Papa. Os últimos dias de Francisco

A saída do hospital e as aparições públicas, principalmente a que aconteceu no dia de Páscoa, trouxeram a esperança a milhões de católicos de que o sumo pontífice estaria a melhorar. Os médicos preferiam que tivesse parado mas Francisco decidiu continuar a levar adiante a missão de Deus. Até ao seu último suspiro

Depois de ter aparecido à varanda da basílica de São Pedro, no Vaticano, para presidir à tradicional bênção Urbi et Orbi – que apenas pode ser dada pelo Papa –, no dia de Páscoa e de ter saudado a multidão através do seu papamóvel, foi com surpresa que o mundo recebeu a notícia da morte do Papa Francisco no dia seguinte. 

Os últimos dias do Sumo Pontífice pareciam mostrar uma melhoria do seu estado de saúde até porque foi aparecendo em público em momentos pontuais. Na Quinta-feira Santa, dia 17, passou 30 minutos numa prisão em Roma. E no domingo de manhã ainda teve um breve encontro de 10 minutos com o vice-presidente norte-americano, JD Vance na residência de Santa Marta. O tempo suficiente para Francisco entregar vice-presidente dos EUA três ovos da Páscoa de chocolate para os seus filhos mais novos, terços e uma gravata do Vaticano.

Ao contrário do que lhe foi recomendado pelos médicos que trataram a pneumonia que levou ao seu internamento, Francisco preferiu não parar. Na residência de Santa Marta, onde vivia, assistia às missas e trabalhava no escritório. Mas  ainda que quisesse escondê-lo, nas aparições públicas foi visível a voz fraca e cansada. 

Apesar disso, o Vaticano quis sempre transmitir uma mensagem de esperança e assegurou algumas vezes que o estado de saúde do papa estava a evoluir. Desde que saiu do hospital, esteve sempre rodeado por uma equipa médica, dia e noite. Durante esse tempo, rezava muito, escrevia e assinava mensagens.

Na sua última aparição, o Papa não estava sequer a usar os seus óculos nasais conectados a oxigénio, algo que usou em muitas das ocasiões em que surgiu em público desde que recebeu alta. No passeio que fez no domingo de Páscoa, o veículo do pontífice avançou lentamente entre a multidão com temperaturas a rondar os 21 graus. Cerca de 35 mil fiéis gritavam viva il Papa (viva o Papa), naquela que foi a última vez que o Sumo Pontífice recebeu o calor dos fiéis de forma tão intensa. O papamóvel ainda fez algumas paragens para que Francisco pudesse abençoar bebés trazidos pelos assessores papais. Câmaras, lágrimas e sorrisos. A emoção de ver ali Francisco, que pela primeira vez não celebrou as missas pascais, foi real.

A ÚLTIMA MENSAGEM

Antes de saudar a população emocionada por vê-lo ali de surpresa, Francisco ainda dirigiu parcas palavras aos fiéis. «Caros irmãos e irmãs, boa Páscoa a todos», disse. A mensagem, lida pelo mestre de cerimónias, Diego Ravelli, foi dirigida ao tempo de Ressurreição e de derrota sobre o mal vivido pela Igreja. Mas foi mais que isso. «Quanto desejo de morte vemos todos os dias em tantos conflitos que ocorrem em diferentes partes do mundo! Quanta violência vemos com frequência também nas famílias, dirigida contra as mulheres ou as crianças! Quanto desprezo se sente por vezes em relação aos mais fracos, marginalizados e migrantes!», lembrou Francisco, acrescentando que gostaria «que voltássemos a ter esperança e confiança nos outros, mesmo naqueles que não nos são próximos ou que vêm de terras distantes com usos, modos de vida, ideias e costumes diferentes dos que nos são familiares, porque somos todos filhos de Deus!». E atirou: «Gostaria que voltássemos a ter esperança de que a paz é possível!».

Francisco mostrou-se preocupado com todas as guerras do mundo e alertou: «Não é possível haver paz onde não há liberdade religiosa ou onde não há liberdade de pensamento nem de expressão, nem respeito pela opinião dos outros. Não é possível haver paz sem um verdadeiro desarmamento!».

E falou também ao poder político. «Apelo a todos os que, no mundo, têm responsabilidades políticas para que não cedam à lógica do medo que fecha, mas usem os recursos disponíveis para ajudar os necessitados, combater a fome e promover iniciativas que favoreçam o desenvolvimento. Estas são as “armas” da paz: aquelas que constroem o futuro, em vez de espalhar morte!».

Foi a sua última aparição. No dia seguinte, quando acordou, estava de bom humor, o que lhe era característico. Os primeiros sinais de «doença súbita» surgiram pelas 5h30. «Pouco mais de uma hora depois, enquanto fazia um gesto de despedida com a mão para [Massimiliano] Strapetti… o pontífice entrou em coma», disse o Vaticano, garantindo que o Papa não sofreu, uma vez que «aconteceu tudo muito rápido». Foi a Strapetti que o Papa terá dirigido as suas últimas palavras, agradecendo por o encorajar a passear pela Praça de São Pedro.

Às 7h35 de Roma (menos uma hora em Lisboa), Francisco morreu vítima de um AVC e paragem cardíaca irreversível. Pelas 9h47, o cardeal Kevin Joseph Farrell, camerlengo da Igreja Católica, fez o anuncio: «Caríssimos irmãos e irmãs, com grande mágoa venho anunciar a morte do nosso Santo Padre Francisco». E o mundo – católicos ou não – chorou. Mas, como Francisco escreveu em fevereiro deste ano, ainda antes de ser internado, «a morte não é o fim de tudo, mas um novo começo».