O Matuto e a Gripe

Fica confirmado que o Matuto acha que há um certo prestígio em estar gripado, quando a gripe tem pedigree. Já uma constipação vulgar não tem história, não dá direito a chá na cama nem a um “coitadinho” com afecto.

O Matuto está doente. Se é um resfriado, uma gripe ou mesmo um ataque de sinusite, ele não sabe dizer. Certo é que anda pelos cantos da Casa das Pontes, fungando, com o nariz escorrendo e empanturrado de paracetamóis.

O Matuto considera que todo o homem deveria ter direito a atenções redobradas assim que sentisse uma pontinha de febre. Não fazer nada além de curtir a sua gripezinha. O ideal seria recolher-se a uma Casa de Repouso, deitar-se na cama e ter um batalhão de enfermeiras de vestidos alvíssimos fazendo-lhe perguntas carinhosas: “então, sente-se melhorzinho?”. Na verdade, tudo seria reduzido ao diminutivo inho. É só mais um comprimidinho; vá, um esforçozinho; não seja danadinho; olha, um espirrinho; vamos ver o termómetrozinho; agora, um chazinho

O Marcello, a visita reacionária das Pontes, amiúde, pontifica sobre as suas lides domésticas em tempos de gripe:
— Visto o pijama, só como torradas com maçãs descascadas e bebo suco de frutas. Tomo um chazinho com mel e toda a família fica por perto. A minha esposa coloca assiduamente a mão na minha testa e diz-me coisas bonitas, tipo: “quando você está doentinho, a gente fica mais juntinho”.
A Belinha, a visita conservadora das Pontes, franze o nariz e rebate:
— Tolices! Mariquices!
Dona Sirlei, dá um risinho discreto. O Matuto, calado, matuta.

Ele pondera que estas gripes sazonais deviam ter nome próprio. Sim, porque toda a gripe que se preze tem nome. Senão, é resfriado mesmo — e isso é bem mais rasca. O Matuto lembra-se da temida H1N1, também chamada de “gripe suína”. Ora aí está um nome de arromba! Tem letras e números, o que lhe dá um ar científico, e para os simples, “gripe suína” é nome esclarecido. Lembra-se de ter havido mortes, sim senhor. Mas sobretudo recorda-se de febres que deitaram muito boa gente por terra — gente que foi para a cama e só voltou a levantar para o outro lado…

O Matuto sabe de fonte segura que Franz Kafka, apanhou uma gripe e escreveu: “O mundo todo cheira a doença e álcool canforado.” O Matuto não sabe bem o que é álcool canforado, mas desconfia que seja primo do Vicks Vapor e dos rebuçados do Dr. Bayard, só que com sotaque do Leste Europeu. O Matuto também sabe de fonte segura que GrouchoMarx,deixou uma receita para o bom humor mesmo de cama: “A gripe pegou-me, e agora quem me faz rir são os médicos.” O Matuto riu e tossiu ao mesmo tempo — o que lhe provocou um ataque de espirros. (E lá continua espirrando a crónica.)

Fica confirmado que o Matuto acha que há um certo prestígio em estar gripado, quando a gripe tem pedigree. Já uma constipação vulgar não tem história, não dá direito a chá na cama nem a um “coitadinho” com afecto. E assim, entre um espirro e outro, o Matuto pensa que talvez a cura esteja mesmo no nome da doença. Porque “resfriado” soa a coisa sem importância, mas “influenza viral tipo A, subgrupo H3N2” já parece que merece hospital privado e dois dias de cama com Netflix e cobertura de manta.

Por isso, da próxima vez que estiver doente, o Matuto já sabe o que dizer:
Não é nada, não. É só uma variação genética tardia da Gripe Asiática H4N5, de 1957. Coisa séria, sim senhora. E, dito isto, espirra com solenidade e pede um chazinho — com bolacha Maria, que o Matuto pode estar doente, mas não é nenhum herege.

Entretanto vai cozinhando esta gripe sem nome, anónima, incógnita. Amanhã voltará ao trabalho e ninguém perguntará: “Então, está melhorzinho”.