Começou aos seis anos a praticar hóquei em patins. Apaixonou-se depois pelos patins em linha e, em 2023, tornou-se a primeira pessoa a percorrer Portugal de ponta a ponta com eles. Gosta de se desafiar e está sempre em busca de uma nova aventura. Em breve, João Chalupa participará no Ironman Cascais e, mesmo sem ter experiência em Triatlo, acredita que os treinos intensivos o ajudarão a terminar a prova.
Em 2019, entrou para o Guinness World Records como o hoquista que deu mais toques na bola com o stick num minuto, com um recorde de 513 toques (cerca de 8.7 toques por segundo). Em 2023 tornou-se a primeira pessoa a percorrer Portugal de ponta a ponta em patins, numa viagem que durou 12 dias. Nessa aventura, patinou 798 quilómetros debaixo de chuva, sol, com dores e superando imensos desafios. Mas tal como admitiu à LUZ na altura, não gosta de estar parado muito tempo sem inventar qualquer coisa e quanto mais fora da caixa, «melhor é a ideia». João Chalupa prepara-se agora para participar no Ironman Cascais 2025, que ocorre a 18 de Outubro. Na competição, os atletas terão de nadar 3,8 quilómetros, percorrer 180 de bicicleta e correr 42,2.
Aos 32 anos começa por lembrar o seu último feito em cima dos patins: «Essa viagem foi das melhores coisas que me aconteceu. Não só pelo que vi, mas principalmente pelo que vivi. As memórias ficam muito vivas e alguns sítios ficam marcados no nosso coração pela beleza, pelos momentos que ali vivemos e pelas pessoas que conhecemos». Além disso, continua, foi uma «brutal superação pessoal» que lhe mostrou que «os limites estão na nossa cabeça», e quando pensamos que já não dá mais, «há sempre mais um bocadinho para dar». «Foi feita literalmente com muito sangue, suor e lágrimas e apesar de querer transmitir o que se sente, a única maneira de se perceber, é fazendo», garante.
A ideia de participar no Ironman
A bicicleta e a corrida não são uma novidade para ele, mas antes de se começar a preparar para a competição de outubro, nunca tinha treinado natação. «Sempre fui um atleta extremamente explosivo. A minha maior qualidade sempre foi a velocidade e, por norma, atletas assim não gostam de endurance e resistência. Coisas com um ritmo mais lento, mas que duram horas, como por exemplo uma maratona», explica à LUZ.
Por isso, sempre disse que algo assim não seria para si. «Entretanto fiquei mais velho, fiz 30 anos e como se diz: ‘aos 30 a nossa cabeça muda’. Comecei a ver as longas distâncias com outros olhos. Passou de um ‘Deus me livre’, para um ‘Não quero viver sem isto’», revela João Chalupa.
Depois de ter finalizado a sua viagem de patins, começou a procurar pessoas que gostassem de aventuras como as suas e deparou-se com um canal de Youtube mundialmente conhecido – Yes Theory –, que lançou um documentário sobre o Projeto Iceman, «onde um rapaz realizou o primeiro Ironman de sempre na Antártida». «O documentário estava tão bem feito e o desafio era tão insano que me apaixonei pela ideia de fazer um Ironman», admite. Mas não sabia nadar. Então, mais uma vez, colocou um desafio a si mesmo: se conseguisse aprender a nadar, inscrevia-se.
«Sem qualquer expectativa de sucesso, comecei a ir à piscina todos os dias e, em apenas um mês, passei de não conseguir fazer mais de 25 metros sem parar, para os meus primeiros 1000 metros», conta. «Percebi que com perseverança, conseguia. Arranjei treinador, juntei-me ao Vasco da Gama Atlético Clube Triatlo e, neste momento, já levo seis meses de treino intenso e algumas provas, rumo ao Ironman de Cascais 2025», acrescenta o desportista.
Uma nova valência
Começou sozinho na piscina. No entanto, acabou por pedir ajuda a Anna Mestre, uma amiga que trabalha nas piscinas de Sines como nadadora. «Ajudou-me a começar do zero na natação, até aos meus primeiros 1000 metros. Depois disso, precisei de arranjar um treinador de triatlo para conseguir perceber como este mundo funciona e ter um plano de treinos ajustado a mim nestas três modalidades», detalha.
João Chalupa treina todos os dias, uma ou duas modalidades por dia. A semana fica toda programada a cada domingo, com muitos quilómetros semanais. «Sempre que posso faço treinos musculares principalmente para prevenção de lesões. Infelizmente a mudança do hóquei em patins para o triatlo não foi fácil, com uma demanda de treinos altamente superior. Acabei por ter duas fascites plantares, uma em cada pé, que me estão a impossibilitar de correr há dois ou três meses. Mas se fosse tudo fácil, também não tinha piada», brinca.
Para participar no Ironman existem critérios e regras específicas. A mais importante de todas é ter mais de 18 anos. «Sendo uma prova muito dura, não aceitam menores», explica. Mas a maior parte das regras tem a ver com coisas que podem acontecer durante a prova. Por exemplo, não se poder andar no ‘cone de vento’ de outro ciclista (ir atrás do ciclista da frente, para se esconder do vento e desta forma, não se cansar tanto, poupando-se muito para a corrida). «Isso acaba por gerar cartões como no futebol, e cada cartão dá uma penalização ao atleta». Nas redes sociais, também já partilhou que há uma lista de sapatilhas proibidas na competição. «Foi uma informação bastante relevante porque a organização do Ironman Mundial proibiu mesmo alguns modelos de ténis e, quem os tiver, não os vai poder usar. Para minha sorte, os meus são proibidos, e tinha acabado de os comprar», ironiza.
Por ter sido uma coisa «desconhecida» até há poucos meses, o que mais lhe está a custar nos treinos é «a natação, com a técnica e a corrida». Também «muito por conta das lesões». «A natação é uma luta de sobrevivência constante. Se estamos confortáveis a fazer uma determinada distância ou um determinado tipo de treino, vem o treinador e muda tudo. Ou reduz o tempo de descanso entre séries, ou aumenta a intensidade, ou aumenta os metros. O confortável, por norma, não existe dentro de água», partilha. «Já para não falar das provas com corrente e ondas em mar aberto, considerando que comecei a nadar há sete meses», acrescenta.
A corrida está parada e «quer queira, quer não, faz muita diferença»: «Apesar de não treinar corrida, já fiz duas provas de sprint onde tive de correr. E fi-lo bastante bem, considerando a ausência de treinos».
Treinos intensivos e constantes
João Chalupa tem utilizado as redes sociais – Instagram e Tik Tok – para partilhar os seus treinos. E, como sempre, quer marcar a diferença. Há uns meses publicou um vídeo onde fez 100 quilómetros em voltas ao estádio de Aveiro com chuva e vento. «Foi mais um desafio que coloquei a mim mesmo. Sempre me fascinei por coisas que pouca gente faz ou tenta», sublinha. «Nesse dia chovia bem e eu não tinha luzes. Para evitar ser atropelado, resolvi tentar fazer 50 km à volta do estádio. Ia fazer cerca de 1h30 a 2 horas de treino e acreditava que ia ser uma loucura, mas não sabia que ia ser tanto assim. Comecei a pedalar a 30 km/h e consegui manter durante 50 km essa velocidade. Considerando a chuva e o vento que se fazia sentir naquele estádio, que me empurrava para trás com uma força absurda quando passava por um certo setor, e quando vinha no sentido oposto, pouco ou nada me ajudava, já estava a ser um feito. Mas decidi que, se tinha conseguido fazer 50, conseguiria chegar aos 100km», descreve.
Segundo o atleta, foi uma luta contra a cabeça desde o primeiro segundo em que começou a pedalar, «porque é tudo igual, durante três horas». «Vemos o mesmo chão, as mesmas portas, os mesmos buracos, as mesmas falhas nas placas de cimento. É tudo tão monótono e cansativo que é completamente propício a uma distração e queda», garante. Ao km 98 o seu cérebro «já não estava ali». «Estava no: ‘Já está… Consegui. Vai acabar!’. As placas de cimento no chão não são lisas e, em certos locais, têm quinas vivas que são suficientes para rebentar um pneu com sete bares de pressão e me mandar ao chão. Distrai-me e bati em cheio numa delas quando estava com uma mão apenas no guiador a ver o relógio. Foi quase um milagre não ter caído, nem ter furado. Dei 142 voltas a um estádio com 700 metros de perímetro. Foi das coisas mais loucas que fiz até hoje. E acho que vou querer fazer 200 um dia», revela.
Mas quem pensa que chegar a casa é sinónimo de descanso está enganado. João Chalupa continua os treinos em casa depois de um longo dia de trabalho. Em vários vídeos, vemo-lo com a bicicleta estabilizada para poder pedalar sem sair do mesmo sítio, nas várias divisões da casa. «A constância dos treinos é a parte mais difícil. Chegar a casa completamente morto do trabalho, saber que tenho de fazer duas horas de bicicleta no rolo e que vou terminar o treino às 22 ou 23 horas é um desafio enorme. Os triatletas acordam às cinco da manhã, despacham o treino e às sete ou oito horas estão livres. Eu sempre treinei muito tarde por causa do hóquei e o meu corpo lida bem com treinar de noite», afirma.
Inspiração e resiliência
Em quase todos os treinos, a sua cabeça anda numa «luta constante». «Não há treino nenhum em que a cabeça não me leve a perguntar porque estou ali, o que estou a fazer, porque raio estou a sofrer tanto ou a correr à chuva ou a pedalar 100 km contra o vento, se ninguém está ali a ver, se não vou ganhar prémio nenhum. Mas automaticamente limpo esses pensamentos e começo a imaginar coisas diferentes: ‘Como será o dia da prova? Como será a chegada? Será que a minha família vai ver? Será que vai lá estar a minha avó? Vou rir de felicidade ou chorar de alegria por ter conseguido?», desabafa.
«A resiliência vem de mim, essencialmente. Por muito que diga que estou a fazer isto pelo meu tio que faleceu, pelos meus pais, pela minha namorada (que de facto são ajudas muito grandes para não desistir), o sofrimento é tão grande que é preciso estarmos a fazer aquilo por nós, para não desistirmos», assegura.
Para o Ironman, o seu maior objetivo é mesmo «conseguir finalizar a prova». «Só por si, já é um feito para mim. Estamos a falar de 3.8 km a nadar, 180 km a pedalar e 42.2 a correr: 226 km no total. E o meu passado nas três modalidades é pouco ou nenhum. Gostaria de ter objetivos concretos, mas nunca fiz prova nenhuma destas, portanto só quero chegar ao fim!», admite.
Mais um projeto pioneiro
Em maio, o desportista vai realizar, de novo, algo único: uma corrida de patins em linha dentro de um kartódromo. A ideia da corrida partiu da sua paixão por corridas de karts e, claro, pelos patins. «Estava a pensar em possíveis aventuras novas e ideias para vídeos para a minha conta do Youtube e surgiu a ideia de realizar uma corrida de patins dentro de um kartódromo», conta. «Falei com o Roberto Fonseca, um amigo patinador que este ano foi do Porto a Lisboa em patins, e com um amigo e patrocinador de longa data, o Fernando, da Roller and Slide. Apresentei-lhes a minha ideia e nem foi preciso falar muito. Andarmos de patins dentro de um kartódromo, só por si, já era uma ideia brutal. Realizarmos uma prova para podermos juntar uma comunidade de patinadores enorme em Portugal, e que tanto nos apoia, era um sonho a tornar-se realidade», acrescenta. Dia 25 de Maio, em Ovar, no Bowlikart, os três amigos vão realizar a primeira edição daquela que chamam ‘Roller Speed Race’.
Interrogado sobre aquilo que os patins em linha têm de tão especial, João Chalupa admite que é difícil responder. «Os patins para mim são 27 dos meus 32 anos de vida. E os patins em linha são a possibilidade de poder fazer o que amo, na rua, com conforto e qualidade. São um meio de transporte, mas acima de tudo são um meio para realizar sonhos. Deram-me o que tenho hoje. Sejam em linha ou de quatro rodas, no hóquei ou na rua. Se alguém está a ler isto, devo-o aos patins e ao que fiz com eles nos pés», assegura. Recorde-se que o jovem começou a praticar hóquei em patins aos seis anos, tendo passado por clubes como União Sport Club, Sporting, Benfica, Hockey Clube de Santiago, Nafarros em Sintra, Hóquei Clube Vasco da Gama, Grândola, Murches e Sesimbra.
Outros projetos
No meio de tudo isto, foi ainda convidado para um outro desafio: a Swimrun Tâmega. «Esta oportunidade apareceu do nada. O organizador da prova viu um vídeo meu que viralizou e entrou em contacto comigo para saber se eu gostava de realizar a prova. Tinham-me falado da existência dessa prova no dia anterior e eu achei que era demasiada coincidência para eu dizer que não. É daqueles desafios que me metem medo, mas como eu gosto de dizer: ‘Faz algo que te dê medo!’. Acredito que são essas as coisas que nos marcam», admite. A prova consiste em correr e nadar várias vezes, sempre com o mesmo equipamento. «Começamos a correr x km e depois pulamos para dentro de água e nadamos com os ténis calçados e a mesma roupa que tínhamos vestida. Depois saímos da água, corremos e voltamos a nadar… Sempre assim até ao final. Há várias distâncias possíveis. Eu vou para 19 km no total, com cerca de 3000 metros a nadar», revela. «Vai ser desafiante, principalmente porque é já dia 1 de junho e não tenho corrido, mas acredito que consigo chegar ao fim!».
Relativamente aos planos futuros, João Chalupa lembra que no ano passado anunciou a sua próxima viagem de patins de Barcelona até Sines. «Não a consegui realizar no verão, por falta de apoios, mas quero fazê-la em 2026, aconteça o que acontecer. Será a primeira vez de sempre que alguém fará esse trajeto e prometi que a fazia a um tio meu que faleceu», adianta. Tem ainda pelo menos mais dois projetos a serem traçados. «Um deles, recorde mundial do Guinness, mas não vou revelar já! Se porventura houver alguém que se queira juntar para apoiar algum destes projetos, terei todo o gosto em partilhar».