De acordo com algumas pesquisas, a cor azul, apesar de fria e distante, é a favorita da humanidade, que a associa à harmonia, tranquilidade, introspeção e fidelidade. Se, na pintura, o luminoso azul-ultramarino – o pigmento mais caro de todos os tempos, obtido do lápis-lazúli, uma pedra semipreciosa – encantou desde a Antiguidade, foi apenas a partir do século XVIII que ficou disponível o bem mais acessível azul-da-prússia. Primeiro pigmento totalmente sintético, marca presença em obras icónicas como A Grande Onda de Kanagawa (c. 1830), de Katsushika Hokusai (na imagem), ou A Noite Estrelada (1889), de Vincent van Gogh. Trata-se do hexacianoferrato(II) de ferro(III) – Fe₄[Fe(CN)₆]₃ -, que, como o nome indica, é um composto de ferro e cianeto.
Terá sido descoberto em Berlim, no início do século XVIII, no laboratório do alquimista Dippel. Enquanto este produzia o oleum animale – um destilado de sangue e ossos com potassa (carbonato de potássio) -, um colaborador, Diesbach, tentava obter laca florentina, um pigmento vermelho derivado do ácido carmínico da cochonilha (um inseto), tratado com alúmen (sulfato duplo de alumínio e potássio), vitrioli martialis (sulfato de ferro) e potassa. Como se lhe acabara a potassa, recorreu à de Dippel, que, por ter sido usada no oleum animale, estava contaminada com hexacianoferrato. Ao adicioná-la à mistura contendo sulfato de ferro, formou-se inesperadamente um composto de um belo azul profundo.
Atualmente, o azul-da-prússia não é apenas usado na pintura, encontrando também aplicação em dispositivos eletrocrómicos (como janelas inteligentes) e sensores (biológicos e outros), bem como na medicina, no tratamento de intoxicações por tálio e césio. Desde cedo, aliás, revelou o seu préstimo fora do campo artístico: foi a partir dele que, em 1752, o químico francês Pierre Macquer preparou, pela primeira vez, o cianeto de hidrogénio (HCN), um líquido incolor, extremamente volátil, com um odor a amêndoa amarga. (O farmacêutico sueco Carl Scheele viria a ser o primeiro, em 1783, a isolá-lo.) Dissolvido em água, o cianeto de hidrogénio gera o ácido cianídrico, cuja composição foi determinada em 1815 pelo francês Gay-Lussac. Recorrendo ao termo kyanós («azul», em grego), este físico e químico substituiu a antiga designação do ácido – «ácido prússico» – por ácido cianídrico.
Potencialmente muito tóxico, o ião cianeto (CN-) está naturalmente presente em várias plantas e frutos, como os caroços de alperces e cerejas, as amêndoas (sem querer estragar a Páscoa aos leitores!) e a raiz da mandioca. A sua toxicidade deve-se à capacidade de inibir enzimas com ferro, em especial o ião férrico (Fe³⁺) da oxidase do citocromo c, essencial à respiração celular. Ao ser inibida, esta enzima impede o uso do oxigénio pelas células e bloqueia a produção de ATP (trifosfato de adenosina) – a principal fonte imediata de energia -, levando à morte celular.
A dose letal oral de cianeto situa‑se entre 1,2 e 1,6 mg por quilograma de massa corporal, o que, para um adulto de 70 kg, corresponde a cerca de 210 a 280 mg de cianeto de potássio (KCN). Por inalação, o cianeto de hidrogénio é ainda mais tóxico: o seu LC₅₀ (concentração no ar capaz de provocar a morte de 50% dos indivíduos expostos, num dado intervalo de tempo) é de 524 ppm (partes por milhão), para 10 minutos de exposição. Uma dose elevada de cianeto pode causar morte imediata. Doses inferiores, mas ainda letais, provocam convulsões, abaixamento da pressão arterial e do ritmo cardíaco, inconsciência, dificuldades respiratórias, coma e morte. Em doses mais baixas, a vítima apresenta respiração ofegante, confusão, dor de cabeça, vertigens e palpitações.
Convém, porém, ressalvar que, apesar da sua estreita associação a situações de envenenamento, nem todos os compostos contendo cianeto são intrinsecamente nocivos. A cianocobalamina, por exemplo – uma das formas da vitamina B12, na qual o cianeto está ligado a um ião cobalto – é usada no tratamento da anemia perniciosa, uma condição que ocorre frequentemente em indivíduos com dietas isentas de produtos de origem animal, principal fonte desta vitamina.
Em 2025 assinalam-se oitenta anos sobre o fim do Holocausto e a libertação dos sobreviventes dos campos de concentração e de extermínio nazis. Milhões de pessoas pereceram, muitas delas assassinadas nas câmaras de gás com o infame Zyklon B, sobretudo em campos como Auschwitz-Birkenau. O «B» de Zyklon B refere-se a Blausäure (literalmente, «ácido azul»), o termo alemão para «ácido cianídrico».
Químico