Findo o período pascal – tempo de recolhimento, introspeção e renascimento – o país desperta, não para a esperança, mas para o agravar de um mal-estar profundo, para a instalada e afirmada desconfiança. Vivemos tempos de promessas vãs, lideranças descredibilizadas e uma sociedade cansada, mergulhada numa inquietante apatia democrática. Não andamos longe de um ponto de rutura: um país sem rumo, governado por um sistema que se repete, sem renovar, sem reformar, sem escutar. Ainda antes da campanha eleitoral legislativa começar formalmente, há sinais demasiado evidentes para serem ignorados. Portugal atravessa um momento de inquietante apatia, onde os protagonistas políticos parecem mais ocupados com os seus lugares ou os seus “casos pessoais” do que com o destino coletivo. Há muito que isto vem a acontecer, mas, salvo melhor opinião, nunca como hoje, os partidos políticos estiveram tão encerrados sobre si próprios. Funcionam hoje como estruturas familiares e caciquistas, impermeáveis à crítica e à renovação. A reprodução interna de elites políticas ineficazes, medíocres, tornou-se regra — e o cúmulo encontra-se, ironicamente, no próprio partido do poder, que se apresenta a votos com quase todo o Conselho de Ministros, incluindo nomes marcados por pouca ineficácia governativa. Já não existem reservas nem suplentes no banco! E, aqueles que eventualmente o poderiam ser nem o aquecimento fazem, perante o “exemplo que vem de cima”. Há muito que os partidos deixaram de integrar quadros com provas dadas na sociedade civil. A política institucional afastou-se da cidadania ativa e tornou-se trampolim de carreiras pessoais. A juventude partidária, outrora berço de convicções, é hoje, salvo honrosas exceções, escola de oportunismo. Ainda sou do tempo em que os partidos apresentavam com pompa e circunstância novos quadros que acrescentavam valor à política. Hoje os bons fogem da política activa como o Diabo foge da cruz pascal. Em curto espaço de tempo, a classe política conseguiu acabar com a presunção de inocência, o sigilo profissional, bancário e com o respeito pela vida privada. Quem é o maluco com vida própria, com família e nome para defender que se atira para este caldeirão de lama?
A consequência é clara: escasseiam ideias, soluções e referências. Multiplicam-se promessas irrealistas e repete-se o mesmo receituário falhado – lançar dinheiro sobre os problemas substitui as reformas estruturais, e as obras públicas anunciadas servem mais os ciclos mediáticos do que, nalguns casos, o interesse público. É factual que desde o 4.º trimestre de 2015, houve um crescimento de 45% dos empregos públicos nas carreiras de dirigentes superiores e intermédios, atingindo 15.921 no 4.º trimestre de 2024 e o número de funcionários públicos total também tem aumentado (+14% desde 2015). E o que deste esforço pesado no bolso dos contribuintes resultou?
A Saúde agoniza com tempos de espera insuportáveis, profissionais exaustos e utentes abandonados. A Educação luta para não perder professores, qualidade e relevância. A Habitação tornou-se um pesadelo para uma geração inteira e não só para os que chegam, iludidos com uma politica socialista de “portas escancaradas” e de vendedores de sonhos. A Segurança Social é insuficiente e desigual em tantos e tantos casos. A Justiça é lenta, ineficaz e, por vezes, incompreensível. A Defesa, combate contra décadas de desinvestimento e se aparece a bota do pé esquerdo falta a bota do pé direito. A corrupção, por sua vez, essa tende a permanecer como chaga aberta, sem sanção nem exemplo.
O País vive num equilíbrio precário, onde os números macroeconómicos escondem realidades microdramáticas. O sistema fiscal continua injusto, pesado e penalizador para quem trabalha e produz. A inflação consome os aumentos nominais das pensões. E a imigração, em vez de ser encarada como oportunidade, é mal gerida, improvisada e geradora de tensões evitáveis.
Não é só a juventude que perdeu a esperança e que emigra enquanto tem força. São os reformados, os profissionais qualificados, os empresários e os cidadãos comuns. Todos veem esgotar-se, dia após dia, a confiança num sistema político-partidário que não responde, não muda, não se renova.
A aproximação de mais um ciclo eleitoral, que como a Páscoa devia anunciar um tempo novo, surge antes como uma pedra pesada sobre o túmulo da confiança, adiando – mais uma vez – a ressurreição da fé dos cidadãos na democracia. Votar em quê? Votar em quem? Votar para quê? Não votar, resolve? Quando até os mesmos de sempre reaparecem a propor uma “salvação nacional” sob a forma de Bloco Central — que se não é mais parece um bloco dos interesses —, a pergunta impõe-se: estaremos mesmo a viver uma democracia funcional?
Perante o esgotamento evidente do sistema atual, a sobrevivência política já não basta. O país precisa de uma reabilitação democrática e ética. E isso exige ação consciente, protagonismos novos, ideias frescas e muita coragem política.
A regeneração política não se faz com discursos: exige um programa claro e ambicioso. A Reforma do Estado é necessária – uma administração pública mais ágil, eficiente e digital; a Justiça tem que ser célere e pedagógica – sanções eficazes e dissuasoras; a Educação precisa de propósito – inovação curricular, valorização do professor e foco na excelência; o Serviço Nacional de Saúde tem que ser funcional – com cuidados primários reforçados e retenção de profissionais – com o apoio dos privados, capazes de fazer o que o público teima em querer fazer; a Habitação precisa ser acessível – política fiscal incentivadora e urbanismo reabilitador; a Reforma Fiscal tem que ser justa – mais progressividade, menos burocracia, mais dinheiro no bolso do contribuinte; a Imigração controlada e regulada – mais humanista, integradora e disciplinada, a Defesa credível, com investimento estratégico e valorização dos militares, reconhecendo o papel das Forças Armadas como um pilar soberano e moderno do regime democrático; o combate à corrupção tem que ser efectivo – com meios reforçados e autonomia total das entidades fiscalizadoras; o Plano Nacional de Coesão tem que ser territorial – investimento real e continuado no interior e ilhas; a participação cívica tem que ser alargada – primárias abertas, referendos locais, consulta digital, voto eletrónico e, “last but not least”, os nossos políticos têm que primar por Rigor e Verdade – fim das promessas ilusórias, compromisso com a transparência.
A frase “depois, não se queixem” é dura, mas necessária e a responsabilidade é de todos nós. Se não travarmos esta “marcha de condenados”, a democracia enfraquecerá. Se não exigirmos responsabilidade, verdade e visão, restar-nos-á a resignação.
Votar é mais do que um direito — é um dever e uma arma de transformação. Mas uma arma mal usada pode deixar-nos desarmados. Está nas nossas mãos: ou arrepiamos caminho com exigência e lucidez, ou seremos cúmplices de uma decadência sem retorno. Tal como a Páscoa celebra a vida nova que renasce do sacrifício, também o voto deve ser o ato consciente de quem não desiste da esperança, mas a deposita, com fé e coragem, no futuro que juntos queremos ressuscitar.
Coronel