Francisco: uma voz para o nosso tempo

Francisco foi uma voz irreverente num mundo que se habituou à resignação.

Nas grandes encruzilhadas da História, surgem vozes capazes de romper o ruído e devolver-nos ao essencial. Há doze anos, o mundo escutou uma dessas vozes: a de Jorge Mario Bergoglio, o Papa Francisco. Muito mais do que o chefe espiritual da Igreja Católica, foi – e é – um exemplo vivo de entrega, coerência e compromisso com os valores universais da Paz, do Amor e da Fraternidade. A sua liderança não foi feita de estridência, mas de presença. E hoje, num mundo que parece cada vez mais fragmentado, é inevitável reconhecer: precisávamos – e precisamos – de Francisco.

Desde o primeiro momento, o Papa Francisco assumiu um magistério com os olhos postos nas periferias. Em 47 viagens apostólicas, levou a sua voz e a sua escuta às geografias esquecidas do planeta – e às periferias existenciais que tantas vezes não cabem nos mapas. Com humildade e coragem, apontou-nos o caminho de uma fé vivida com os pés no chão e o coração aberto. E deixou um alerta que ressoa particularmente na nossa Europa: é urgente olhar para lá das nossas fronteiras e romper com a lógica confortável dos aliados de sempre. Este não é apenas um apelo religioso – é um grito de consciência sobre os valores que nos definem como civilização.

Enquanto cidadã e como católica, mas também – e talvez sobretudo – como política, não posso ignorar essa interpelação. Vivemos num tempo em que os princípios que fundaram a União Europeia – a dignidade humana, a solidariedade, a paz – enfrentam desafios dentro e fora dos muros da Europa. O contributo de Francisco foi, neste contexto, de uma lucidez rara. Mostrou-nos que a defesa desses valores exige mais do que proclamações: exige ação, compromisso e, sobretudo, empatia. Exige, precisamente, derrubar muros.

As suas quatro encíclicas são o testemunho escrito desse percurso. Em Lumen Fidei, reafirmou a centralidade da Fé num tempo de dúvidas e desorientação. Em Amoris Laetitia, falou do Amor com a sensibilidade e realismo de quem conhece a fragilidade das relações humanas. Fratelli Tutti é um verdadeiro manifesto por uma amizade social global, onde o outro não é inimigo, mas irmão. E Laudato Si’ marcou, pela primeira vez, o ambiente como prioridade moral, lembrando-nos que a nossa ‘casa comum’ não pode continuar a ser negligenciada em nome do lucro ou da inércia.

Mas o mais notável em Francisco foi, talvez, a sua capacidade de viver o que pregava. Não se limitou a escrever: praticou. Não se escondeu atrás das paredes do Vaticano: foi ao encontro. Não ficou prisioneiro de formalismos: falou com clareza, com afeto e, muitas vezes, com a firmeza necessária para abanar consciências.

Francisco foi uma voz irreverente num mundo que se habituou à resignação. Uma voz que não se calou perante a guerra, a desigualdade ou a indiferença. Interpelou-nos a todos, independentemente da fé, do estatuto ou da geografia. Falou com a autoridade moral de quem coloca os últimos em primeiro lugar, e os valores acima dos interesses.

Hoje, o mundo enfrenta desafios colossais: conflitos armados, emergência climática, crises humanitárias, ameaça à democracia e à liberdade de expressão. São tempos que exigem coragem e visão. A mesma coragem e visão que encontrámos em Francisco.

O seu exemplo deixa-nos um legado que não é apenas espiritual — é profundamente político e humano. Podemos estudá-lo, sim. Mas acima de tudo, devemos esforçar-nos por vivê-lo. A sua ausência far-se-á sentir. Mas o seu testemunho permanece, como um guia num tempo de incerteza.

Deixará muitas saudades. Mas deixa também um caminho. Cabe-nos a nós continuar a percorrê-lo.

Eurodeputada PSD