O mundo perdeu um homem bom

Mostrar convicções e ser coerente é algo que hoje em dia parece ter caído em desuso na política portuguesa. A morte de Francisco é um exemplo disso mesmo. Felizmente os eleitores sabem distinguir as reações sinceras das oportunistas.   

Em política, há quem acredite que na hora de escolher um novo líder os eleitores optam sempre por um candidato que é o oposto daquele que está prestes a deixar o cargo. Isso verificou-se, sobretudo, nas eleições americanas. Recuando ao final do século XX, a George H. W. Bush seguiu-se o popular Bill Clinton, que por sua vez foi sucedido pelo conservador George W. Bush. A este seguiu-se Barack Obama que, depois de se tornar o primeiro afro-americano na Casa Branca abriu o caminho ao multimilionário branco Donald Trump cuja presidência foi apenas “interrompida” por Joe Biden. Todos escolhas marcadamente diferentes do antecessor.

Agora que vivemos os dias excecionais da morte de um Papa, é importante recordar que essa teoria de alternância de personalidades e políticas também é aplicada à escolha do líder da Igreja Católica por parte dos 135 cardeais com direito a escolher o futuro Sumo Pontífice. Como vários cardeais e teólogos têm recordado em jornais, rádios e televisões em Roma – e no Vaticano em especial – há um ditado que todos têm repetido: a «um papa gordo sucede um papa magro».

Por isso, para percebermos que género de líder poderá ter a Igreja Católica, fará sentido começarmos por olhar para o próprio Francisco, o papa sorridente que veio do «fim do mundo» para comandar a igreja de Cristo. Ele foi muitas coisas: o primeiro papa latino-americano, o primeiro jesuíta, o primeiro a tomar posse com o sucessor ainda vivo, o primeiro a visitar terras como o Iraque e os Emirados Árabes Unidos, o primeiro a viver fora do Palácio Apostólico – e também o primeiro Francisco. Tentou fomentar o diálogo inter-religioso, atribuiu cargos de responsabilidade a mulheres, tentou fazer da igreja um lugar menos reverencial, aproximá-la dos fiéis e das periferias – dos locais como aquele de onde ele provinha.

Falou publicamente contra as leis que criminalizavam a homossexualidade e acolheu membros da comunidade LGBT – apesar de ter usado termos ofensivos contra essa mesma comunidade em privado. Defendeu os pobres, os migrantes, tentou democratizar a Igreja. Teve um papel ativo na política mundial – deixou clara a preferência por Joe Biden nas presidenciais americanas de 2020 –, visitou mais de 60 países, incluindo locais perigosos como o Egito e a República Centro Africana mas nunca regressou à Argentina como Papa.  Todas estas características, elogiadas publicamente na hora da sua morte, tiveram obviamente reações entre uma parte da Igreja que nelas não se reviam. E algumas delas – como o facto de provir da América Latina ou ser jesuíta – servirão para eliminar candidatos à sua sucessão. Entraremos novamente nos equilíbrios que regem a relações entre homens e instituições – mesmo as religiosas. 

Para o que mais importa neste momento: o mundo perdeu um homem bom, que tentou der esperança aos pobres e desfavorecidos, que acolheu aqueles que estavam à margem da Igreja tornando-a um lugar onde todos pudessem ter um lugar e uma voz. Ao mesmo tempo as suas posições, complexas por natureza dentro da doutrina cristã, não agradaram a todos, mas isso faz parte do papel de um líder: fazer aquilo que acredita ser melhor para a sua comunidade. 

Mostrar convicções e ser coerente é algo que hoje em dia parece ter caído em desuso na política portuguesa. A morte de Francisco é um exemplo disso mesmo. Ela parece ter unido todos os líderes partidários, da esquerda à direita, num pesar unânime sendo que cada um escolheu os aspetos da vida e da mensagem de Francisco que mais lhe convinham salientar para potenciar a sua própria imagem ou mensagem, mesmo que não partilhem das suas crenças ou tivessem concordado com as suas políticas. Felizmente os eleitores sabem distinguir as reações sinceras das oportunistas.   

Com a série de debates entre candidatos às legislativas quase a terminar, felizmente estará também a chegar ao fim a maratona de debates sobre os debates e de debates sobre os debates que debateram os debates. Quem tem seguido com a mínima atenção o que se tem passado nas televisões portuguesas poderá ficar com uma imagem que se traduz mais ou menos nas seguintes conclusões: André Ventura perde todos os confrontos, Pedro Nuno Santos sai de cada debate com um ar mais credível, Rui Tavares vence todos os frente-a-frente, tal como Mariana Mortágua, Paulo Raimundo é uma surpresa de eficácia e Luís Montenegro tem-se poupado às críticas uma vez que foi substituído algumas vezes por Nuno Melo. As prestações de Rui Rocha variam e Inês Sousa Real esforça-se por existir.

É pena que a maioria dessas conclusões não pareça  ter correspondência com as intenções de voto expressas pelos portugueses nas várias sondagens e estudos de opinião. Tal como não tiveram nos resultados das mais recentes legislativas.

Aqui há uns anos, era hábito os partidos políticos acusarem as empresas de sondagens de manipulação cada vez que havia uma discrepância entre os resultados e as previsões eleitorais. Mas pior do que diferenças em estudos que têm sempre margens de erro são as manipulações de comentadores que, sob uma capa de suposta isenção, levam as suas convicções pessoais para as análises das prestações dos candidatos, esquecendo-se que os políticos estão ali a falar para um eleitorado específico. É nessa eficácia que se deve avaliar se alguém ganha ou perde um debate. Espera-se que, pelo menos no confronto que importa – entre Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro – haja realmente isenção e profissionalismo.

nuno.pinto@newsplex.pt