Os senhores do caos

O que influencia o eleitor americano é a economia, por isso o fracasso anunciado terá consequências

A guerra comercial encetada por Trump não é original. O protecionismo é um instrumento do nacionalismo económico que se ajusta à estratégia de afirmação confrontacional da sua Administração. A economia mais protecionista da história foi, precisamente, a americana, nos anos que antecederam a II Guerra Mundial.

Neste século, a China tem sido acusada de prosseguir uma política predatória através da desvalorização artificial da sua moeda. Bush, Obama e Trump no seu primeiro mandato já tinham tomado medidas tarifárias contra a China, para tentar conter o défice comercial. As medidas ora anunciadas são, contudo, muito mais drásticas e generalizadas. Terão forte impacto no comércio mundial e poderão conduzir a uma recessão. 

Nos EUA, haverá um aumento da receita fiscal mas também uma subida da inflação. Já a substituição de importações por produção doméstica será um processo longo e contraditório porque, numa economia em pleno emprego e expulsando imigrantes, a pouco eficiente indústria americana não encontrará recursos humanos disponíveis. Além disso, sofrerá com as inevitáveis medidas retaliatórias. 

O que influencia o eleitor americano é a economia, por isso o fracasso anunciado terá consequências. Sabe-se que a política externa não apaixona o americano médio que, ainda assim, se vai sentindo humilhado, porque todas as bravatas de Trump têm resultado em fiasco. Em Gaza, os reféns continuam na mão do Hamas. Os gronelandeses não querem ser americanos. Na Ucrânia não há paz nem sequer um cessar-fogo. Putin dedica-se a ridicularizar os comparsas americanos que se comportam como seus agentes, depois de estes lhes terem prestado vassalagem com a traição em Kursk. Os desprezados europeus estão a organizar-se e deixarão de ser clientes da indústria de guerra americana. Os fiéis aliados no Pacífico – japoneses e sul-coreanos – foram hostilizados com as tarifas, aproximam-se da China e não é certo que estejam disponíveis para se envolverem se a tensão em Taiwan resultar em conflito. O repatriamento forçado de imigrantes criou um sentimento de hostilidade em toda a América Latina. Ninguém confia no ‘tio Sam’, ninguém entende a cacofonia da administração americana, ou dos seus protagonistas saídos de um episódio dos Looney Tunes. 

Trump tem legitimidade para tentar implementar o que prometeu. As medidas contra imigrantes, serviços públicos, Academia, comunicação social e instituições culturais estavam anunciadas. Assim como o caos na política externa fazia parte das suas promessas. 

Se tudo correr mal, como parece inevitável, o eleitorado vai deixar de ser cúmplice da mentira e os Republicanos perderão o Senado e o Congresso daqui a dois anos. O problema é que há sinais de que a normalidade democrática está à beira de uma disrupção. Vai-se assistindo a um ataque do poder político ao poder judicial, Trump fala abertamente num terceiro mandato que lhe está vedado constitucionalmente e estão a ser impostas limitações à liberdade de expressão, com a revogação de vistos e green cards a quem critica a política externa dos EUA. 

Para além do caos conjuntural, quando se assiste à criminalização da opinião e à institucionalização da mentira, não se pode deixar de antever a possibilidade de os EUA deixarem de ser uma democracia liberal e abandonarem os princípios do Estado de direito. Sabemos que é essa a vontade de Trump e Vance, porque eles não escondem o jogo. Resta perceber se as instituições da grande democracia americana são capazes de resistir ao assalto dos agentes do caos que elegeu.