A liberdade dos lunáticos

Não, não podemos oficializar e institucionalizar discursos lunáticos que só interessam a quem quer hostilizar os imigrantes.

Portugal é um país paradoxal. O povo é tolerante, sereno e tranquilo. Prefere sempre o consenso ao conflito. As maiores crises são navegadas sem grandes convulsões. A democracia instalou-se depois de alguns solavancos. Houve perdão para a nomenclatura do antigo regime e para os agentes da Pide, para os esquerdistas que quiseram tomar conta do país, e até para aqueles que, depois, praticaram atos terroristas. Os retornados integraram-se de forma exemplar, sem ressentimentos. As sucessivas crises foram ultrapassadas com dor, alguma impaciência, mas sem revolta. Em poucas décadas, o país que era conservador, tradicionalista e ignorante ajustou-se às tendências contemporâneas. Se há homofobia e racismo, a verdade é que esses fenómenos são hoje mal vistos e denunciados pela maioria dos cidadãos.

Esta ‘pax lusitana’ é mais evidente para quem nos visita – ou para quem por cá se instala temporária ou definitivamente – do que para nós.

Ainda assim, vencida a crise financeira e debelado o covid, o custo de vida em que se inclui a habitação e a crise na saúde afligem a todos e há pessoas preocupadas com a imigração, outras com a segurança, e há também quem confunda ou misture as duas coisas.

Neste cenário, que favorece e vai sendo aproveitado pelas franjas populistas do espetro político, não podemos ser condescendentes. Sabemos, pelo que no passado sucedeu em outros países,que um súbito aumento no número de imigrantes introduz alterações profundas nas dinâmicas sociais.

Conviria, por isso, que se gerasse, como é nossa tradição, um consenso, pelo menos entre os partidos tradicionais, e que houvesse bom senso. O consenso parece alcançável, mesmo que custe ao PS admitir que, durante a sua governação não se apercebeu da dimensão da maré e reconhecer que, ao acabar com o SEF e criar a AIMA substituiu um experiente um capitão por um grumete em plena tempestade.

Dita o bom senso que necessitamos de imigrantes, e que estes não podem ser vistos como um mero fator de produção. Temos de regular os fluxos, e todos os que são admitidos devem ter garantias e direitos equivalentes aos nossos, o que implica que sejam criadas condições de acolhimento e integração.

Obviamente, cada um tem a plena liberdade de formular a sua opinião de acordo com as suas convicções, e de escolher, pelo voto, quem melhor o represente. Continuará a haver quem defenda que é preciso travar a imigração, e quem ache que ela não deve sequer ser regulada. Essa liberdade de opinião não deve, contudo, abranger o exercício de cargos públicos de nomeação.

Vem isto a propósito das recentes declarações de Pedro Góis, Diretor Científico do Observatório das Migrações, defendendo que os imigrantes devem ter prioridade no acesso à habitação pois «a população nacional pode ficar em casa dos pais mais alguns anos». Claro que o senhor em causa é colega do mítico Boaventura Sousa Santos no CES de Coimbra, o que recomenda que não o levemos a sério. O problema é que fala de cátedra. Até porque conviremos que nada há de científico na sua proposta que é, apenas, provocadora e discriminatória e já contribuiu para acirrar os sentimentos e os discursos xenófobos.

Para ser claro, este senhor professor devia ser demitido de imediato do seu cargo, para depois, como sociólogo e militante das suas causas, ter toda a liberdade para dizer, onde lhe aprouver, tais dislates. Não, não podemos oficializar e institucionalizar discursos lunáticos que só interessam a quem quer hostilizar os imigrantes.