Gonçalo da Câmara Pereira. “Fomos traídos por Montenegro. Nunca nos atenderam”

Gonçalo da Cãmara Pereira rompeu com a AD, acusa Montenegro de traição e admite diálogo com o Chega. O líder do PPM critica ainda o Presidente por ter sido um ‘desestabilizador’ e defende uma alternativa monárquica.

Cesiludido com o PSD, crítico da atual liderança da direita e convicto defensor da monarquia e da vida, o líder do Partido Popular Monárquico (PPM) não poupa palavras: diz ter sido traído por Montenegro, acusa o Governo de ignorar o partido e considera que o uso da sigla “AD” é um embuste político. Nesta entrevista, Gonçalo da Câmara Pereira fala sobre o que correu mal, sobre os temas que considera esquecidos — cultura, ecologia, tradição — e sobre uma possível aproximação ao Chega.

A solução por eleições antecipadas era realmente necessária poderia ter sido feito algo para evitar?
Era desnecessária, mas perante estas suspeições sobre o primeiro-ministro… Também não faz sentido ele não ter respondido às questões. Isto parece uma teia. O primeiro-ministro achou que podia ganhar com maioria absoluta e aproveitou as suspeitas sobre ele para deitar o governo abaixo.

Mas ainda há pouco tempo disse que não teria problemas em coligar-se com o PSD, apesar das suspeições sobre o primeiro-ministro.
Não tinha, mas também nunca pensei que as suspeições fossem tão profundas. Acreditei nele, mas com o tempo vimos que as explicações tinham de ser dadas. Somos o único país da Europa em que um candidato com suspeições é candidato a primeiro-ministro. Isto parece uma Venezuela. Eu não percebo bem o que é que se passa com este PSD. O PSD perdeu os seus valores.

O PPM rompeu a coligação com o PSD e CDS porque vos ofereceram apenas o 19.º lugar em Lisboa, sem hipótese de eleição. Acha que foi traído por Montenegro?
Com certeza, e não foi só ele, o Hugo Soares também. Logo a seguir a terem ganho as eleições, formaram governo, não nos convidaram para a posse e, a partir daí, desligaram os telefones e nunca nos atenderam, nunca nos ouviram sobre o programa. O lugar em si, não estávamos muito interessados, mas queríamos introduzir o nosso programa, na parte cultural, do ambiente e da ecologia.

Em 2024, o candidato do PPM também era o 19º da lista e aceitaram o acordo mesmo sabendo que não era elegível.
Aceitámos, mas convencidos de que íamos colaborar com o programa e com o Governo.

Acha que o PSD se tornou demasiado conivente com agendas progressistas?
Muitas vezes tem políticas mais à esquerda do que o próprio Partido Socialista, o que é uma coisa estranha. E o grande problema é que neste momento tem uma teia de corrupção que me faz perder o norte.

O PPM é contra o aborto e a eutanásia. Faziam questão que isso estivesse num eventual programa da AD?
Exatamente. Somos um partido ecologista, pela vida, e o ambiente é para isso. Não faz sentido nós sermos pela vida e depois admitirmos o aborto. A eutanásia é um contrassenso para um partido ecologista e ambientalista que quer viver com a natureza e com o que a natureza lhe deu. Além disso, temos a parte da cultura. O programa cultural foi diluído, ninguém sabe quem é a Ministra da Cultura, que atividades fez em prol da cultura popular portuguesa, nada. Sobre isto não fomos ouvidos, não nos ouviam.

No vosso plano para a cultura entram as touradas?
As touradas fazem parte da cultura portuguesa.

Portanto, estes três temas teriam de ser incluídos no programa caso fizessem parte da AD?
Exatamente. Esta AD agora é uma fraude, não é AD nenhuma. Eles roubaram o nome a três partidos. Estão a enganar o povo português.

Mas o Tribunal Constitucional negou recentemente o vosso recurso contra a designação “AD – Coligação PSD/CDS. Porquê esta insistência em relação a uma sigla?
Porque consideramos que a AD, que tanto está no coração dos portugueses, era constituída de três partidos. Continuar com a sigla é uma falta de gosto, uma falta de tato político e é egocêntrico.

Não havendo acordo com a AD, está disposto a colaborar com o Chega?
Estamos prontos para colaborar com qualquer partido que dê estabilidade ao povo português. O povo português precisa de sossego, não pode viver permanentemente em guerras políticas e discussões na praça pública. O Chega não me assusta nada. Talvez possa assustar um deputado ou outro, mas o Chega não me assusta, como nunca me assustou o Bloco de Esquerda, nem o Partido Comunista. A extrema-esquerda nunca me assustou.

Já houve algum diálogo com o Chega no sentido de um acordo pré-eleitoral?
Não, neste momento não faz sentido. Só com o resultado das eleições é que vamos tentar ver o que se passa. Se os portugueses nos derem um deputado ou dois para que possamos fazer a diferença, então sim, ajudaremos, com certeza, a construir um futuro para Portugal.

Acha que ainda há espaço para um partido monárquico em 2025?
Sim. O monarca traz consigo a tradição e a cultura. A chefia de Estado está bem, convivemos perfeitamente com a República.

Então defende uma monarquia num sentido simbólico?
Exatamente, a monarquia é sempre simbólica. É a representação do Estado. É um símbolo vivo da nação. Sai mais barato a representação monárquica do que a representação republicana. Um rei não se mete na esfera política, é discreto. Já o nosso Presidente da República foi um destabilizador nato. Aliás, o sonho dele era ser semipresidencialista. Repare que nunca houve tanto governo a cair como no tempo deste último Presidente da República.

Tendo em conta os últimos resultados eleitorais do PPM, a maioria da população não provou já que não deseja uma monarquia?
Há 100 anos que ando a ouvi dizer mal da monarquia, como se fosse uma monarquia do século XV ou XVI, distópica e absolutista, mas as monarquias evoluíram, são constitucionalistas. A Constituição é para ser defendida e nada melhor do que um rei isento, independente e longe de todos os partidos, para defender essa democracia.

Se amanhã a República caísse, quem seria o rei?
Isso o povo português é que vai ter de escolher. Escolheram D. João I, escolheram D. Afonso Henriques, acho que não somos nós, PPM, que vamos dizer.