Na manhã do dia 21 de abril, o mundo foi surpreendido com a notícia da morte do Papa Francisco. O mundo sentiu-se órfão, não só porque «Papa» significa «Pai», mas porque crentes e não crentes reconheciam no Papa Francisco uma paternidade moral e espiritual que o nosso mundo, marcado por guerras, violência e ódios, tanto necessita.
O pontificado do Papa Francisco ficou sempre marcado pelas surpresas… um Papa «do fim do mundo», como o próprio disse. Um nome nunca adotado por um Papa. Uma forma de se apresentar diferente. No entanto, podemos ficar apenas por aspetos externos e perder toda a profundidade do pensamento, ação e palavra do Papa. Gostava de lembrar que mais que olhar para o Pontificado como algo do passado, temos de reconhecer como somos responsáveis por o continuar hoje.
Ao longo de mais de uma década, assistimos a uma liderança espiritual profundamente humana, centrada no essencial: o Evangelho de Jesus Cristo e a dignidade de cada pessoa. Podemos dizer que a sua liderança é do coração e da consciência, ou seja, usou a linguagem que alcança todos: crentes e não crentes, pobres e poderosos, jovens e idosos.
Em primeiro lugar, Francisco aproximou a Igreja do povo, de uma forma totalmente nova. Falando de forma simples e direta, com gestos concretos, resgatou a beleza da fé vivida no dia-a-dia. A sua insistência na misericórdia não foi apenas teológica: foi pastoral, existencial. Ele quer uma Igreja «em saída», que não espera sentada nos templos ou fechada na sacristia, mas vai ao encontro dos pobres, dos esquecidos, dos feridos da vida. Há lugar para todos na Igreja. Sob a sua liderança, o catolicismo falou ao coração. Redescobrimos a alegria do Evangelho, a santidade no quotidiano, a oração como encontro com um Deus que não condena, mas abraça.
Em segundo lugar, Francisco nunca se quis político no sentido mundano. Mas é, sem dúvida, uma das vozes políticas mais relevantes do nosso tempo. Não por ambição, mas por coerência evangélica. Quando fala dos migrantes, dos sem-abrigo, das vítimas da guerra ou da exclusão, fá-lo como quem vê em cada um deles o rosto de Cristo. Por isso, várias vezes lembrou uma verdade tão afirmada no pensamento católico: a política é uma das formas mais nobres de caridade. Em especial, a paz foi um tema incontornável no pensamento do Papa e, ao lermos o seu testamento, percebemos que era incontornável também no seu coração: «O sofrimento que esteve presente na última parte da minha vida ofereço-o ao Senhor pela paz no mundo e pela fraternidade entre os povos», escrevia no documento de 29 de junho de 2022 e agora publicado. Que o regresso à Casa do Pai do Papa Francisco seja oportunidade para se abrirem caminhos de paz profunda e duradoura em todas as geografias em que a guerra e a violência continuam a espezinhar a dignidade humana.
Terceiro, num tempo em que as alterações climáticas, a destruição dos ecossistemas e a cultura do descarte ameaçam o futuro do planeta, Francisco lançou um apelo à consciência coletiva com a encíclica Laudato Si’. Ali, defende uma «ecologia integral» que une o cuidado da Terra ao cuidado das pessoas, especialmente as mais vulneráveis. «Tudo está interligado», repete várias vezes o Papa, para, mais uma vez, mostrar que é a origem de tudo em Deus, Criador e Redentor, que funda os novos caminhos que devem ser percorridos. O Papa ensina-nos que a crise ecológica é também uma crise espiritual e ética. Convida-nos a mudar estilos de vida, hábitos de consumo e a reencontrar o sentido de pertença a uma casa comum. Neste sentido, é essencial alertar que muitas vezes se perdeu o sentido mais profundo das afirmações do Papa. A ecologia para Francisco não é uma ideologia, mas um compromisso com Deus.
Em suma, o Papa teve a capacidade de nos conduzir à autenticidade do Evangelho: na simplicidade dos seus gestos, nas imagens fortes que usava e nos gestos proféticos, em tudo imitou Cristo, que viveu pobremente, que usava parábolas para ensinar os discípulos e que não temia empreender gestos que eram disruptivos. Francisco soube, ao jeito de Jesus, ser profeta hoje, sobretudo sendo anunciador de uma proposta de vida que valorizava a partir da união com Cristo. O ser humano, cada homem e cada mulher, não é só destinatário de uma mensagem a transmitir, mas cada um é chamado à redenção, a receber uma vida nova, um novo caminho.
O seu legado ultrapassa fronteiras e ideologias. Será recordado como o Papa que, numa época do ruído e do cansaço, apontou caminhos de esperança. Enfim, o Papa Francisco foi e é o homem para este tempo, devolvendo a alma ao mundo.
Patriarca de Lisboa