«Alívio». Foi esta a primeira reação de César do Paço, depois de ter sido informado que o Tribunal Constitucional recusou o recurso da Wikimedia Foundation, proprietária da Wikipédia, no caso relacionado com a página biográfica sobre o empresário português, residente nos EUA.
«A minha reação foi de alívio, mas também de profunda reflexão sobre os danos causados», afirmou César do Paço ao Nascer do SOL.
Em causa está a contestação da Wikimedia Foundation de uma decisão do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), que obrigava à eliminação de alguns conteúdos – como referências a factos de índole criminal alegadamente praticados por César do Paço, ocorridos em 1989, e a exoneração do cargo de cônsul honorário de Cabo Verde – e à identificação de todos os editores de páginas da Wikipedia dedicadas ao empresário, de 59 anos, natural da ilha do Pico, nos Açores.
Já as informações sobre a sua ligação ao Chega, que terão dado origem a toda a polémica, depois de virem a público, e que César do Paço chegou a pedir para serem retiradas, podiam ser mantidas na página pela Wikipédia, segundo a decisão do TRL.
Mas este novo capítulo da batalha judicial que opõe o empresário e a enciclopédia online pode não ficar por aqui. César do Paço admitiu ao Nascer do SOL que irá agir legalmente contra os autores das informações, quando a Wikipédia os identificar. «Esse sempre foi o meu propósito», disse o empresário. «Não podemos continuar a aceitar que se destruam reputações impunemente. A liberdade de expressão não pode ser confundida com liberdade para caluniar. Os autores dessas falsidades devem ser identificados e responsabilizados civil e criminalmente», acrescentou.
Resposta da Wikipédia
A Wikimedia Foundation também prometeu continuar a lutar nos tribunais contra uma decisão que, argumenta, «não está de acordo com a legislação europeia».
Um dos advogados da Wikimedia Foundation assegurou ao Nascer do SOL que a equipa jurídica «continua a explorar as opções legais disponíveis para dar continuidade ao caso e proteger os direitos dos editores da Wikipédia de acederem e contribuírem para o conhecimento livre». Jacob Rogers classifica este caso de SLAPP – um processo judicial estratégico contra a participação pública –, ou seja, «foi concebido para suprimir informação pública bem fundamentada e levanta sérias preocupações sobre a privacidade e a liberdade de expressão».
Para o advogado, a condenação de identificar os editores da Wikipédia é «demasiado ampla», porque exige a exposição de dados de muitos autores «sem os relacionar com a autoria de qualquer material difamatório específico».
Rogers garantiu ainda que «a informação que os editores da Wikipédia adicionaram ao artigo sobre César do Paço foi obtida a partir de relatórios públicos fiáveis e adicionada por editores que pareciam estar a trabalhar de boa fé para contribuir para um artigo de enciclopédia sobre ele».
O paradoxo da abertura
O caso aborda algumas das grandes questões da atualidade, como a liberdade de expressão, o direito à privacidade e até a desinformação.
A informação na Wikipédia é escrita e mantida por uma comunidade global de quase 260 mil editores voluntários, que definem e aplicam políticas para assegurar que a informação contida nas páginas é neutra, baseada em factos, e atribuída a fontes fiáveis. Mas sendo uma plataforma aberta em que qualquer pessoa, desde que registada, pode editar o conteúdo, como garantir a veracidade do que é escrito e combater a desinformação?
A solução certamente não será simples, mas para Jimmy Wales, o empresário norte-americano que fundou a Wikipédia em 2001, é a «liberdade de edição», princípio basilar da maior enciclopédia online do mundo, que «é a resposta à desinformação». Numa entrevista à revista Sábado em 2023, Wales defendeu a ideia de que «a abertura é inimiga da qualidade não é verdadeira, o fechamento é que é inimigo da qualidade». «Quanto mais abertos formos, mais precisos somos», acrescentou na altura.
A mesma opinião não terá César do Paço, para quem essa «abertura» contribuiu para que «indivíduos escondidos por detrás do anonimato» propagassem «calúnias sem qualquer responsabilidade».
E, embora tenha ficado satisfeito com a última decisão, considera que em casos como estenunca se faz totalmente justiça e que os «danos profundos» na sua vida pessoal, familiar e profissional já estão feitos. «Nada devolverá o que perdi. (…) a reparação total é impossível», lamentou, sublinhando, no entanto, que todo o processo mediático e judicial não alterou a sua postura. «Continuo a apoiar com absoluta transparência as causas e os projetos em que acredito», dando o exemplo do compromisso com as forças de segurança nos EUA, por quem não esconde a admiração e a defesa «incondicional».
Em Portugal, e em véspera de eleições legislativas, o empresário admite a preferência pelo partido de André Ventura, «é público e notório o meu apoio ao partido Chega, nunca o escondi», acrescentou.