Os Portugueses olham para a saúde como a sua principal preocupação. Esta é a conclusão de uma sondagem recente e vem de encontro a uma situação identificada pelos profissionais da área; as questões da Saúde em Portugal não resultam de um problema de financiamento, mas de um modelo de gestão de recursos humanos e materiais que carece de atualização.
Recentemente, um encontro sob os auspícios da Maçonaria Regular juntou no Luso cerca de 80 especialistas em medicina e em gestão da Saúde, para um estimulante debate em duas partes. Por um lado, discutiu-se o modelo do Serviço Nacional de Saúde e os caminhos a seguir, por outro o papel presente e futuro da Inteligência Artificial no setor.
Desde a sua fundação em 1979, num processo liderado por um conhecido e assumido maçom, António Arnaut, a Saúde é algo que a Maçonaria Regular vê como pilar essencial do Estado Social e como crucial no debate sobre novas políticas públicas e novos modelos de gestão e de trabalho.
Muitos médicos são maçons e isso deve-se, na minha opinião, à compreensão por muitos especialistas dessa profissão da complementaridade que os valores e as práticas maçónicas oferecem para o desempenho das profissões de médico, de enfermeiro e da área da saúde em geral.
Regressando à IA, é certo que o impacto desta nova realidade nas nossas vidas é – e será cada vez mais – transversal e abrangente. Mas em nenhum outro setor esse efeito será tão determinante para as nossas vidas, literalmente falando. No encontro mencionado acima, falou-se de ferramentas já existentes que encheriam certamente António Arnaut de admiração e espanto. E de outras que se perfilam para o futuro, mais assombrosas ainda.
O projeto AlphaFold da Google DeepMind, que revolucionou o tratamento de estruturas de proteínas e cujo algoritmo levou à atribuição do Prémio Nobel de Química a Demis Hassabis e John M. Jumper, a Neurolink de Elon Musk, que anunciou novos avanços no desenvolvimento do chip cerebral que promete devolver a visão a invisuais ou a utilização de modelos de machine learning na área da histopatologia, usados para uma série de tarefas de interpretação histopatológica, como a classificação de cancros e tumores, a previsão de mutações genéticas e a classificação de células, são apenas alguns dos extraordinários avanços nesta área.
Em simultâneo, a IA irá também ser um recurso fundamental na redução das tarefas administrativas e burocráticas levadas a cabo pelos profissionais de saúde. No encontro já referido, falou-se mesmo de “um labirinto de legislação” e de uma “governação da saúde ineficiente”. Mas, à medida em que a IA é aplicada e os sistemas de saúde, público e privado, se vão aproximando progressivamente, é auspicioso pensar que a tecnologia vai libertar as pessoas da “papelada” e deixar horas livres para o eu efetivamente conta.
Obviamente, há em tudo isto questões fundamentais ainda por resolver. Por exemplo, o enquadramento jurídico em torno da IA e de questões tão básicas como a da responsabilidade, dissociada das máquinas pela sua ausência de personalidade jurídica. Se algo corre mal no processo de decisão com base em diagnósticos não humanos, quem é suposto culparmos?
Para além disso, há também uma dimensão algo assustadora na velocidade furiosa com que tudo parece evoluir. É avassalador ouvirmos falar, já no próximo ano, de podermos ter, nos nossos telefones, IAs que multiplicam por mil a capacidade das atuais.
De acordo com os profissionais que debateram todo estes assuntos, a IA poderá não substituir os médicos, mas os médicos que usarem IA vão substituir os que não usam. O movimento de aceleração é imparável. Mas, para que não seja avassalador, é preciso que, no caso português, o Serviço Nacional de Saúde que foi uma conquista civilizacional evolua, em lugar de definhar.
A excelente formação, internacionalmente reconhecida, dada aos profissionais de saúde no nosso país deverá acompanhar a evolução tecnológica, e o investimento poupado em tarefas que serão feitas pela IA ser canalizado para remunerar adequadamente e reter o talento dos nossos médicos.
Para além dessa valorização, os desafios são múltiplos, sendo um dos principais o combate às desigualdades e assimetrias territoriais e outro a capacidade de resposta do SNS à inversão demográfica e ao aumento de esperança de vida, algo em si positivo, mas que alarga em muito a necessidade de tratamentos e cuidados à população.
Os registos de saúde eletrónicos, a telemedicina, as aplicações móveis, tudo isso acompanhará a transformação pela IA das nossas vidas. Sendo que tudo terá de ser feito, não à margem dos profissionais de saúde, mas com o seu envolvimento ativo.
Na próxima década, a sociedade vai ser transformada de maneiras que ainda nem conseguimos imaginar. Fala-se de uma nova era de “transhumanismo” em que máquinas e pessoas se confundem. A tudo isto, a Maçonaria irá estar atenta para que em causa não se coloquem valores essenciais e conquistas para a Humanidade. O público e o privado terão que coexistir, para bem de todos, de uma forma justa e perfeita. Caso contrário, estaremos perdidos para sempre num labirinto às escuras, que só a solidariedade e a fraternidade intrínseca e exclusivamente humanas permitirão iluminar.
Grão-Mestre da Maçonaria Regular