O frágil acordo de cessar-fogo na Faixa de Gaza foi quebrado. Israel voltou a bombardear o território controlado pelo Hamas e o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, apresentou, há pouco mais de uma semana, um novo plano para o conflito. O anúncio do líder israelita foi feito um dia antes de se ter deslocado a Budapeste, de onde seguiu, a convite de Donald Trump, para Washington, D.C, mas o conflito parece estar longe de ser resolvido.
A reação de Netanyahu aos ataques de 7 de outubro perpetrados pelo Hamas, que lhe valeram um mandado de captura por parte do Tribunal Penal Internacional, tem desgastado não só a imagem de Israel perante a opinião pública internacional, como também a sua própria internamente. Recorde-se que no verão de 2023, manifestantes israelitas encheram as ruas do país em protesto contra a reforma judicial que o primeiro-ministro tentou levar a cabo de forma a retirar poder aos tribunais e insuflar o seu poder de decisão. Nos últimos dias, as ruas israelitas voltaram a ser palco de demonstrações de insatisfação por parte do seu próprio povo.
‘Uma sentença de morte para os reféns’
«Ontem à noite, na Faixa de Gaza, mudámos de velocidade», disse Netanyahu num anúncio publicado na sua conta oficial do X no passado dia 2 de abril. «As FDI [Forças de Defesa de Israel] estão a tomar território, a atacar os terroristas e a destruir as infraestruturas», continuou acrescentando ainda que estão a tomar «o Corredor de Morag» que, nas palavras do líder israelita, se tornará num «segundo Filadélfia». O Corredor Filadélfia, uma zona desmilitarizada que separa a Faixa de Gaza do Egito, foi criado em 1979 na sequência de negociações entre o governo egípcio e o israelita quando este último deu início à retirada da região Norte do Sinai. Por sua vez, Morag é o nome de uma povoação judaica na zona Sul de Gaza, entre Rafah e Khan Younis, e as tropas israelitas já foram mobilizadas para o local.
A criação deste novo corredor de segurança é parte integrante do plano que prevê «dividir a Faixa Gaza» e «aumentar a pressão passo a passo» para que o Hamas entregue os restantes reféns israelitas.
Mas é precisamente a questão dos reféns que mais preocupa a população israelita. Será o quebrar do cessar-fogo e a divisão de Gaza a melhor estratégia para recuperar os reféns?
«A população está farta», diz ao Nascer do SOL um português que vive em Telavive, porque «acreditava que o cessar-fogo ia trazer os reféns de volta, algo que parece ter caído por terra. A maioria da população culpa a administração de Netanyahu pelo fim do cessar-fogo porque, da parte do Hamas, um grupo terrorista, já sabemos com o que contar». «Agora», continua, «o que podemos controlar é a posição do governo, e a posição do governo é muito má para os reféns». Também Ehud Barak, primeiro-ministro de Israel entre 1999 e 2001 e Ministro da Defesa de 2007 a 2013, partilha esta visão: «Duvido que [a nova estratégia] consiga convencer o Hamas a voltar à mesa das negociações», disse a Fareed Zakaria no programa Global Public Square na CNN. «Mas, com certeza, é uma sentença de morte para a maioria dos reféns que ainda estão vivos».
Para além da situação dos reféns e da já mencionada reforma judicial, «as pessoas estão a manifestar-se, no geral, contra tudo o que Netanyahu tem causado a este país. A maioria reconhece que é ele o culpado pela maior parte das situações que estão a acontecer, principalmente desde o 7 de outubro», disse a já mencionada fonte do Nascer do SOL em Telavive. Ainda assim, o fim do Hamas é bem visto pelos israelitas, mesmo que seja «difícil por ser mais uma ideia que uma estrutura sólida e facilmente identificável».
O papel dos EUA e dos países árabes
Parece haver poucas dúvidas de que Benjamin Netanyahu prefere Donald Trump a Joe Biden na Casa Branca. As relações entre Telavive e Washington na anterior administração passaram por períodos de tensão, com uma postura americana mais controlada e com os esforços do ex-Secretário de Estado Antony Blinken para tentar reavivar, de alguma forma, mas sem grande sucesso palpável, a diplomacia de vaivém utilizada por Henry Kissinger no início da década de 1970, aquando da guerra do Yom Kippur. Com Donald Trump é diferente. As restrições à ação israelita são menores e a «incerteza quanto às posições de Trump é claramente maior», diz a fonte já citada.
Durante o encontro de terça-feira na Sala Oval, os dois líderes protagonizaram uma conversa que foi das tarifas à Síria, passando por Gaza, pela Turquia e pelo Irão. Quanto ao conflito contra o Hamas, ambos reforçaram a importância de recuperar os reféns e Netanyahu disse também que está focado na eliminação «da tirania perversa do Hamas», entendendo que só assim o povo de Gaza poderá fazer «livremente a escolha de ir para onde quiser (…) eles devem ter essa escolha». Quanto à visão de Trump para o futuro dos palestinianos, que Netanyahu classificou como «arrojada», dando a entender que os países vizinhos poderão representar um papel crucial no que diz respeito ao acolhimento dos palestinianos.
Perspetivas de futuro
Porém, não será tarefa fácil. Segundo a mesma fonte em Telavive, «a população da Faixa de Gaza, à exceção dos refugiados, não quer sair do território para conseguir uma vida melhor. Querem viver ali e acreditam que se não permanecerem em Gaza perdem de vez o território e a causa palestiniana enquanto grupo étnico com ambições de possuir uma pátria deixa de existir».
Quanto às perspetivas de futuro, Ehud Barak, segundo as declarações dadas a Zakaria, só vê uma forma de derrotar o grupo terrorista de forma sustentável, visão esta que passa pela substituição do Hamas «por outra entidade que seja legitimada pelo Direito Internacional, pela comunidade internacional, pelos países árabes vizinhos membros (…) dos Acordos de Abraão e pelos próprios palestinianos».
Assim, a indecisão e a agonia – tanto dos reféns israelitas quanto dos palestinianos – continuam a ser uma constante neste conflito desencadeado pelo ataque terrorista do Hamas contra Israel a 7 de outubro de 2023. Ao mesmo tempo, Netanyahu vai conduzindo um exercício complexo de equilíbrio entre a gestão do conflito e a sua própria sobrevivência política, acumulando pressões internas e internacionais.