro na renegociação de contratos, e capitalização indevida de encargos.


No crédito pessoal, automóvel e digital, foram encontradas falhas como o cálculo incorreto da TAEG, contratos com taxas usurárias, omissão de informações relevantes e ausência de justificação na recusa de crédito. A fiscalização publicitária analisou mais de 17 mil suportes, com um aumento de 5% face a 2023. As infrações mais comuns envolveram a omissão ou dissimulação de condições de acesso aos produtos, sendo mais frequentes nos meios digitais (75%).

O que esperar
Os lucros dos cinco maiores bancos a operar em Portugal atingiram os 4.964 milhões de euros em 2024, ou seja 13,6 milhões de euros a cada dia. Trata-se do melhor ano de sempre do setor. No entanto, o aumento dos lucros tem vindo a ser acompanhado de uma redução de trabalhadores e de agências.
No ano passado, os maiores bancos cortaram 263 empregos, totalizando os 44 mil. O mesmo cenário repete-se no número de balcões: menos 18 balcões, contanto com um total de 1.831 no país.


E, de acordo com António Fonseca, esta tendência é para se manter. «Os bancos nas reuniões vão dizendo que não vamos assistir a grandes encerramentos de balcões, mas se estivermos atentos vamos reparando que, de uma forma relativamente silenciosa e discreta, todos os bancos continuam a fechar um balcão aqui, um balcão acolá, o que me leva a acreditar que isto vai continuar a aumentar».


É certo que reconhece que esta redução não será feita de forma tão drástica como aconteceu na última década. «O número de balcões reduziu quase para face a que existia», mas também admite que os riscos são outros. «A inteligência artificial que agora tanto se fala vai acentuar, não sei a que velocidade, mas de certeza que se vai refletir no sistema financeiro». Por outro lado, lembra que os bancos dão cada vez mais ferramentas para os clientes não irem aos balcões. «Diria que o futuro de uma agência de um banco vai ter pouca gente e muitas máquinas. Há 30 anos quando entrei para a banca e já vão fazer 34 anos havia balcões, como havia na rua Augusta, com 80 pessoas Agora é impensável. Também é lógico que em 34 anos evolui-se muito, mas se quiser que faça um bocadinho de futurologia acredito que cada vez mais se vai acentuar esta situação», conclui ao nosso jornal.