Este é um artigo para ‘cromos’ («wonkish», como Paul Krugman gosta de advertir). Tendo passado toda a vida na academia custa-me aceitar que não exista método na loucura. Já muitos notaram que as tarifas ditas compensatórias impostas por Trump não são mais do que o rácio do défice comercial bilateral para as importações americanas da origem em causa. No caso da EU, por exemplo, os EUA importaram $605,8 mil milhões (mM) em 2024 incorrendo num défice comercial de $235,6mM. Logo, como 235,6/605,8=38,9%, a ‘tarifa compensatória’ seria de 39%, generosamente reduzida a metade. Qual o raciocínio económico por detrás deste número ?
Suponhamos que os EUA importam do país X bens no valor de $400mM e têm com ele um défice comercial de $100mM. Se for possível reduzir as importações em $100mM, sem que nada mais se altere (um enorme se!), o défice obviamente cai para zero. Suponhamos agora – e este é um ponto crítico! – que um agravamento das tarifas sobre o país X e 1 ponto percentual (p.p.) (digamos de 3% para 4%) provoca um aumento dos preços das importações em 1% (em jargão, uma semi-elasticidade de 1). Então, uma simples regra-de-três, dá-nos que para reduzir as importações em $100mM necessito aumentar as tarifas para 100/400=25p.p. ou seja dos 3% para 28%. E como é que se sabe que por cada ponto percentual de aumento das tarifas as importações ficam 1% mais caras e não 4% ou 10%? Aqui entra um ‘estudo’ do Gabinete do Presidente (‘Reciprocal Tariff Calculations’) que determina que o impacto faz tarifas nos preços é 4 e que o impacto destes na procura de bens importados é 0,25. Logo 4×0,25=1. Ergo!
Esta é a racionalização, o que não significa que não seja louca (ou esteja certa). São várias as razões.
• Mesmo que os valores que os valores de 4 e 0.25 possam estar ajustados para um dado país, não podem certamente ser adequados para todos os casos pois a composição do comércio bilateral é diferente – nuns predominam os bens agrícola noutros o alumínio e noutros o calçado e têxteis –, e bens diferentes reagem diversamente a alterações dos preços.
• Em segundo lugar, o efeito não é certamente linear: o que pode estar certo para um aumento de 3% para 4% não está necessariamente para um aumento de 3% para 28%.
• A lógica dos cálculos corresponde aquilo a que os economistas chamam ‘equilíbrio parcial’, não tem em contam os efeitos induzidos em toda a economia americana (e mundial). Será, por exemplo, que as exportações não são negativamente afetadas? Certamente pela retaliação, mas também, porque os preços de muitos consumos intermédios bem como os salários vão aumentar, tornando as exportações menos competitivas.
• Finalmente, porque o todo não é necessariamente a soma das partes. Se todos os défices comerciais bilaterais forem zerados, o investimento nos EUA ficará reduzido à poupança interna (porque o saldo da balança de serviços e rendimentos é basicamente zero), ou seja, sofrerá uma redução igual ao valor do défice comercial, $235mM, o equivalente a 4% do valor corrente do investimento privado. As consequências macroeconómicas na competitividade da economia seriam evidentes, e autodestruindo a propósito inicial.
Estas notas são um exercício algo ingénuo, como se um economista analisasse as decisões de alguém preocupado com a racionalidade económica. Não! Com Trump o comércio externo é uma arma ao serviço de um posicionamento neoimperialista e as tarifas uma afirmação desse poder imperial. Como o seu ídolo, o presidente William McKinley. Mas mesmo o entusiasmo de McKinley pelo protecionismo diminuiu ao longo da carreira: «Não devemos repousar na segurança imaginária de que podemos vender tudo para sempre e comprar pouco ou nada», anunciou em Buffalo, Nova Iorque, em 1901, antes de acrescentar que «as guerras comerciais não são lucrativas».