Depois de muitos anos afastada do palco, Xana voltou a estar debaixo dos holofotes no dia em que comemorou os seus 60 anos. A data especial ficou marcada pelo regresso dos Rádio Macau, que deram um concerto na Casa de Pedra, no Parque da Bela Vista, em Lisboa. Um regresso há muito esperado (e também inesperado) que levou as redes sociais ao rubro ao verem ao vivo a rainha do rock português.
Há muito que se falava num possível regresso da banda, mas até à data nunca tinha acontecido. Xana, em 2016, numa entrevista ao Expresso, não se quis comprometer. «Não sei, é imprevisível. O real é o que não se espera, nem há lugar para o esperar.. Nada está determinado. Tudo pode acontecer. A vontade não se perdeu. Não estou zangada com a música, muito menos com os Rádio Macau. Continuam a ser os meus melhores amigos, são meus irmãos, tenho com eles uma relação fraterna. Mas agora as coisas ainda estão assim…».
O reconhecimento da banda é merecido e foi logo ditado com a sua estreia, em 1984, que não podia ter corrido melhor. O álbum tinha apenas o nome Rádio Macau e contava com o êxito Bom Dia Lisboa. Nessa altura, ascríticas não se fizeram esperar ao considerarem o grupo como um dos mais importantes da música moderna portuguesa.
Dois anos depois editaram o Spleen, em que se destaca o texto de Pedro Malaquias – que passaria a ser colaborador regular nas letras dos Rádio Macau – para o tema Entre a Espada e a Parede. Desse álbum também o saiu o êxito Há Dias Assim.
Depois de uma série de concertos inseridos numa digressão que passou por Espanha, Berlim e Grécia, editaram o Elevador da Glória, em 1987 com as guitarras a conquistarem um maior protagonismo, tornando-se o álbum mais vendido do grupo e com a música O Anzol a ganhar estrelato.
Dois anos mais tarde foi a vez de lançarem O Rapaz do Trapézio Voador e em 1992 A Marca Amarela. É preciso esperar oito anos para regressarem novamente ao estúdio, lançando Onde o Tempo Faz a Curva.
No entanto, este afastamento da banda não significou uma pausa para a música. Tanto Xana como Flak – guitarrista do grupo – aproveitaram essa pausa para desenvolverem projetos a solo.
O regresso só voltou a acontecer em 2003 com o álbum Acordar que contou com a participação de Ana Deus (Três Tristes Tigres) e de Samuel Palitos (ex-Censurados, Sitiados e Lulublind). Mais tarde lançaram Grandes Êxitos (em 2004), Disco Pirata (2005) e 8 (2008).
‘A vida num só dia’
Os Rádio Macau juntaram-se em Algueirão-Mem Martins, em Sintra, no início da década de 1980. Em 2001, Xana numa entrevista a Ana Sousa Dias, à RTP2, fez uma reflexão sobre o panorama musical português no pós-25 de Abril e os primeiros anos da banda. «Depois do 25 de Abril, e no início dos Rádio Macau, em Portugal havia um certo sentimento de inferioridade – acreditava-se que só o que vinha do estrangeiro é que era bom e tinha qualidade», daí a opção de cantar sempre em português. «Cantar em português teve a ver com isso, temos de conseguir, temos de ser tão bons como os outros. Cantar numa língua estrangeira, nomeadamente em inglês, seria um gesto de subserviência», confessou.
A vontade de cantar aliada à década em que apareceram – boom da música rock portuguesa e que contava com nomes, como Rui Veloso, Xutos e Pontapés, GNR, entre muitos outros – deram frutos. «Por vezes questiono-me como foi possível toda aquela sequência de eventos, a exigência que tínhamos de responder com aquela rapidez. Há o início de um caminho, que por vezes percorremos em linha reta sem grandes sobressaltos, outras vezes aos trambolhões, outras com alguma criatividade. Tudo o que se passou em 1983 e em 1984, a gravação do disco, a vivência em Lisboa, foi inesperado, rápido. Era a vida num só dia a acontecer», chegou a afirmar a vocalista em conversa publicada na página da Fonoteca do Porto.
Na mesma entrevista confessou que foi um movimento que existiu naquela década em Lisboa. «Há a questão do imprevisível, que foi aceite por todos. É aceite quando somos muito novos. Fomos mais abertos ao inesperado do que quando nos tornámos mais adultos. E interiorizámos isso de uma forma muito autêntica. Queríamos fazer acontecer coisas. E isso era algo que existia não só nos Rádio Macau, mas com outros grupos. Foi um movimento que existiu naquela década em Lisboa. Sentia-se que as pessoas queriam fazer acontecer coisas. No meu entendimento, tinha a ver com o período que estávamos a viver em Portugal. O 25 de abril tinha acontecido há menos de dez anos e toda a cultura do país – não eram só os músicos, mas os pintores, cineastas, também – estava a querer exprimir-se. Todos queríamos contribuir para um outro país».
Curta passagem
Xana teve uma curta carreira a solo. Em 1994 lançou o álbum As Meninas Boas Vão para o Céu, as Más para Todo o Lado e, quatro anos mais tarde, Manual de Sobrevivência. Entretanto licenciou-se em Filosofia, ficando longe dos olhares atentos dos fãs que há tanto esperam pelo seu regresso à música.
Ao Expresso revelou o que a idade lhe tem ensinado: «Ensinou-me a ser mais tolerante. Não sou tão impulsiva. E gosto cada vez mais das pessoas. Acho que os seres humanos têm graça, com os seus disparates e loucura! Se fosse ET estava a olhar para a humanidade e achar-nos com graça. Somos seres criadores incríveis».
Quanto a ser considerada um exemplo não hesitou: «Não gosto muito que me considerem exemplo para nada. Os Rádio Macau são exemplo para nós próprios. A única coisa que posso dizer é que nos divertimos imenso, foi uma época importante para a nossa formação e penso que contribuímos para aquele período da cultura portuguesa», disse em declarações ao Observador. E em jeito de balanço acrescentou:_«Ainda hoje me interrogo como é que foi possível toda aquela sucessão de acontecimentos, a velocidade com que tudo aconteceu. Aconteceu tudo depressa. Orgulho-me muito, tivemos capacidade para responder a todas as exigências com rapidez. E não nos saímos mal».