Trump em guerra com universidades

Com o congelamento de fundos federais a Harvard e o processo da universidade ao governo, o braço de ferro entre o executivo e a academia atingiu um novo patamar.

Os primeiros três meses da nova presidência de Donald Trump têm sido frenéticos. As ruturas com a anterior administração são evidentes em vários vetores, da abordagem aos conflitos na Ucrânia e no Médio Oriente ao imbróglio tarifário que resultou do “Dia da Liberação” no dia 2 de abril. Mas há ainda uma outra guerra que não merece ser descurada: a guerra com as universidades.

A nova política para o ensino superior tem provocado celeuma no ambiente universitário e, na terça-feira, a Universidade de Harvard – uma das mais prestigiadas do mundo – chegou mesmo a processar a administração americana. Poucas horas depois, centenas de membros de mais de 100 universidades dos Estados Unidos assinaram uma carta conjunta que desafia o executivo a cooperar com um dos pilares fundamentais do desenvolvimento americano, e Trump aparenta estar disponível para dialogar.

Mudança de paradigma

O braço de ferro entre a academia e a Casa Branca está a atingir, nesta fase, um ponto de rutura crítico. Mas a guerra começou em janeiro, uma semana depois de Donald Trump ter tomado posse no interior do edifício do Capitólio.

No meio das assinaturas desenfreadas de ordens executivas encontram-se, entre 21 de janeiro e 04 de abril, vinte e sete que consumam a rutura que os Republicanos vinham prometendo desde a campanha eleitoral. O American Council on Education dividiu-as em oito grupos consoante o tema visado por cada ordem executiva: «OE e ações executivas relacionadas com a diversidade, a equidade e a inclusão (DEI)», «OE sobre o ensino superior e o antissemitismo/Titulo VI», «OE que afetam o ensino superior e a imigração», «OE com impacto no Título IX», «OE com impacto na sustentabilidade», «OE e ações executivas com impacto nas dotações das universidades», «OE com impacto no perdão de empréstimos a estudantes» e, por fim, «OE e ações executivas com impacto nas operações governamentais».

Harvard resiste

Estas ordens colocam uma série de exigências às instituições de ensino, e o executivo tem exercido pressão para que as universidades as cumpram. Porém, a Universidade de Harvard – uma das cinco melhor classificadas instituições de ensino superior do mundo – não cedeu, e o confronto atingiu outro patamar.

Na carta dirigida a Alan Garber, presidente de Harvard, e a Penny Pritzker, membro principal da Harvard Corporation, o governo afirma que «Harvard não tem conseguido, nos últimos anos, cumprir as condições em matéria de direitos intelectuais e civis que justificam o investimento federal». Por conseguinte, deveriam cumprir as exigências do executivo, que podem ser consultadas aqui: (https://www.harvard.edu/research-funding/wp-content/uploads/sites/16/2025/04/Letter-Sent-to-Harvard-2025-04-11.pdf). Na carta de resposta os advogados que Harvard escolheu para representar a instituição nesta batalha contra o governo, William A. Burck e Robert K. Hur, deixaram claro que a Universidade não respeitaria as imposições: «É lamentável, portanto, que a sua carta ignore os esforços de Harvard e, em vez disso, apresente exigências que, em violação da Primeira Emenda, invadem as liberdades universitárias há muito reconhecidas pelo Supremo Tribunal», escrevem os advogados, que finalizam a carta da seguinte forma: «Harvard não está preparada para concordar com exigências que ultrapassam a autoridade legal desta ou de qualquer administração».

Perante esta resistência, a Casa Branca anunciou, a 14 de abril, o congelamento de 2,2 mil milhões de dólares em subsídios e 60 milhões de dólares em contratos com a Universidade. Num comunicado posterior a este anúncio, Garber destacou a importância elevada que tem a investigação levada a cabo na Universidade e sublinhou as «exigências sem precedentes feitas pelo governo federal para controlar a comunidade de Harvard», garantindo que «a Universidade não abdicará da sua independência nem dos seus direitos constitucionais».

Batalha judicial

Perante o congelamento dos fundos, Harvard avançou com um processo legal contra a administração Trump, e «a medida surge apenas um dia depois de a administração Trump ter alegadamente planeado cortar mais mil milhões de dólares em subsídios e contratos federais a Harvard», avançou o diário estudantil The Harvard Crimson. A queixa contra o executivo estende-se por 51 páginas e apela para que o tribunal «declare ilegal o congelamento de 2,2 mil milhões de dólares, bem como quaisquer congelamentos feitos em ligação com “condições inconstitucionais”», escreveu o mesmo jornal.

Na segunda-feira, membros de mais de 100 universidades assinaram um «apelo ao diálogo construtivo», onde frisam «a ingerência governamental sem precedentes e a interferência política que atualmente põem em perigo o ensino superior americano», mostrando-se «abertos a uma reforma construtiva». «Em nome dos nossos atuais e futuros estudantes», remata o baixo assinado, «apelamos a um compromisso construtivo que melhore as nossas instituições e sirva a nossa república». Ainda assim, e mesmo que aparentemente haja uma abertura ao diálogo por parte de Trump, «neste momento não está a ser considerada qualquer reunião», disse um membro da Casa Branca à CNN.

Assim, o braço de ferro entre o governo e a comunidade académica continua no país que conta com a melhor e mais prestigiada rede de ensino do mundo.