Não tenho qualquer dúvida que entre os futuros 230 futuros deputados não faltarão espécimes que nos irão envergonhar, se tiverem espaço para isso ou se lhes descobrirem a careca, pois no Parlamento há muito que não faltam figuras como Miguel Arruda ou Joacine Katar Moreira. Por isso, não gosto de particularizar – quando além da árvore há a floresta que não conheço – mas o caso da candidata do PS à futura sessão legislativa, que vai em oitavo lugar na lista de Lisboa, merece não passar em claro. À boa maneira portuguesa, quando o nome de Eva Cruzeiro, de seu nome artístico Eva Rapdiva, foi anunciado nas listas socialistas, logo alguém foi ‘vasculhar’ o seu passado de rapper. Só quem não conhece os portugueses é que não percebe isso – essa necessidade de ‘criar’ em cima do acontecimento -, basta ver um jogo de futebol entre os grandes e a quantidade de caricaturas que aparecem nas redes sociais ainda o jogo não acabou. Eva Cruzeiro sabia perfeitamente que ao aceitar o convite do PS a sua vida artística iria ser analisada.
E o que se descobriu? Que entre outras músicas, Eva Rapdiva cantava «Eu sou africana, ‘tou-me a cagar para a guerra na Ucrânia’». A letra não é muito abonatória para o pensamento ocidental, com as devidas exceções, mas a justificação da letra é que me deixou banzado: «A liberdade criativa de uma artista como eu, ainda por cima no improviso característico do rap, algo que faço desde os 12 anos (…) não pode ser revelador daquilo que é a minha posição política. Eu sou totalmente contra o imperialismo de Putin e as políticas irracionais de Donald Trump». Genial, então eu posso fazer letras a desejar a morte de alguém, mas isso não revela a minha costela assassina? Eva faz a apologia do que não gosta? Estranho. Desde quando é que o rap não é música de contestação?
Seria bem mais fácil, e justo, Eva Cruzeiro explicar que a guerra na Ucrânia fica muito longe para os africanos e que estes não a sentem como os europeus – e isto é o pensamento da maioria, pelo menos no que vou lendo em grupos de WhatsApp ‘africanos’. O mesmo também acontece com as guerras no continente africano que dizem muito mais aos africanos do que aos europeus ou americanos. Qual é o telejornal português que abre com a guerra no Sudão, no Burkina Faso, Mali, Chade, Níger ou no mar do sul da China? O fator proximidade é decisivo, embora no nosso caso tenhamos outras preocupações, e falo por mim, com os países de língua oficial portuguesa.
Não faço ideia se Sérgio Sousa Pinto saiu das listas por discordar desta forma de ‘sacar’ votos a um público mais extremista, mas não me parece um bom cartão de visita para os moderados que oscilam entre o PSD e o PS. Talvez por todos estes episódios Pedro Nuno Santos queira agora passar a imagem de um moderado. A 18 de maio se verá se as apostas de cada partido foram as melhores.
Mudando de assunto. No princípio do ano muita tinta correu sobre a descida da criminalidade grave em Lisboa, 10,4%, que teria sido a segunda maior descida da última década. Políticos e comentadores fizeram grandes discursos inflamados, acusando quem fazia uma leitura diferente de racista e xenófobo. Isto quando os números eram provisórios. Como ditaram sentenças definitivas, agora são obrigados a ‘pôr a viola no saco’ e a estarem caladinhos. E não vão falar também de criminalidade geral, pois não sabem do que falam, que baixou apenas por causa da greve de zelo dos polícias nos primeiros meses de 2024. Basta olharem para os dados oficiais do primeiro trimestre da PSP para perceberem que as detenções aumentaram mais de 60%, pois a greve de zelo não existe, para já. Jogar com os números para efeitos políticos não é um bom caminho…